11.4.10

O Stalinismo e a burocracia do Estado soviético

por: Jaqueline Sant’ana Matins dos Santos
& Rodolfo Scotelaro Porto Darrieux
Este trabalho visa analisar os fenômenos do Stalinismo, um acontecimento ocorrido na antiga URSS; como ascendeu ao poder e os meios que utilizou para se manter. O Stalinismo é uma forma coloquial de designar o sistema econômico e político socialista implementado por Josef Stalin durante os anos 20 e 30 na União Soviética. Esse sistema tinha como características uma ditadura altamente burocrática com partido único, centralização dos processos decisórios nas mãos do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), intensa repressão aos opositores, elevado culto à personalidade de líderes, partido e Estado, intensa propaganda e política de incentivo ao patriotismo, censura, coletivização dos meios de produção e militarização da sociedade e dos membros do Partido. Procuramos também mostrar a relação entre a burocracia e o Estado Russo e suas conseqüências para a URSS.

Palavras-chave: Stalinismo, partido, burocracia, Estado.

Abstract

This paper aims to analyze the phenomenon of Stalinism, an event that occurred in the former USSR, as it ascended to power and the means used to keep it. The Stalinism is a colloquial way to describe the socialist economic, political and social system implemented by Joseph Stalin during the 20s and 30s in the Soviet Union. This system was characterized for a highly bureaucratic dictatorship with one party, centralization of decision-making in the hands of the CPSU (Communist Party of the Soviet Union), severe repression of dissidents, high personality cult of leaders, party and State, intense propaganda and political incentive to patriotism, censorship, collectivization of the means of production and militarization of society and members of the party. We also tried to show the relationship between the bureaucracy and the Russian State and its consequences for the USSR.

Keywords: Stalinism, party, bureaucracy, State.

Introdução


Para entendermos a repercussão do stalinismo não apenas na própria União Soviética, mas também em todo o mundo, devemos considerar por um instante um pouco da história russa. Após o sucesso da Revolução de Outubro (ocorrida em Novembro de 1917, no calendário ocidental), com a derrubada do regime czarista, o Partido Bolchevique se deparou com um problema: Como as classes sociais do já antigo Estado czarista russo
eram organizadas? Membros do Partido e pensadores políticos como Plekhanov, Lênin e Trotski são exemplos de pessoas que se propuseram a responder essa questão. Plekhanov chamava o sistema czarista de "despotismo asiático" e que o capitalismo estava entrando nesse sistema e destruindo-o, e atrelado a esse fato, dizia que esse sistema capitalista entraria nessa sociedade e formaria uma classe social, o proletariado que seria a força motriz para a destruição do próprio capitalismo. Lênin concordava com o aspecto do processo de inserção capitalista, porém com fortes vestígios do passado, e com uma rede de relações sociais extremamente difícil de ser quebrada. Somente os camponeses, segundo ele, poderiam quebrar o antigo sistema, pois era o único extrato social que não havia se dividido em classes antagônicas. Trotski além desses aspectos levantados tanto na questão do capitalismo quanto dos camponeses levantou a idéia de que era necessário que a Rússia se industrializasse rapidamente para igualar as condições econômicas e sociais dos países industriais desenvolvidos. Trotski chamou isso de "lei do desenvolvimento combinado".

Todavia, de certa forma nada do que esses pensadores questionaram foi posto em prática. Após a Revolução, a Rússia teve um grande crescimento econômico, o que acabou gerando o Stalinismo. No início da década de 20, a Rússia se encontrava com diversas cidades despovoadas e com a burguesia e o operariado extremamente enfraquecido. Esses fenômenos acabaram gerando um governo monopartidário de massa. Os líderes da Revolução acabaram se defrontando com uma situação social e econômica mais atrasada do que a da Rússia czarista. O Estado russo ao invés dos camponeses acabou se tornando a força motriz dessa sociedade. O Partido, a burocracia e o exército se tornaram os principais âmbitos da vida social, política e econômica do Estado soviético.

• O Stalinismo e a burocracia do Estado soviético.

O termo “burocracia” deriva do francês “bureaucratie”, termo cuja invenção é associada ao economista francês Vicent de Gournay na primeira metade do século XVIII. Segundo o sociólogo alemão Max Weber, a burocracia é o tipo ideal de uma organização formal da sociedade, caracterizada pela legitimação hierárquica da autoridade, com poderes e responsabilidades atribuídas a funcionários que ocupam posições numa determinada hierarquia marcada pelo direito à carreira. Trata-se de uma das características do Estado Moderno, um conjunto de pessoas marcadas pela competência e não pela fidelidade.
Na prática, porém, observamos que o Estado Soviético preenchia suas posições com integrantes do Partido Comunista a despeito de suas qualificações intelectuais e profissionais, apenas por sua ideologia e filiação partidária. Possuindo um regime de partido único, a Rússia estava então dividida entre comunistas, ou aliados do governo de Stalin, ou não-comunistas, ou seja, opositores. Veremos a repercussão dessa divisão mais à frente em nosso trabalho.

