5.8.20

Religiões no Brasil

Tal como acontece com qualquer outro país do mundo, o Brasil é um caldeirão de diferentes religiões.

Na verdade, devido à diversidade das suas culturas e o seu patrimônio, este país tem uma série de ideais religiosos e filiações.

Curiosamente, os censos recentes revelaram que cerca de 90% da população brasileira se inscrever para algum ideal religioso, tornando-o mais religiosamente inclinados do que qualquer outro país sul-americano. Apenas cerca de 1% da população não acredita em um Deus, ou um ser supremo de alguma forma ou de outra.

Sua inclinação religiosa também é extremamente diversificada, apesar do fato de que cerca de três quartos da população afirmam ser católicos romanos.

Na verdade, há mais católicos no Brasil do que em qualquer outro país do mundo.



Estátua do Cristo Redentor no morro do Corcovado, no Rio de Janeiro

Em termos de religiões cristãs, as principais igrejas no Brasil são:


Católica
Protestante
Metodista
Episcopal
Pentecostal
Luterana
Batista

O catolicismo foi introduzido no Brasil, quando os colonizadores europeus chegaram com o objetivo de “civilizar” os povos nativos locais.

Eles construíram igrejas e trouxe os líderes religiosos no país para ensinar jovens e velhos as doutrinas do catolicismo.

Durante o século 19, o catolicismo se tornou a religião oficial do Brasil. Isso significava que os padres católicos foram pagos um salário pelo governo, incluindo-os nos assuntos políticos do país. Como tal, o catolicismo se tornou uma parte integrante da gestão e administração do Brasil e seu povo. Muitos dos festivais brasileiros se baseiam na religião católica.

Outras religiões (isto é, de origens não-cristãs) incluem:


Judaica
Muçulmano (ou Islão)
Budista
Testemunha de Jeová
Shinto
Rastafari
Candomblé
Umbanda

O Espiritismo é também um dos mais significativa, embora menor, religiões no Brasil. Práticas espíritas são amplamente baseado em antigas culturas ameríndias, bem como a influência das culturas e costumes que foram introduzidos há séculos atrás, quando os escravos foram trazidos para o Brasil a partir do “continente negro” da África africanos.


Tais tribos e culturas foram particularmente inclinados para a adoração de espíritos, uma vez que não tinha sido influenciado por noções mais estruturados de criação, que veio de uma dependência nos ensinamentos de Bíblia.

Fonte: www.colegiosaofrancisco.com.br
Religiões no Brasil


As religiões e as culturas: Dinâmica religiosa na América Latina

I

Sociólogos entendem que a religião, sobretudo a que pode ser classificada como internalizada (Camargo, 1971), oferece visão de mundo, muda hábitos, inculca valores, enfim, é fonte de orientação da conduta. Antropólogos ensinam que “a cultura constitui um processo pelo qual os homens orientam e dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica que é atributo fundamental de toda prática humana”, nas palavras de Eunice Durham (2004: 231). É comum dar como certo que a religião não somente é parte constitutiva da cultura, mas que ela abastece axiológica e normativamente a cultura. E que a cultura, por sua vez, interfere na religião, reforçando-a ou forçando-a a mudanças e adaptações. Ainda que tais definições possam ser questionadas em face da crise conceitual contemporânea, religião e cultura ainda são referidas uma à outra, sobretudo quando se trata de uma nação, um país, uma região.

Diz-se que a cultura da América Latina é católica, embora apresente distinções internas que são devidas à formação histórica diferenciada de cada um de seus países e regiões. Assim, a cultura brasileira e algumas outras se distinguem por seu caráter sincrético afro-católico. Nelas, a dimensão religiosa de origem negra ocupa espaço relevante, à frente de elementos indígenas; nos países em que prevalece a religiosidade católica com menor ou ausente referência africana, componentes de origem indígena podem ocupar lugar mais importante que aquele observado no Brasil. Sabemos, contudo, que a cultura muda, e que a formação de uma cultura global se impõe a padrões locais.

Nos dias atuais, com o avanço das igrejas evangélicas e o concomitante declínio do catolicismo, o debate sobre religião e cultura tem proposto questões importantes, como esta: Uma América Latina de maioria religiosamente evangélica — se tal mudança viesse a se concretizar — seria culturalmente evangélica?

No Brasil, apagaria os traços afro-brasileiros, repudiados pelos evangélicos de hoje? Extinguiria o carnaval, as festas juninas de Santo Antônio, São João e São Pedro, o famoso “São João” do Nordeste? E os topônimos católicos seriam mudados — rios, serras, cidades, ruas? Os nomes de estabelecimentos comerciais, indústrias, escolas, hospitais? A cidade de São Paulo voltaria a se chamar Piratininga?


Não são perguntas para responder num exercício de futurologia, mas dão o que pensar. Afinal, cultura e religião são muito interligadas, a ponto de se confundirem — no passado e ainda hoje — em muitas situações e sociedades. E também podem, como conceitos, ter definições diferentes.

Maneiras diversas de conceituar religião e cultura não são encontradas apenas entre cientistas sociais, preocupados com suas teorias e voltados à produção de uma compreensão da realidade social. Também há diferenças profundas na forma como cada religião — através de seus pensadores — entende o que é cultura e explica a si mesma como instituição, produzindo estratégias específicas de se colocar no mundo ou, mais precisamente, no contexto do mercado religioso contemporâneo, que implica concorrência, propaganda, técnicas de persuasão, definição do consumidor e meios eficazes de chegar a ele (Pierucci e Prandi, 1996).

Religiões tradicionais de crescimento vegetativo têm que reter seus seguidores, evitar que mudem de religião. Religiões que crescem pela conversão têm que conquistar novos adeptos. Um modo de a religião se colocar consiste em considerar que os devotos estão no mundo, numa sociedade, num território, numa cultura que é preciso conhecer para defender ou conquistar. Isso não é nenhuma novidade histórica. Com o cuidado devido a uma comparação desigual, podemos imaginar que, em outros tempos, conquistadores de outro tipo usaram o conhecimento da cultura — fundando para isso uma ciência nova, a antropologia — como meio de conquista e dominação. No período avançado do colonialismo, países que contavam com uma ciência da cultura puderam dominar os conquistados sem ter que necessariamente destruir sua cultura original. Países que não cultivavam tal habilidade tenderam a persistir na política de terra arrasada, sobrepondo a sua cultura à do invadido. Na destruição de culturas nativas pelo invasor, a religião foi a ponta-de-lança da dominação, porque ela, especialmente ela, podia, naquele tempo, ensinar o que era a verdade do mundo e fundamentar as relações sociais e econômicas que passavam a imperar nos territórios dominados. Para um novo mundo, um novo deus, o Deus único e verdadeiro — foi lema na conquista da América indígena.

