27.6.09

História da Argentina - Líder habilidoso, Perón deixou 'legado eterno' na política argentina

Partido Justicialista foi criado em 1947, em seu primeiro mandato.
Evita Perón virou símbolo do 'Estado benevolente'.


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Perón faz o juramento após sua primeira vitória como presidente, em junho de 1946 (Foto: AFP)

É impossível falar sobre a política argentina contemporânea sem mencionar o termo peronismo. Até porque a atual presidente do país, Cristina Kirchner, é do Partido Justicialista - criado quando Juan Domingos Perón estava no poder, em 1947. Nas eleições deste domingo (28), por exemplo, partidos dissidentes e favoráveis à doutrina criada por ele brigarão por cadeiras no Senado e na Câmara.

Perón foi um habilidoso militar e líder político que, além de implantar diversas conquistas sociais no país na década de 1940 e 1950, criou uma forma de governar que se tornou uma doutrina política na Argentina. Seu trunfo foi conseguir agradar a muitos de uma só vez.


"Perón consegue que os setores mais pobres da população, uma parte da classe média mais tradicional e alguns setores das classes altas se identificassem com seu programa de justiça social, soberania economica e fortalecimento do Estado, criando um movimento político do tipo policlassista que dava a cada setor possibilidade de progresso sem que entrasse em choque com os outros", afirmou em entrevista ao G1 Ricardo Sindicaro, autor do livro "Los tres peronismos" e professor da Universidade de Buenos Aires.

Acompanhe a história de um dos mais importantes políticos da Argentina:

Ascensão e primeiro mandato

Em 1943, um governo militar assumiu o poder no país. Com tendências diversas dentro do regime e com alguns setores assumindo apoio ao bloco alemão na Segunda Guerra, o governo estava encurralado e sendo chamado de nazista. era preciso achar outro foco dentro do governo. A saída foi um nome que despontava na Secretaria do Trabalho, o de Juan Domingos Perón.

Como secretário, ele convocou todos os dirigentes sindicais (menos os comunistas, que eram perseguidos) a se apresentar com as devidas queixas. Aos poucos, todos foram atendidos. Ele revigorou as aposentadorias, ajustou os salários de acordo com as categorias e estendeu os benefícios ao meio rural, criando o Estatuto do Peão.

“Perspicácia e preocupação o levaram a se dedicar a um ator social que, até então, era pouco levado em conta: o movimento operário”, escreveu Luis Alberto Romero, em seu livro “História contemporânea da Argentina” (Ed. Jorge Zahar).

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Perón e Evita em uma cerimônia em Buenos Aires no fim da década de 1940 (Foto: AFP)

Para os militares, ele falava sobre a importância do Estado forte. Para os empresários, discursava sobre políticas de segurança social e sobre a ameaça das massas desorganizadas. No fim, dizia-se a pessoa certa para resolver tudo se tivesse poder para isso. Sua tática deu certo: ele se tornou candidato das eleições seguintes e venceu.

Como presidente, Perón lidou com crises econômias, optando por criar um mercado interno, estimulando a participação do estado e regulamentando a economia.

A partir de 1947, sua esposa, Eva Perón, assumiu a Secretaria do Trabalho e começou a fazer oficialmente a mediação entre os dirigentes sindicais e o governo, de maneira habilidosa. Logo depois, foi criada uma fundação com seu nome, para realizar obras de grande magnitude: fez escolas, hospitais, lares para idosos, estimulou o turismo e o esporte. “Eva Perón tornava-se assim a encarnação do Estado benfeitor e previdente”, escreveu Romero.

Segundo Elena Castiñeira de Dios, pesquisadora do Instituto Nacional Juan Domingo Perón, "Evita foi muito amada pelo povo humilde e igualmente odiada pelas classes altas, que não perdoavam seu passado de atriz".

O governo de Perón tinha uma ambiguidade intrínseca: ao mesmo tempo que libertava e dava benefícios às diversas classes, era autoritário. Os opositores do Legislativo eram cassados, e os jornais independentes, pressionados. Em meio ao centralismo do poder, uma emenda possibilitou a reeleição. E foi o que aconteceu em 1951, quando Perón foi reeleito com uma vitória esmagadora, conseguindo 64% dos votos - nas primeiras eleições com voto feminino na história da Argentina.

Segundo mandato e queda

Crises econômicas afetaram o país em 1949 e novamente em 1952, quando faltou carne e os cortes de energia assustaram a população. No inverno daquele ano, o povo também sofreu com a morte de Evita. Milhares de pessoas foram às ruas para homenagear a primeira-dama.

Radicalizando o autoritarismo, a oposição teve espaços ainda mais limitados, na imprensa e no próprio Parlamento, e o governo procurou “peronizar” todas as instâncias da sociedade. Nas Forças Armadas, havia cursos de preparação justicialista. Os nomes do casal Perón foram impressos em hospitais, praças, cidades, ferrovias. Para participar da administração pública, eram exigidos a exigência da filiação partidária e o uso do símbolo do luto pela morte de Evita.