O racionalismo que marca o Estado Moderno segundo Weber
1, apresenta nuances quando analisamos o prisma soviético. Ao passo que, conceitualmente, não pode haver uma fidelidade pessoal na burocracia per se, o governo de Stalin foi marcado pela idolatria a sua pessoa, um exemplo palpável da dominação carismática que este governante exercia sobre seus governados. Josef Stalin, sendo secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e do Comitê Central, foi o líder de fato da União Soviética no período de 1924 a 1953. Seu sucesso como líder político pode ser creditado ao uso de armas como a propaganda nacionalista e o estabelecimento de um programa de industrialização intensiva, além de reformas de coletivização da agricultura. Sua “Nova Política Econômica” nacionalizou toda a indústria e o setor de serviços do país. Ao fazer com o que país atingisse o caráter de superpotência, Stalin definiu sua imagem de grande líder para as massas, passando a ser conhecido como "Guia Genial dos Povos” e "O Pai dos Povos” 2. Ao mesmo tempo, impunha o Grande Expurgo, expulsando do país toda a sua oposição política entre o período de 1934 e 1938. Contudo, para alimentar sua imagem pessoal, todos os seus grandes inimigos eram primeiramente desacreditados perante a opinião pública.

O nacionalismo inflado por Josef Stalin na Rússia foi algo totalmente desvirtuado do propósito socialista imbuído aos Partidos Comunistas. A expansão dos domínios soviéticos serviu apenas para fortalecer o culto à imagem do líder russo. Como visto anteriormente neste trabalho, a gênese da estrutura imperial soviética faz parte da própria história da revolução bolchevique e da guerra civil russa. A parcial reconquista dos territórios pertencentes à conexão czarista entre a desagregação dos Impérios centrais e a guerra polaco-soviética foi a premissa para a constituição do Império “interno”. Mas a noção de império assume o seu significado definitivo somente na era stalinista, e sob um duplo perfil: em primeiro lugar, o da máxima centralização da estrutura estatal por meio da combinação entre repressão e isolamento político. Em segundo lugar, o da constituição do império “externo” na Europa central e oriental após a Segunda Guerra Mundial, abrindo caminho para a Guerra Fria com os Estados Unidos. Segundo Leon Trotsky, rival de Stalin na disputa do comando do PCUS após a morte de Lênin,

“Quando a reação exige que os interesses da “nação” sejam colocados acima dos interesses de classe, nós, os marxistas, dizemos que, sob a forma do interesse “geral”, a reação defende os interesses de classe dos exploradores. Não se podem formular os interesses da nação de outro modo que sob o ângulo da classe dominante ou da classe que pretende dominar. Não se podem formular os interesses de classe de outro modo que sob a forma de programa; não se pode defender o programa de outro modo que com a criação de um partido” ( in “Aonde vai a Alemanha”).