Hoje, felizmente, a religião tem alcance menor e só pode conquistar indivíduos, um a um. Não tem força nem braço armado para submeter nações. A religião de hoje busca a universalização, indiferente à identificação com esta ou aquela nação. Essa regra é contrariada nos casos em que a religião, negando uma tendência ocidental avançada na modernidade, continua a existir como religião tradicional de preservação de um patrimônio étnico, isso é, como “religião cultural”, (2) quando se faz religião de Estado, o que ocorre com freqüência no mundo islâmico e (3) no caso das comunidades de imigrantes que se agregam, segregados, em países e cidades em que a religião predominante é outra, assim como a língua e os costumes. Ainda há, nessa categoria, os grupos indígenas isolados.

Vamos limitar nossas preocupações ao mundo das religiões de caráter universal, confrontando, num primeiro momento, o catolicismo com o evangelicalismo.

Antes seria apropriado tratar de algumas idéias mais gerais sobre a cultura nos dias de hoje.

II

No clima dos movimentos de contestação da década de 1960, a noção herdada de cultura imutável e homogênea foi radicalmente contestada. “A ilusão, antes talvez a realidade, de culturas fixas e coesas se dissolveu, assim como a identidade fixada por nascimento” diz Adam Kuper (2005: 263-72). Podemos acrescentar nesse processo a dissolução da determinação da filiação religiosa.

Uma nação uma cultura, uma cultura uma nação — é coisa do passado, anterior à queda do colonialismo. Hoje, quando se fala em cultura, logo vem a idéia da existência de uma cultura global, sem fronteiras — a globalização cultural do planeta. Essa cultura abrangente é marcada pela coexistência da diversidade pós-colonial, com a atuação de relações sociais das mais diversas ordens e origens.

Na cultura global podemos imaginar muitos recortes, se levarmos em conta a presença ativa de indivíduos que, de acordo com este ou aquele critério, pensam e agem diversamente, construindo e manipulando de forma desigual símbolos da mesma matriz. É comum considerar que existe uma cultura da juventude, uma cultura dos homens de negócio, a cultura negra, a cultura do migrante, a cultura da pobreza, cultura gay, cultura das mulheres, cultura da terceira idade, e assim por diante. Segundo Ulf Hannerz, cada cultura dessas pode ser encontrada em todo lugar, porque há jovens em todas as partes do mundo, mulheres também etc. etc. etc. (Hannerz, 1996: 30).

Uma religião também se diversifica internamente. O evangelicalismo, que já é uma diversificação do protestantismo, é formado por uma miríade de igrejas com diferenças pequenas e grandes. O catolicismo romano também não é uniforme, embora centralizado numa Igreja. No interior do catolicismo proliferam muitos movimentos que propõem relações diversas com os indivíduos, grupos e a cultura. Houve um tempo do catolicismo da teologia da libertação, que passou, superado pelo movimento de Renovação Carismática, focado — ao contrário daquele — no indivíduo, na cura e nos dons do Espírito Santo, à moda pentecostal. Para a maioria dos católicos, esses movimentos são visto com indiferença ou desconfiança. Tratados com reserva pelo Vaticano, não chegam a afetar a face mais geral do catolicismo. São movimentos de adesão individual que, de certo modo, fazem a crítica do antigo catolicismo (Prandi, 1997).

A cultura global é marcada por diferenças de religião. Antes, a diferença religiosa era entre nações, agora é entre indivíduos. E o que define a cultura global é a pressuposição da existência de relações sociais entre indivíduos de diferentes nações, países, regiões do mundo, rompendo com o isolamento das culturas locais.

A religião, nesses termos, limita, restringe, particulariza. Tomemos um exemplo.

Numa cultura mundial de juventude, hoje, quatro elementos ocupam certamente lugar proeminente: sexo, drogas, rock-and-roll e internet. Mas haverá também uma cultura de jovens evangélicos, digamos. Um garoto dessa cultura pode se integrar com outros jovens do mundo inteiro através da internet, manter seus grupos de discussão, ter seu espaço no Orkut, enviar e receber mensagens por e-mail, mas, sendo evangélico, riscará de seu horizonte muito do que diz respeito ao sexo e às drogas, que geralmente lhe são interditos, e sua experiência musical estará restrita à música evangélica, pela qual os jovens não evangélicos do mundo não estarão minimamente interessados. Esse jovem evangélico não participará, por causa dos limites estéticos e comportamentais impostos por sua religião, de um grupo maior do que aquele limitado pela sua própria igreja. Ele está fora de uma cultura mundial de jovens, mesmo usando jeans, calçando tênis e comendo Big Mac. Sua religião é, nesse sentido, restritiva, excludente.

Mesmo se fosse de outra religião, provavelmente continuaria excluído, porque todo grupo de jovens religiosos procura se auto-excluir. A cultura cristã jovem costuma se mostrar como a própria negação da juventude, com sua rebeldia, imprudência e ousadia. Nela, o fervor religioso exasperante do jovem soa despropositado, e sua confiança na liderança adulta tem algo de ingênuo e subserviente. Muito de suas atitudes revela a sublimação do sexo, quando não sua castração. Aos olhos de outros jovens, esse jovem é visto com reserva.

Vejamos outro exemplo. Um católico carismático poderá se conectar mais facilmente com carismáticos católicos de Barcelona, Budapeste ou Bogotá do que com os católicos não carismáticos do bairro da Penha, em São Paulo, onde ele mora, estuda e trabalha. A religião aproxima os iguais e os distancia dos outros, agrega e imprime identidade, como faz a cultura. Mas como se trata de uma escolha e não mais de um atributo herdado, o outro do qual ele se afasta pode ser sua própria família ou indivíduos que naturalmente lhe seriam próximos.

Em vez de atuar como amálgama social, a religião nesse caso estaria atuando como solvente de relações sociais tradicionalmente básicas, dissolvendo antigas pertenças e linhagens, como mostrou Pierucci (2006). Pensado em termos de cultura, isso significa uma mudança importante não só quanto à construção da identidade (que agora requer fazer a escolha religiosa), quanto de lealdade. Quando a cultura tradicional brasileira entrou em crise na esteira do processo de industrialização baseado no capital multinacional, o capital sem pátria, sem nação, sociólogos se perguntaram com quem seriam estabelecidas as futuras relações de lealdade, uma vez que, nessa nova sociedade capitalista, os antigos laços da família patriarcal, da religião tradicional, das relações pessoais de trabalho etc. ficavam cada vez mais frouxos. A nova lealdade do indivíduo seria com as empresas multinacionais? Isso felizmente se revelou uma boutade da sociologia, mais que outra coisa. Quando aquele futuro chegou se pôde perceber como a religião a que agora o indivíduo adere por livre escolha (e que não é a religião tradicional) pode ser uma nova fonte de lealdade, criando-se no âmbito da nova cultura elementos de apoio emocional e justificativas socialmente aceitáveis para que ele possa se libertar com legitimidade da antiga religião e daqueles outros velhos laços sociais. A religião passa a atuar, portanto, como solvente numa cultura que promove o indivíduo, valoriza as escolhas pessoais e fixa suas âncoras por todo o globo terrestre sem se prender em especial a lugar nenhum. Nesse novo contexto, podemos continuar chamando a cultura brasileira ou a latino-americana de católica? Sim, pelas origens e pelos símbolos que mantém; não, pelo esgotamento da orientação que pressupunha a fidelidade ao catolicismo.