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Mais de um milhão de pessoas foram ao funeral de Evita Perón (Foto: AFP)

Mas a Igreja não se deixou peronizar. E foi exatamente nesse espaço que se concentrou a oposição mais ferrenha, crucial para a queda de Perón.

Em 1954, foi fundado o Partido Democrata Cristão, dando início oficial ao conflito do presidente com os católicos.


A Igreja não gostava do discurso laico do presidente e de sua interferência na Organização dos Estudantes Secundaristas. Por sua vez, o governo se incomodava com a intromissão da Igreja na política.

"Este foi um epifenômeno e bandeira da oposição. A relação com a Igreja foi fluida até 1954, quando começou o conflito. Porém, este foi mais uma desculpa da oposição. O fator principal de irritação foi o fato de que Perón era visto como um tirano pelos grupos políticos que estavam fora do poder e que não tinham como disputar com ele eleitoralmente, devido ao apoio continuado da massa da população", explica Norberto Ferreras, historiador e professor da Universidade Federal Fluminense.


Também o setore rural via ao peronismo como um inimigo, devido a sua política de transferência de recursos do setor rural para o industrial.

Em novembro de 1954, o presidente lançou um ataque aberto: reprimiu procissões, extinguiu o ensino religioso nas escolas, permitiu os prostíbulos, mandou prender sacerdotes e introduziu uma cláusula que autorizava o divórcio.

Em contrapartida, a Igreja espalhou folhetos pelas ruas e fez uma gigantesca procissão em Corpus Christi. Opositores da Marinha se aproveitaram da situação e também fizeram um levante.

Como era comum na atitude política de Perón, após o enrijecimento vieram atitudes conciliatórias: ele parou com os ataques e chamou a oposição para negociar.

Mas era tarde. Pressionado de todos os lados, ele renunciou em 1955, e seu governo deu lugar à “Revolução Libertadora” comandada pelo general Eduardo Lonardi e pelo almirante Isaac Rojas. Na maioria dos governos seguintes, o peronismo foi banido, e seus seguidores, perseguidos.

Perón se refugiou na Embaixada do Paraguai. De lá, foi para Venezuela, Panamá, República Dominicana e, finalmente, Espanha.

A volta

Com o governo repressor, foram criados grupos armados clandestinos que matavam e pressionavam pela volta das eleições democráticas - com a possibilidade da candidatura de Perón. A pressão fez com que o governo permitisse a volta do ex-presidente no final de 1972 e chamasse novas eleições.

A vitória de Perón no pleito de 1973 levou sua nova esposa, Isabela (de verdadeiro nome María Estela Martínez e que ele conheceu no exílio), ao cargo de vice-presidente.

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Operários se reuniram na Praça de Maio para manifestar apoio ao presidente que renunciou, em 1955 (Foto: AFP)

Com a sua volta, criou-se a expectativa de que ele conseguiria, como antes, acalmar os ânimos e abrandar os extremismos, costurando um pacto social baseado em alianças. Mas o cenário que ele encontrou foi diferente do que estava acostumado.

O desgaste provocado pelo centralismo da ditadura não possibilitou um afunilamento do poder. A crise do petróleo também dificultou as coisas para Perón. Embora com resultados primários positivos, os signatários do pacto demonstraram pouca vontade de cumpri-lo e, em junho de 1974 Perón convocou uma concentração para pedir às partes mais disciplina.

"Nos dois primeiros mandatos, Perón tinha como objetivo a transformação da sociedade e, no terceiro, a sua pacificação política. Os inconformados foram muitos, e o principal apoio neste caso veio da direita peronista, que entendia que que a figura de Perón era suficiente para garantir o funcionamento das instituições e a integridade nacional. Eles viam a esquerda do peronismo como infiltrada e internacionalista", explicou o historiador Ferreras.

Mas o ex-presidente teve pouco tempo para governar. Em 1º de julho de 1974, ele morreu, deixando Isabela (conhecida como "Isabelita") em seu lugar.

"Na segunda fase do governo peronista, os atores mudaram de estratégia, e o conflito recuperou suas formas clássicas", escreveu Romero. Segundo ele, até os peronistas se convenceram de que a queda de Isabelita era inevitável. Em março de 1976, ela foi deposta pelos militares.

O legado de Perón, no entanto, permanece até hoje embutido na política argentina. Segundo Ferreras, com a morte de Perón ficou mais evidente a existência de correntes conflitantes no interior do peronismo, mas alguns de seus valores continuam vigentes.

"A sociedade tem mudado, e o peronismo conseguiu a façanha de mudar junto. Em grande medida, e simplificando, existe um setor redistribucionista e outro que encarna o legado de pragmatismo. Isto às vezes se confunde, e ambos setores são capazes de manter o pragmatismo e o redistribucionismo, com doses diferenciadas", conclui o historiador.

Fonte: G1