No decorrer da década de 1930, Trotsky afirmou que a burocracia soviética havia “expropriado politicamente o proletariado”. Na obra “Aonde vai a Alemanha – Revolução e Contra-revolução na Alemanha”, ele afirma que a luta travada por Lênin contra a burocracia do PCUS não significava realmente uma luta contra o mau funcionamento das secretarias ou contra a inércia revolucionária, mas sim contra a “submissão da classe ao aparelho, contra a transformação da burocracia numa nova camada dirigente”. Apesar de todos os esforços de Vladimir Lênin, não havia como fazer uma distinção entre o Estado russo e o PCUS durante o governo stalinista, subseqüente ao seu. O aparelho estatal, também chamado de “nomenklatura”
3, era totalmente preenchido por membros do partido.
De fato, havia uma “pirâmide” de poder na URSS. Tendo como base uma população de aproximadamente 250 milhões de pessoas, o Partido Comunista soviético contava com apenas 14,8 milhões de associados. Dentre eles, um número módico de pessoas “indicadas” preenchiam o Comitê de Segurança do Estado (o KGB), o aparelho das Forças Armadas, a Administração estatal e o Aparelho do Partido. Essas instituições, por sua vez, tomavam decisões que atingiam toda a população russa, fosse ela comunista ou não. Todas elas participavam da escolha dos integrantes do Comitê Central, que escolhia então o Presidium do Conselho de Ministros, enquanto o KGB, o Aparelho das Forças Armadas e a Administração estatal decidiam o Conselho de Ministros da URSS, que posteriormente elegia o Secretariado do Comitê Central. Essas duas grandes organizações organizavam então o chamado “Politburo”
4 soviético. Através deste estreitamento político, criou-se um novo grupo social privilegiado, uma elite composta por generais, oficiais superiores, altos funcionários do partido e do Estado, membros dos soviéticos, diretores de fabricas, escritores, artistas, compositores e cineastas. Essa elite tinha muitos privilégios por contribuir com o governo, tais como clínicas, lojas e serviços especiais, salas reservadas de embarque em estações e aeroportos e meios próprios para receber produtos escassos no mercado. Essa “casta” privilegiada não sentia as dificuldades da maioria da população soviética, que com toda uma tradição sindical forte, tinha suas greves proibidas e violentamente reprimidas por Stalin. Formada por um grupo fechado da alta burocracia, a Nomenklatura, defendia a manutenção da ditadura do partido único, de modo a impedir que os cidadãos controlassem o funcionamento dos órgãos do Estado.
Podemos considerar neste instante o pensamento do sociólogo alemão Robert Michels, que em sua obra “Sociologia dos Partidos Políticos”, publicada em 1911, nos diz que a democracia desemboca, inevitavelmente, em uma oligarquia marcada pela vontade de poder, com a emergência de líderes, peritos e políticos profissionais. Nesse sentido, quanto maior a representação das massas, maior a necessidade de uma organização política forte para esquematizá-la. O grande erro dos socialistas, para ele, era a negação do caráter elitista de todas as organizações políticas. Esta pode ser uma explicação para o fortalecimento da burocracia soviética no período pós-Lênin. Ainda segundo Michels, o partido político, para ampliar seu espaço de ação e angariar votos e aprovação popular, necessita deixar de lado suas opiniões mais ferrenhas e seus programas políticos mais extremos, optando por propostas mais centralizadas, de meio-termo, visando agradar o maior número possível de pessoas. A integridade política é então comprometida, dada a “relação de promiscuidade com os elementos políticos mais heterogêneos”.
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O autoritarismo e as ações coercitivas ao longo do comando de Stalin foram “descobertos” apenas em 1956, quando da ocorrência do XX Congresso do Partido Comunista da URSS: um relatório lido pelo então primeiro-ministro Nikita Kruschev ao longo de duas horas apresentava todos os horrores velados do governo de Josef Stalin: mais de dois milhões de pessoas foram enviadas aos "gulag" (campos de trabalhos forçados) entre 1935 e 1940, sendo que 700.000 foram fuzilados por serem "inimigos do povo", ou seja, por irem contra as ordens do então secretário-geral do PCUS. Segundo um documento do Partido, o Politburo do Comitê Central pretendia evitar uma "desestalinização incontrolável", o que fez com que uma versão do documento fosse publicada oficialmente apenas em março de 1989, mais de 30 anos após sua primeira leitura.
Nos últimos anos de vida de Trotsky, multiplicou-se em seus escritos referências ao totalitarismo na URSS implantado por Stalin:
“Ninguém, e não faço exceção de Hitler, aplicou ao socialismo um golpe tão mortal. Hitler ataca as organizações operárias do exterior. Stalin as ataca no interior. Hitler destrói o marxismo; Stalin o prostitui. Não há principio que permaneça intacto; não há uma idéia que não tenha sido enlameada. Até mesmo os termos socialismo e comunismo foram gravemente comprometidos, agora que a gendarmaria incontrolável, com diplomas de ‘comunista’, chama de socialismo ao regime que se impõe. Repugnante profanação!” ( in “Aonde vai a Alemanha”)


Conclusão

Ao longo do que foi exposto neste trabalho, fica evidente que Josef Stálin desvirtuou amplamente o que havia sido proposto de início pelos líderes bolchevistas. Com a política nacionalista e a expansão, os ideais bolcheviques foram esquecidos e substituídos pelo culto à personalidade do líder. De certa forma, antigos valores da época czarista foram mantidos através do stalinismo, como a alta centralização do poder e a política expansionista. A única política da era stalinista que pode ser caracterizada como socialista de fato é a socialização, porém obrigatória pelo Estado, dos meios de produção.
O Stalinismo deixou marcas profundas na antiga URSS, devido à essa política o Estado soviético se tornou extremamente burocratizado e com hierarquias altamente rígidas entre os membros do Partido e conseqüentemente do Governo, já que ambas instituições se encontravam em simbiose.
Nos dias atuais é possível encontrar políticas semelhantes ao Stalinismo em países como a Coréia do Norte, com um sistema denominado como Juche ou kimilsonguismo, idealizado pelo líder revolucionário e posteriormente Presidente Eterno da República Kim Il-Sung, e em Cuba com o Castrismo, esse sendo liderado pelo político revolucionário Fidel Castro.
Sendo assim, é inegável que o Stalinismo é um sistema político bastante polêmico, pois é criticado por diversos pensadores tanto da direita como da esquerda, como também é bem visto em alguns aspectos por alguns pensadores radicais da esquerda.

Bibliografia
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http://topicospoliticos.blogspot.com acessado em 13/12/2009
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NOTAS
1. “Ciência e Política: duas vocações”, de Max Weber.
2. http://www.loc.gov/exhibits/archives/intro.html
3. Assim chamado pela existência de uma lista com nomes de pessoas indicadas pelo Partido Comunista para a ocupação de cargos dentro da máquina estatal russa.
4. Contração do russo “Politicheske Byuro” (Gabinete de Política).
5. http://topicospoliticos.blogspot.com/2004/10/partido-o-que.html
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Fonte: UFRJ