III

Ao se tomar uma cultura como objeto de reflexão é preciso considerar os indivíduos que dela participam, que a partir dela orientam suas ações, que manipulam seus símbolos e a transformam. Se o que mais nos interessa, no caso da religião, são os valores e normas, é preciso considerar que eles só fazem sentido no contexto da conduta real dos indivíduos e não podem ser dissociados das ações que orientam, ações que podem constituir padrões culturais, mas que também são históricas e concretas. Não se pode perder de vista que há um processo permanente e rápido de reelaboração cultural na sociedade atual, e que, tanto o indivíduo, como as instituições e o mercado têm consciência disso em maior ou menor grau, procurando não apenar tirar proveito dessa condição, mas interferir no processo.

O contrário seria imaginar a cultura como um contêiner, como hoje se diz no campo da educação comparada, usando um modelo em que a cultura é definida e diferenciada em oposição a outra (Lambeck e Boddy, 1997), como dois sujeitos que poderiam dialogar entre si. Implicaria tratá-la como uma objetividade concreta que ela não tem, como se os indivíduos estivessem dentro da cultura, como se a cultura contivesse os indivíduos, isolando-os e impondo limites à compreensão e ao agir humanos (Hoffman, 1999). O contêiner poderia ser modificado de fora para dentro, levando com ele os indivíduos que estão lá dentro. A cultura não é — e cada vez é menos — um compartimento fechado, isolado. Evidentemente há muitas gradações, com interação e partes comuns em maior ou menor grau. Mais do que nunca, hoje os indivíduos que vivem uma determinada cultura estão em permanente contato com outros que vivem suas culturas próprias, integrando-se, uns e outros, numa cultura globalizante, sem fronteiras, em que diferentes fontes e referências se cruzam e se substituem, fazendo das culturas específicas vasos comunicantes enredados em possibilidades sem fim. Mas há quem não veja as coisas assim.

Pensadores e líderes católicos acreditam que a América Latina continua sendo um continente de cultura católica e que os latino-americanos, por conseguinte, são naturalmente católicos. Há quem diga que a América Latina é profundamente católica! O crescimento exponencial do pentecostalismo mostra que isso já significa muito pouco. Acreditam também que se a religião vai mal, é preciso renová-la agindo na cultura no sentido de trazê-la de volta ao catolicismo. Para isso procuram estabelecer um diálogo da Igreja com a cultura e não com os indivíduos. O declínio constante do catolicismo mostra que essa maneira de ver a cultura não leva a nada. Mas isso não é um problema que diga respeito apenas à Igreja católica latino-americana.

O Vaticano pensa o mesmo com respeito aos países europeus: a Europa é um continente de cultura católica, logo, a presença cada vez maior de outras religiões, sobretudo as levadas pela imigração, aliada ao desinteresse dos europeus por qualquer religião, soa à Igreja como uma crise que se dá na suposta cultura européia católica e que pode ser sanada por um esforço da Igreja de restauração cultural.

Enquanto perde fiéis sem parar, o catolicismo, nas palavras de Flávio Pierucci, “se pensa referido antes de mais nada a povos com suas culturas do que a seres humanos com sua humanidade” e insiste “em querer ‘evangelizar as culturas’, pretensão que hoje se resume na seguinte palavra de ordem teológica, mas de inspiração etnológica — ‘inculturação’” (Pierucci, 2005).

Inculturar nada mais é que inserir na cultura algo tomado de fora ou mudar o significado de algo que já está nela contido1. Diz o teólogo católico Faustino Teixeira que a inculturação “implica sempre uma reinterpretação criadora, o choque de um encontro criador”, e que “o empenho em favor da inculturação exige um conhecimento aprofundado da cultura com a qual a mensagem cristã estabelece relação” (Teixeira, 2007). Evidentemente, essa estratégia de ação na ou com a cultura trata de identificar as “culturas específicas”, as variantes nacionais, regionais e locais, as culturas de grupos, classes e categorias sociais, de modo a dotar a ação evangelizadora de certo fundamento “científico” emprestado por uma antropologia velha que reifica o conceito de cultura e a imagina como portadora dos indivíduos.

Enquanto isso, o protestantismo pentecostal e neopentecostal segue adiante, conquista, nessa América católica, mais e mais fiéis, convertendo indivíduo por indivíduo, sem se importar a mínima com a evangelização da cultura. Sua estratégia consiste em trazer novos seguidores, convertidos individualmente para dentro de suas igrejas, construir mais e mais templos, avançar no território do outro, ciente de que “de grão em grão a galinha enche o papo”. Da cultura ele aproveita alguns elementos que possa usar em seu favor — símbolos, referências, imagens, benzimentos, pequenas magias a que os candidatos à conversão estão afetivamente habituados.

A história recente do pentecostalismo no Brasil mostra, inclusive, que sua estratégia de expansão parte do individual, do miúdo, do pequeno, reservadamente, para aos poucos ir se mostrando de forma graúda, se impondo finalmente na paisagem, forçando, por assim dizer, seu reconhecimento e ingresso na cultura. A emblemática Igreja Universal do Reino de Deus se instalou primeiro nos salões desocupados das grandes cidades, nos cinemas fora de uso, em galpões de aluguel. Até que veio o dia em que as coisas mudaram e seu bispo fundador anunciou algo como ter chegado o tempo de construir catedrais. E as catedrais dessa igreja — símbolo de consolidação de seu processo de institucionalização e meio de incorporação à cultura brasileira — começaram a ser plantadas na paisagem urbana do maior país católico do planeta. Do mesmo modo, mesquitas imponentes foram se impondo na paisagem de capitais da Europa, inclusive em Roma, revelando a presença agora inequívoca de um islã de imigrantes, que por muito tempo ali cresceu na sombra.

Citando Pierucci novamente, “pergunte se qualquer uma das igrejas de conversão puramente individual, como as evangélicas, no intuito de responder aos desafios do nosso tempo, vai lá perder tempo com a reevangelização da cultura! E, no entanto, são elas as que mais crescem nessas “nações católicas” que se estendem de norte a sul da “América católica”, não sem desde logo alcançar em plena “América protestante” os novos imigrantes de origem hispânica ou brasileira, culturalmente católicos, mas já agora postos em franca disponibilidade para uma conversão provavelmente evangélica — apostasia que não cessa de multiplicar-se, minando por baixo e por dentro os ‘povos culturalmente católicos’ que o discurso pastoral de João Paulo II não se cansava de contemplar, envaidecido, em seu embaçado retrovisor polonês” (Pierucci, 2005).

