Neri de Paula Carneiro Podemos dizer mais: toda leitura ou estudo histórico não é feito pela história ou na busca do passado pelo passado. O "retorno" ao passado ocorre porque o estudioso pretende entender o presente: entender o presente a partir do passado ou iluminado pelo passado. Além disso, nos ensina M. Bloch: "para a maioria das realidades históricas, a própria noção desse ponto inicial permanece singularmente fugaz" (BLOCH, 2001, p. 56) Tendo isso presente, podemos dizer que os grandes ciclos da história, os grandes fatos, ou os grandes períodos iniciaram ou se encerraram em grandes crises ou grandes superações de crises. E todas foram crises realmente importantes; tão importantes que geraram grandes passos ou processos transitórios na história do desenvolvimento humano. E nisso se constitui a história a ser estudada: a percepção, a partir do olhar do estudante-pesquisador contemporâneo, dos processos que produziram os fatos a serem observados. Isso nos leva ao período que se convencionou chamar de Idade Contemporânea que tem como pondo de referência inicial a Revolução Francesa. Esse é um marco na história da humanidade. Entretanto, o marco não é o conceito ou o título "Revolução Francesa", como normalmente aparece nos capítulos dos livros didáticos, por exemplo; o que importa da Revolução Francesa são os fenômenos, os processos, as contradições que estavam acontecendo na sociedade capitalista que estava nascendo e que, esses sim, produziram o processo que acabou recebendo o nome de Revolução Francesa. Entretanto não podemos esquecer que para entender esse episódio – ou esse período – precisamos mirar nossos olhos para o quer ocorreu antes e as circunstâncias dessa Revolução e, no nosso caso, procurar perceber as implicações que vieram depois. Ao observar tudo isso, perceberemos que os comportamentos, as posturas econômicas e políticas se alteraram tão profundamente que não deixam dúvidas sobre a descontinuidade que se verificou nesse fato. E veremos, também, que esse fato repercutiu para além de seu espaço-tempo localizado, e que continua interferindo na atualidade. Os estudiosos reconhecem que o fato simbólico da Tomada da Bastilha, que caracteriza a Revolução Francesa, não é estanque. Ele também teve um antes, que foi a tomada de consciência da Burguesia a respeito de seu papel na história. E, como conseqüência, mobilizou-se, organizou suas forças políticas e econômicas a fim de destituir a nobreza e se colocar no poder político. Para concretizar isso a burguesia se aliou a Napoleão que, por sua vez, instalou-se no poder colocando assumindo a conduçãoe a continuidade das aspirações da Burguesia. Neste ponto temos que considerar, também, que a consciência da burguesia se deu na medida em que, a partir do século XI, as relações econômicas começaram a se alterar, na Europa. O mundo medieval estava gestando o movimento comercial que culminou no Renascimento (realçando que esse momento histórico não se esgota nos aspectos artístico-cultural e urbano, italianos). Se quisermos resumir o movimento renascentista podemos dizer que foi o processo de gestação do modo de produção capitalista. Isso, entretanto, não se resume a uma mudança de conceito, pois a compreensão do processo é mais ampla do que o conceito que expressa o movimento ou o momento. Dizer que ocorreu a superação de um modo de produção por outro não é explicar o que ocorreu, mas apenas assinalar que ocorreram inúmeras alterações tanto nas relações de poder como nas relações de produção, bem como nas manifestações sociais e ideológicas... A Revolução teve, também, um depois que pode ser entendido a partir das idéias econômicas, sociais e políticas que se difundiram a partir do que ocorreu na França. Em virtude disso podemos dizer que o mundo atual é conseqüência dos processos que produziram aquele mundo de 1789. O liberalismo, o iluminismo, os regimes totalitários, a disseminação do capitalismo, as sementes do socialismo, tudo isso e muito mais se orienta, em nossos dias, a partir do evento Revolução Francesa... mas não se esgota nessa Revolução. E assim permanece não o problema da história, mas a história como problema de investigação científica. BLOCH, Marc, Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar. 2001. CALDAS, Alberto Lins A criação da história. In Primeiro Versão. Disponível em:http://www.primeiraversao.unir.br/artigo180, acessado em:15/01/2010 CARNEIRO, Neri P. História e Tempo. In Artigonal, diretório de artigos gratuitos. Disponível em http://www.artigonal.com/educacao-artigos/historia-e-tempo-380540.html. acessado em 15/01/2010 Fonte: Webartigos.com | Textos e artigos gratuitos, conteúdo livre para reprodução. 1
Um dos problemas enfrentados por quem estuda a história é que, muitas vezes, se pára na periodização e se estuda o período pelo período; nesses casos a data acaba sendo mais relevante do que os agentes e os processos produtores do fato; briga-se pela denominação do período, sem considerar os agentes históricos que viveram o período. Faz-se necessário estudar o que constitui o período tanto do ponto de vista dos fatos como do ponto de vista das implicações do fato a fim de perceber que ele não ocorreu por acaso nem está solto, mas é resultante de processos específicos... e quase sempre complexos. Sem esquecer que em cada situação ou processo histórico estão presentes os grupos de pessoas que viveram ou vivem os fatos.