O pensamento católico, na medida em que não acompanha mudanças recentes na cultura introduzidas por aqueles que a vivem, acaba se auto-excluindo. A cultura contemporânea em permanente transformação, cada vez mais secularizada, oferece sentidos múltiplos para um mundo que a cada dia exige novas respostas, propõe novas soluções e cria necessidades inimagináveis. O pensamento católico atribui as perdas católicas (em adeptos, prestígio e influência) ao desgaste crescente provocado por uma cultura nova que mina a fé, corrói os valores cristãos verdadeiros e substitui a orientação tradicional religiosa pela orientação secular científica, filosófica e política à livre escolha de qualquer um. Precisa, portanto, interferir na nova cultura e restaurar a cultura das origens, da raiz, da formação das nossas sociedades.

Nos dias atuais, enquanto a Igreja católica, sob a batuta retrógrada de Bento XVI, procura recompor a unidade doutrinária e ritual relativizada e culturalmente diferenciada pelas reformas do Vaticano II no sentido de melhor aproximar a Igreja das transformações do mundo, as igrejas evangélicas continuam em seu curso obsessivo: se multiplicam, se diversificam, inventam novas abordagem — do sagrado e do converso —, se aplicam no desenvolvimento de técnicas de persuasão e conversão. Oferecem-se como novas alternativas, mudam a concepção a respeito do dinheiro e dos bens materiais, propõem-se a resolver problemas individuais de toda sorte, criam uma oferta de serviços religiosos (e mágicos) jamais vista, modificam a relação de poder entre Deus e o homem. E assim vão enchendo suas igrejas de novos crentes. Mas querem mais. Num segundo momento, querem visibilidade, esperam pelo reconhecimento social, desejam ser aceitas como integrantes legítimas da cultura contemporânea.

IV

É incontável o número de símbolos e elementos de origem católica que compõem a cultura latino-americana nas suas mais diferentes manifestações. Brasileiros orgulhosos votaram recentemente em massa no Cristo Redentor plantado no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, para sua inclusão na nova lista das sete maravilhas do mundo.

O Redentor venceu, assumindo seu lugar entre as Maravilhas do Mundo ao lado das outras seis ganhadoras: a Grande Muralha da China, a cidade helenística de Petra, na Jordânia, a cidade inca de Machu Picchu, no Peru, a pirâmide maia de Chichen Itzá, no México, o Coliseu de Roma, na Itália, e o túmulo Taj Mahal, na Índia. Significa que o eleitor do Cristo Redentor votou como católico? É muito mais provável que tenha votado como simples brasileiro, sem nenhuma especificação religiosa. Votou num monumento paisagístico e turístico, num símbolo tão secular do Rio de Janeiro como Copacabana e o Pão de Açúcar. Assim o Redentor foi referido na propaganda eleitoral promovida por governo e iniciativa privada. Incluindo monumentos que vão das igrejas do barroco colonial à catedral modernista de Brasília e tantas outras referências, o patrimônio material erguido pelo catolicismo é tão rico como o patrimônio imaterial de origem católica, como muitas festas e comemorações importantes do calendário e que há muito estão secularizadas. A coisa, portanto, é católica e não é. É católica na chave cultural, e é não católica na religiosa.

No caso do Brasil, e de alguns outros países da América Latina, não se pode falar em cultura sem levar em conta a presença de elementos religiosos de origem africana. No Brasil, algumas influências negras são mais antigas, como ocorre na língua, e derivam da presença da população escrava. Outras são mais recentes e originam-se diretamente das religiões afro-brasileiras, que só se formaram na primeira metade do século XIX. Sua ocorrência se verifica na música popular, na literatura, poesia e teatro, no cinema e na televisão, nas artes plásticas, na culinária, no carnaval e na dança, também em práticas mágicas oferecidas como serviços a consumidores não necessariamente religiosos, e nos valores e concepções extravasados dos terreiros para a cultura popular, mais um rico repertório de gostos e padrões estéticos. Também podem ser observadas no jeito “diferente” de encarar a vida.

Tamanha é a presença de elementos de origem religiosa nessa cultura, que a própria religiosidade afro-brasileira é entendida como cultura e assim tratada também pelo Estado brasileiro. O mesmo Estado que garante direitos coletivos calcados na cultura, na origem étnica, como o direito à terra dos quilombolas e dos povos indígenas. O Ministério da Cultura mantém a Fundação Cultural Palmares cujo objetivo é “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. Órgão público de um Estado laico, a Fundação Palmares não se exime de dar atenção especial aos terreiros do candomblé e das demais religiões afro-brasileiras, garantindo recursos e meios para sua manutenção, restauração patrimonial e proteção institucional. Porque as considera uma espécie de celeiro que abastece a cultura brasileira. Sacerdotes dessas religiões se dão o direito de recorrer à Palmares para solução dos mais variados problemas. A Fundação os acolhe, na medida do possível, mas não passa pela cabeça de seus dirigentes oferecer a mesma atenção a pastores evangélicos negros.

Desde os anos 1960, entretanto, essas religiões deixaram de ser étnicas para se transformar em religiões universais, isto é, abertas a seguidores de todas as origens étnicas, nacionais, geográficas, de classe e de cor. São hoje religiões de adesão individual, descoladas das antigas bases populacionais de origem africana, e que se expandem por todo o Brasil e chegam a outros países da América, como Uruguai e Argentina, e da Europa. Evitemos aqui o termo “conversão”, porque o processo de adesão a uma religião afro-brasileira é diferente daquele das evangélicas. O candomblé e suas variantes são religiões rituais que não dispõem de um discurso salvacionista nem propõem romper com o passado biográfico dos indivíduos. Rezadas em línguas intraduzíveis de origem africana (exceto no caso da umbanda, que usa o português), as religiões negras não exercitam seus líderes para o uso da palavra, não fazem propaganda, não fazem proselitismo nem pregação. Não tentam convencer as pessoas através da palavra. A adesão se dá por aproximação mágica e ritual ou por afinidade pessoal, e é extremamente personalizada. Aos poucos o novo aderente vai mergulhando num ritualismo complexo e quando se dá conta está comprando roupas de estilo africano, aprendendo uma língua africana, ensaiando uma coreografia de ritmos de origem africana.

O candomblé conserva uma faceta cultural muito densa, mesmo quando deixa de ser uma religião étnica para ser universal. Isso talvez constitua uma contradição que dificulta a adesão de muitos e que refreia seu crescimento. A despeito de sua importância cultural, o candomblé e congêneres constituem um segmento religioso de tamanho diminuto e crescimento modesto, declinante na modalidade umbandista, ameaçado de perto por igrejas pentecostais e neopentecostais, que demonizam seus orixás e guias espirituais e lhes subtraem muitos seguidores, convertendo-os (Prandi, 2005).

Hoje religião de negros, brancos, pardos, amarelos indistintamente, o candomblé é visto como uma espécie de reserva étnica e tratado como uma das fonte tradicionais ativas da cultura brasileira também no âmbito educacional. Assim, por força da lei federal 10.639 de 9 de janeiro de 2003 — que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares — a mitologia dos orixás, entre outros itens, é ensinada nas escolas como cultura, tratando-se os orixás, os deuses do candomblé, como são tratados os deuses gregos ou romanos, desprovidos do caráter sagrado. A própria cidade de Salvador, chamada de Roma Negra, berço do candomblé, se apresenta como a capital da cultura dos orixás, que ostenta seus traços na culinária, nos mercados, na música e na paisagem. Basta uma visita ao dique do Tororó, que exibe estátuas de grande porte dos orixás, para que o visitante se convença que a cidade tem alguma coisa de muito diferente.

Em todo lugar, turistas e curiosos vão aos terreiros para apreciar as cerimônias como quem vai a um espetáculo folclórico. O candomblé não se incomoda com essa platéia de propósitos não religiosos. Ao contrário, quando há visitantes, capricha para que o espetáculo seja mais bonito, mais odara.

No final do culto, quando se serve o banquete comunitário, as visitas que estão indo pela primeira vez a um terreiro se surpreendem com a comida que é oferecida a todos e se dão conta que a culinária típica baiana, que hoje se come nas diferentes regiões do país, em casa, em restaurantes e bancas de rua, nada mais é do que a comida sagrada dos deuses afro-brasileiros: o acarajé de Iansã, os bolinhos de inhame de Oxalá, o quiabo com camarão de Xangô, a brasileiríssima feijoada de Ogum…

E a presença protestante, onde está? Na cultura brasileira, que ao mesmo tempo é católica e tem muito de religião afro-brasileira, falta o elemento evangélico. Se o candomblé virou cultura — com samba, carnaval, feijoada, acarajé, despacho, jogo de búzios — as sisudas denominações evangélicas nunca foram capazes de produzir para o Brasil qualquer bem cultural importante, como chama a atenção Gedeon Alencar, em seu trabalho sobre a não-contribuição evangélica à cultura brasileira (Alencar, 2005). Até mesmo a música gospel, que é a produção evangélica mais perto do consumo estético, é limitada ao universo dos crentes, incapaz de se auto-incluir no plano geral das artes de âmbito nacional, artes que o protestantismo brasileiro encara, de modo geral, com suspeição e recusa. Como exceção digna de nota, a música brasileira deve a formação de muitos músicos profissionais às pentecostais Assembléia de Deus e Congregação Cristã.

V

Ainda que haja muitas referências religiosas na cultura brasileira, como acontece na de outros países, essa cultura é também republicana, e nesse sentido é secularizada, o que possibilita a cada indivíduo fazer a sua escolha pessoal e livre em termos de adesão a essa ou àquela religião ou, se assim preferir, não se filiar a nenhuma ou mesmo se identificar como ateu. Isso caracteriza os nossos dias, apesar do fato de a Igreja católica ainda insistir em ter uma presença mais ativa, desejosa de ressacralizar a cultura. Passados o surto secularizante e a preocupação pastoral com problemas comunitários, que marcaram setores da Igreja identificados como progressistas, que floresceram nos pontificados de João XXIII e Paulo VI, o Vaticano trava uma batalha inglória para recuperar seu poder de interferir, em nome de Deus, na intimidade não somente de seus fiéis, mas de todos os humanos, religiosos ou não. A Igreja romana procura influir no processo instituinte de leis laicas que regulem os costumes em conformidade com seus modelos. Rejeita muitas conquistas de movimentos que têm mudado radicalmente a cultura mundial em termos de direitos no âmbito do gênero, da sexualidade, da família, da reprodução humana e outros. Acaba perdendo, ficando para trás.

Quando países de formação cultural católica legalizam o divórcio, o aborto, a união homossexual, para citar três temas contra os quais a Igreja católica se bate sem se cansar, não dá mais para falar em cultura católica simplesmente.

Na dinâmica das religiões podemos enxergar as mudanças culturais com as quais elas se debatem, bem como suas estratégias.

Durante décadas a Igreja no Brasil combateu a presença da mulher no mercado de trabalho urbano, onde competia diretamente com o homem. Trabalho fora de casa e não relacionado ao serviço doméstico ou à educação de crianças representava o contato direto com a cultura masculina, embrutecedora e perigosa para a mulher. Perdeu, teve que aceitar, ajustou-se aos novos tempos. Foi contra o ensino do inglês na escola, porque preferia o francês, mais condizente com os costumes de então; contra o aprendizado do violão e do acordeão, instrumentos de artistas boêmios, recomendava o clássico piano executado com recato na intimidade da família; contra o cinema americano, por sua falta de pudor; contra a moda e o uso de roupa masculina pela mulher, de maquiagem, de saia curta…

Para não falarmos de sexo: jamais fora do casamento. Nesse terreno em que costumava dar as cartas, sua influência se anulou, e os valores religiosos que norteavam a conduta foram substituídos por outros, alheios à religião. Parecem pequenas coisas, mas são exemplos bastante ilustrativos do grau de interferência da religião na vida dos fiéis até os anos 1950 e de sua oposição às mudanças culturais (Prandi, 1974).

O pentecostalismo seguiu inicialmente esse rastro moralista de controle dos costumes, controle depois atenuado por muitas de suas igrejas que se impuseram como modelos de um novo estilo de conversão.

No período que vai de 1950 a 1970, o modelo ideal do religioso pentecostal era o crente trabalhador (homem ou mulher) comedido nos hábitos, submisso à autoridade, modesto no vestir, avesso ao consumismo. Dinheiro era coisa do diabo, era perdição. Muito adequado a uma sociedade cuja economia remunerava mal o trabalhador. Em meados dos anos 1970 a economia começou a mudar, e o setor produtivo industrial, que era o carro-chefe do desenvolvimento econômico da América Latina, se viu adiante ultrapassado pelo setor terciário do comércio e serviços. O ideal do operário que produzia e se contentava com um salário baixo foi substituído, de modo crescente, pelo modelo do consumidor inserido num mercado cada vez mais globalizado, em que todos podem comprar muito, mesmo que sejam as quinquilharias asiáticas vendidas a preços irrisórios e artigos falsificados mais baratos. O consumo se generalizou apoiado num sistema de crédito ao consumidor acessível a todos. Nessa nova cultura consumista, o velho pentecostalismo passou a dizer pouco para muitos.

Já no final da década de 1970, temos novidades marcantes: a chegada da teologia da prosperidade e o surgimento das igrejas do neopentecostalismo.

E a nova religião desdemonizou o dinheiro e o consumo: a Deus apraz que seus filhos gozem de conforto e do acesso aos bens de que dispõe a humanidade (Mariano, 1999). A religião mostra o caminho, estabelece pactos e trocas de favores entre Deus e os homens.

A igreja inverte os termos da fidelidade religiosa e garante: “Deus é fiel”, conforme o dístico pregados em veículos, supostamente de evangélicos, que circulam pelas ruas e estradas do Brasil. Essa religião já é, portanto, outra, adaptada aos novos tempos, em sintonia com novas exigências culturais.

A nacionalização (ou des-regionalização) do candomblé a partir da década de 1960 dependeu fortemente de dois fatores: da produção de uma arte que valorizava elementos extraídos dos ritos e mitos cultivados nos terreiros e que serviu para divulgar e legitimar socialmente uma religião que sobrevivera sitiada pelo preconceito racial e (2) do desenvolvimento no país de uma cultura que cada vez mais afrouxava a importância das regulações éticas, mais centrada no indivíduo que agora vivia numa sociedade pós-ética (Prandi, 1991). Ao extravasar dos espaços negros onde surgira para buscar a universalização, o candomblé teve sua expansão facilitada em grande medida pelo fato de ser constitutivamente afinado com aquelas transformações em curso na cultura brasileira, uma vez que ele não se ocupa, nem se preocupa, com a distinção que as religiões cristãs fazem do bem e do mal. O que importa é a realização pessoal e a felicidade do homem e da mulher, garantidas pelas boas relações do indivíduo com o seu orixá.

VI

A cultura muda. A religião muda. No mundo contemporâneo, em seu lado ocidental, se a religião não acompanha a cultura, fica para trás. Ainda tem fôlego para interferir na cultura e na sociedade, sobretudo na normatização de aspectos da intimidade do indivíduo — especialmente pelo fato de ser religião — mas seu sucesso depende de sua capacidade de mostrar ao fiel potencial o que ela pode fazer por ele. Dotando-o, sobretudo, dos meios simbólicos para que a vida dele possa fazer algum sentido e se tornar, subjetiva ou objetivamente, mais fácil de ser vivida, sem que se tenha que abandonar o que de bom este mundo oferece.

Suponhamos, por fim, que o crescimento das religiões evangélicas as leve a suplantar o catolicismo em número de seguidores. O evangelicalismo se tornaria a religião da maioria, o catolicismo, de uma minoria. Se isso acontecesse, a cultura brasileira se tornaria evangélica? Dificilmente. O evangelicalismo seria a religião de indivíduos convertidos, um a um, e não a religião que funda uma nação e fornece elementos formadores de sua cultura. O processo histórico dessa mudança seria diferente daquele que forjou a cultura católica na América. Nesse futuro hipotético, cuja factibilidade não está aqui em discussão, a condição dada para que o protestantismo superasse o catolicismo teria implicado, primeiro, a secularização do Estado — já completada no presente — depois, a secularização da cultura — que se encontra em andamento. Porque é com a secularização que os indivíduos ficam livres para escolher uma religião diferente daquela em que nasceram.

Então, quando tudo isso estivesse se completando, por mais cheias que estivessem as igrejas, templos, terreiros, a cultura já se encontraria esvaziada de religião. Não teria que substituir uma religião por uma outra. No limite, por muitas outras, não por uma.

Reginaldo Prandi

Referências

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Fonte: www.fflch.usp.br
Religiões no Brasil
História das Religiões no Brasil: Teoria e Metodologia a partir da Escola Italiana

Resumo: A presente comunicação é uma tentativa de apresentar elementos para a definição da área de História das Religiões no Brasil a partir da Escola Italiana de História das Religiões. A definição de áreas de pesquisa e estudos é o primeiro passo para o progresso da ciência. Dessa definição resultam ações metodológicas e mesmo educacionais que contribuem para que as pesquisas realizadas alcancem seus objetivos e contribuam decisivamente para que um País cresça e se desenvolva. Por este motivo, são necessários e relevantes estudos que trabalhem a questão de definições teóricas e metodológicas das áreas do conhecimento para que o progresso do conhecimento tenha eficácia.
História das Religiões – urgência e ambivalência

Uma das áreas que necessita de definição mais acurada é a área de História das Religiões no Brasil. O estatuto científico dos estudos históricos da Religião sofre de problemas de aproximação e sua trajetória no Brasil ainda está longe das grandes discussões teóricas realizadas em outros países e continentes.

Um dos problemas que se apresenta é sobre a forma de tratamento. Como tratar da dimensão histórica dentro das diversas abordagens da Religião? Dessa maneira, impõe-se a necessidade de enfrentar a questão da abordagem histórica da Religião dentro da área de História das Religiões, atualizando as discussões internacionais no Brasil.

Além disso, os Programas de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais carecem dessa definição, como podemos constatar, seja pelo pequeno número de publicações nessa área, seja pela declaração de algumas instituições e teóricos sobre a indefinição do campo de Ciências Humanas e Sociais.

Este projeto tem a pretensão de apresentar considerações sobre as definições teórico-metodológicos sobre a área de História das Religiões no Brasil.

A História das Religiões, cujo termo é polissêmico, quer representar o campo de estudos históricos sobre as religiões e, por outro lado, desenvolver o registro sobre o processo de historicização das religiões. O grande desafio dessa dupla tarefa para a disciplina é sua indefinição quanto ao objetivo primário da mesma.

No Brasil, esta área se confunde com suas ciências afins. Seria esta parte do ramo da História ou seria vinculada definitivamente às Ciências Humanas e Sociais? A “Religionswissenschaft” nasceu na segunda metade do século XIX dentro do clima do historicismo alemão.

O fato é que a constituição da História das Religiões, desde sua gênese, teve problemas de “lugar” no escopo científico das disciplinas de estudo.

Ciente disso, Geertz aponta para a dificuldade a partir da própria constituição do nome da disciplina:


Um barômetro para essa situação pode ser visto nos nomes escolhidos para a disciplina. É a palavra alemã “Religionswissenschaft” que está por trás da expressão britânica “Science of religion” [Ciência da Religião], ao passo que Ciência da Religião, nos Estados Unidos, é sinônimo de Sociologia da Religião. Portanto, os norte-americanos utilizam a palavra alemã “Religionswissenschaft”, que também tem sido traduzida nos Estados Unidos como “Study of Religion” [Estudo da Religião] – mas não “Religious Studies” [Estudos Religiosos], que é a abordagem mais teológica. Na Inglaterra, encontramos o termo “Comparative religion” [Religião Comparada], que se encaixa bem no pluralismo britânico, mas, nos Estados Unidos, Religião Comparada”, conforme foi praticada por Mircea Eliade, é denominada de “History of Religions” [História das Religiões], ainda que nenhum departamento nas universidades receba este nome. Na Europa, o termo “History of Religions” e termos equivalentes em francês, italiano, e nas línguas escandinavas são utilizados para o estudo mais amplo da religião, ainda que não tenha de fato integrado as ciências sociais. No Canadá, “História das Religiões” é considerado um termo muito limitado, daí a preferência por “Study of Religion”. Na América Latina, o termo escolhido parece ser estúdio de lãs Religiones [Estudo das Religiões] – e agora estou vendo que no Brasil prefere-se História das Religiões. Já nos Países asiáticos não há preocupação com termo algum.

Ou seja, a História das Religiões é reivindicada como parte integrante de três campos de análise: a História, as Ciências Humanas e Sociais e as Ciências das Religiões como sub-campo de pesquisas e produção de dados e observações. Para Filoramo e Prandi, a História das Religiões sofre, após um século de debates, de um posicionamento epistemológico sobre sua metodologia e seus objetivos.

Sob o rótulo de História das Religiões ocultam-se, segundo eles, pelo menos três diferentes perspectivas metodológicas: História, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Religião. Outro problema diz respeito ao objeto “Religião” dentro do estatuto da História, enquanto ciência do tempo e dos fatos históricos. Qual o lugar da “Religião” na História das Religiões? Seria o estudo da religião um ato privilegiado ou secundário? Qual o papel da religião na constituição de uma determinada linha de pesquisa nesta área? Como abordar um campo polissêmico e complexo como a religião? Além dos problemas oriundos da própria História, enquanto ciência do saber, a Religião apresenta-se como um objeto difícil na medida em que não se enquadra em definições satisfatórias e completas. O próprio termo “Religião” sofre controvérsias sobre sua abrangência.

Ao longo dos séculos, a palavra de origem latina: religio foi assumindo diversas conotações e interpretações. A religião, enquanto objeto de estudo do historiador, está por ser definida.

De sua conceituação derivará o tipo de história, suas conseqüências e conclusões, como afirma Wiebe:


Sustenta-se bastante plausivamente que a menos que seja possível alguma definição preliminar da religião, alguma forma de compreensão intuitiva da natureza da religião suscetível de formulação verbal, nenhum estudo da religião pode chegar a ser iniciado. Sem tal definição de um campo de pesquisa, qualquer e todas as coisas estariam abertas à investigação; e se tudo está aberto à investigação, nós na verdade não temos absolutamente nenhum estudo específico da religião. Assim, uma definição da religião é necessária para destacar os fenômenos a serem investigados.

Dessa forma, a explicitação do termo ou conceito de religião assumida pelo historiador irá determinar a própria história sobre a religião que será produzida. Mas, o historiador da religião tem para si outro problema de fundo epistemológico. Poderá ele escapar das contradições entre o seu objeto de estudo e a herança anti-religiosa que sua ciência compartilha? A História, enquanto campo de pesquisa, foi constituído dentro dos parâmetros do Iluminismo, Racionalista e anti-religioso. Essa dificuldade sempre se apresentou como desafio dos pesquisadores das áreas afins. Ao longo dos séculos XIX e XX, as ditas Ciências Humanas e Sociais buscaram uma definição de Religião que produzisse uma explicitação de seu conteúdo. Para Max Muller (1832-1900), a origem da Religião deveria ser entendida como um deslocamento semântico, uma “doença de linguagem”.

Ao nomear as coisas (nomina) os seres primitivos criaram os deuses (numina). Já Auguste Comte apresentou a teoria dos estágios da humanidade (Teológico, Metafísico e Positivo) para explicar o papel da Religião. No Estágio Teológico a imaginação desempenha papel de primeiro plano. Diante da diversidade da natureza, o homem só consegue explicá-la mediante a crença na intervenção de seres pessoais e sobrenaturais. Este Estágio representaria, no desenvolvimento do espírito humano, uma etapa de transição para o Estágio Metafísico. Este, inicialmente, concebe “forças” para explicar os diferentes grupos de fenômenos, em substituição às divindades da fase teológica. Fala-se então de uma “força física”, uma “força química”, uma “força vital”. Procura explicar a “natureza íntima” das coisas, sua origem e destino último, bem como a maneira pela qual são produzidas. O Estágio Positivocaracteriza-se pela subordinação à observação. Cada proposição enunciada de maneira positiva deve corresponder a um fato, seja particular, seja universal.

Desta forma, a Religião seria a forma primitiva dos homens explicarem os fenômenos que não compreendiam. Em “A origem das espécies” Charles Darwin (1859), estabeleceu a idéia de uma continuidade entre o homem e o animal, inscrevendo todas as espécies no tempo de uma história contingente, sem uma ordem geral e sem um progresso determinado. Desta forma, a Religião (cristã) nada mais era do que uma forma evoluída de manifestação cultural. Para Émile Durkheim (1858-1917), a definição de Religião estava vinculada às representações coletivas e era a via através da qual poderíamos entender a forma de representação do mundo. As crenças propriamente religiosas são sempre comuns a uma coletividade determinada. O indivíduo abre mão da sua própria liberdade pessoal para aderir às práticas, ritos coletivos e solidários cujo objetivo final é receber em troca uma certa organização da realidade da vida cotidiana. Tais crenças são admitidas, a título individual, por todos os membros dessa coletividade, que se sentem ligados uns aos outros pelos laços de uma crença comum. Wilhelm Wundt (1832-1920) concebeu a Religião como a forma do homem de relacionar-se com seus sentimentos em relação ao desconhecido. O que podemos advir é que o Iluminismo, desde o início, teve dificuldades de abordar a Religião em todos os seus amplos aspectos. Dessa forma, a própria definição de Religião foi apresentada como estágio primitivo da humanidade, seja no aspecto organizacional, social, político ou mesmo emocional. Assim, concordamos com que o primeiro problema para o historiador da religião é o problema epistemológico, como nos alerta Certeau.


A historiografia mexe constantemente com a história que estuda e com o lugar onde se elabora. Aqui, a pesquisa daquilo que deve ter ocorrido, durante os séculos XVII e XVIII para que se produzissem os fatos constatados em fins do século XVIII, normalmente pede uma reflexão a respeito daquilo que deve ocorrer e mudar hoje, nos procedimentos historiográficos, para que tais ou quais séries de elementos, que não entravam no campo dos procedimentos de análise empregados até então, apareçam.

Assim, podemos advir que ao historiador da religião cabe um duplo papel de explicitação de definição e de métodos, mas também de limites de sua própria área de pesquisa. Outro problema de aproximação para um fazer histórico em História das Religiões (doravante se referido pela sigla HR) é a questão do método. O método científico, em qualquer ciência, é a organização pela busca da verdade. Seus protocolos formais, suas formas de condução, seu regime de organização, se funda na referida pretensão de conhecer a realidade para além das aparências, de modo a controlar o conhecimento. Porém, a HR não produziu métodos de abordagem próprios, mas, ao longo do século XX, seguiu métodos de abordagem das outras Ciências Humanas e Sociais.

Este “empréstimo” metodológico causou uma série de dificuldades desde o início, como bem atesta Geertz:


Durante o primeiro século de sua história, os estudiosos acadêmicos da religião perceberam a si mesmos como historiadores e lingüistas engajados em estudos dos textos canônicos sagrados das religiões mais importantes. Assim, tais estudos fundamentavam-se em métodos e abordagens históricos e arqueológicos, filológicos e etnográficos. Após o apogeu do evolucionismo do século XIX e das grandiosas teorias psicológicas e sociais das primeiras décadas do século XX, em todas as ciências ocorreu um profundo ceticismo para com as teorias abstratas e normativas.

Porém, a disciplina, ao longo do tempo, trabalhou entre dois métodos.

O método histórico-filológico que, no dizer de Prandi e Filoramo, consiste de: “uma coleta de documentos, seu exame a partir de um sólido background lingüístico, sua colocação nos respectivos contextos históricos, a pesquisa das leis de desenvolvimento dos sistemas religiosos, dos mais simples aos mais complexos”. A HR se desenvolveu aproveitando este método para uma depuração do método comparativo. Por dois séculos este método foi utilizado em larga escala por pesquisadores como Max Muller. Outro método que ocupou por muito tempo a História das Religiões foi o método denominado “difusionista”.

Segundo James Blaut, a abordagem difusionista se consolida ao longo do século XIX, sobretudo entre etnógrafos e, mais tarde, na Antropologia Cultural. Este método tem relação com a expansão colonial européia em direção à África e Ásia. A partir do olhar eurocêntrico do colonizador, estabelece-se uma concepção de mundo na qual existiriam de um lado regiões e/ou povos biologicamente superiores e permanentemente inovadores e, de outro, os incapazes de inovar. Aos últimos, para promover a necessária civilização “redentora do atraso”, caberia imitar as técnicas e valores das regiões mais desenvolvidas. E estas teriam a missão de difundir seus conhecimentos e hábitos “superiores” pelo mundo. O mito difusionista de que regiões de culturas supostamente “inferiores” são “espaços vazios” a serem preenchidos inexoravelmente pelas técnicas civilizatórias, a uniformizar o mundo, impulsionou os primeiros geógrafos culturais à tarefa de inventariar paisagens, técnicas e costumes em vias de desaparecimento. As produções oriundas desse método apresentaram uma História das Religiões que se destacavam como “primitivas” ou “mais antigas” no sentido evolucionista e teve influências em uma leitura evolucionista do monoteísmo cristão para o politeísmo (pagão). Outro método que se adotou ao longo do tempo foi o historicismo. O termo historicismo apareceu em 1881 na obra de Karl Werner-Giambattista Vico como filósofo e pesquisador erudito, com o significado de estrutura histórica da realidade humana.

Como método, o historicismo define o pensamento como resultado cultural do processo histórico e reduz a realidade e sua concepção à história. A historicidade ou a inserção cronológica, causal, condicionante e concomitante de eventos na história constitui posição assumida a priori, isto é, ela é prévia e determina a inserção dos fatos na história. A razão substitui a providência divina na visão historicista, caracterizada pela consciência histórica, pela historicidade do real. A humanidade é compreendida por sua história e a essência do homem não é a espécie biológica, mas sua história, movida pela razão. Essa retrospectiva do tratamento da Religião como objeto de análise remete-nos, finalmente, às pesquisas e trabalhos da Escola Italiana de História das Religiões, mas precisamente nas tentativas de Vittorio Lanternari, Raffaele Pettazzoni e Ângelo Brelich. Para este último, os fenômenos religiosos necessitam ser ancorados em uma base teórica e definidos a partir de dado momento histórico-cultural. Para Brelich, as crenças religiosas são entendidas a partir de seus universos históricos, culturais e mentais específicos.

Este arcabouço teórico aproxima a Escola Italiana de História das Religiões da chamada Nova História, precisamente de autores como Alphonse Dupront que coloca o fenômeno religioso na categoria do temporal: “através da experiência religiosa, o homem vive num ritmo lento, o qual oferece quando apreendido em seu próprio movimento, uma extraordinária e talvez única possibilidade de decifrar confissões e testemunhos, e o duplo sentido do combate de existir e da interpretação que o próprio homem dá a si mesmo de tal combate”. Na mesma linha, podemos elencar as opiniões de Dominique Julia, que interpreta os fenômenos religiosos do ponto de vista de uma História Social. Para este estudioso existe a necessidade de estudo da Religião em uma perspectiva histórica interdisciplinar com as demais Ciências Humanas e Sociais. Já para Mircea Eliade, a História é o caminho para se alcançar uma definição satisfatória do fenômeno da Religião sem a necessidade de uma discussão os fundamentos ou mesmo a essência da Religião. Seu pensamento foi parcialmente influenciado por eruditos como Rudolf Otto e Gerardus van der Leeuw. Para ele, através dos estudos sobre a hierofania, ou das hierofanias, é possível refletir sobre a morfologia do sagrado. Cada tipo de hierofania entendida como a irupção do sagrado, permite uma dada e diferente aproximação desse mesmo sagrado. A hierofania seria, assim, uma experiência histórica em que um epifenômeno se apresenta a um indivíduo e constitui nele uma experiência fundante ou transformadora, ou mesmo mantenedora de uma forma de religião. Essa seria a primeira tarefa do estudioso da religião, a busca da identificação em cada fenômeno religioso daquilo que ele tem de fundamental e essencial, a sua estrutura. A segunda tarefa seria a investigação na história da criação, da modificação, ou da extinção de um determinado símbolo, mito, religião ou idéia religiosa. Dessa forma, o estudioso das religiões alcança a possibilidade da construção de quadros referenciais sobre a religião.

Ainda podemos destacar os estudos da Escola dos Annales e seus desdobramentos na Nova História e História Cultural que tem muito a contribuir para uma definição teórico-metodológica para os estudos brasileiros de História das Religiões. Já os estudos brasileiros estão vinculados às instituições de ensino com os Programas de Pós-Graduação e instituições como a Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR), assim como diversos grupos de pesquisa sobre o tema. Esta produção, porém, restrita nos âmbitos regionais e institucionais, ainda não definiu linhas e correntes especificamente brasileiras e capazes de influenciar os estudos internacionais.

É nítido ainda o fato da dificuldade de classificação dos estudos históricos sobre Religião no Brasil com bem observa Pompa: Ao longo da história dos estudos, os movimentos religiosos receberam numerosas designações: “movimentos nativistas”, “revivalistas”, “messiânicos”, “quiliasticos”, “milenaristas”, “revolucionários” ou “reformistas”, “proféticos”, “sincréticos”, deprivation cults”, “cultos de crise”, podendo se ampliar ainda mais esta listagem.

Considerações Finais

Cada uma das fórmulas elencadas revela-se inadequada para definir a realidade complexa e dinâmica dos movimentos históricos, pois destaca apenas uma, ou algumas, das suas componentes: a social, a psicológica, a religiosa, a sincrética, etc.Esta dificuldade se desdobra na medida em que o campo da História, a partir de seus Programas de Pós-Graduação, não possuem disciplinas ou grupos de pesquisas que contemplem a área de História das Religiões entre suas prioridades.

Em um levantamento preliminar, constatamos que, dos vinte Programas de Pós-Graduação (doutorado) em História credenciados pela CAPES no País, apenas dois possuem linhas de pesquisa e disciplinas ligadas à História das Religiões. Porém, o número de estudos de pesquisas e teses na área de História das Religiões é considerável. Cabem, portanto, estudos que venham a contribuir para a definição do estatuto científico sobre a HR, seu objeto de estudo e pesquisa, sua abrangência, eus métodos e sua proposta de formação no Brasil.

Elton de Oliveira Nunes

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Fonte: anpuh.org