Quase todo o evento histórico de grandes dimensões é, por assim dizer, precedido por um outro, de proporções bem menores, que premonitoriamente o anuncia. Com a guerra civil norte-americana, travada entre 1861-65, não foi diferente, antecedida em poucos meses por uma curiosa, dramática e sangrenta, incursão militar, provocada por ativistas abolicionistas. O assalto ao arsenal federal de Harpers Ferry, na Virgínia, liderado por John Brown, galvanizou por umas semanas a atenção da opinião pública americana, ao tempo em que sinalizou o conflito que iria ocorrer dezesseis meses depois nos Estados Unidos da América por inteiro. A impaciência com a escravidão Os inúmeros movimentos e associações pró-abolicionistas, que desde aquela época se constituíram na América, mostraram-se, entretanto, impotentes em dar uma solução á tragédia social e moral que representava a "peculiar instituição". Quase um século se passara desde que os colonos ingleses haviam fundado a república, anunciando ao mundo terem-na instituído em nome da liberdade, proclamando em alto e bom som pertencerem à nação mais livre do mundo. Contraditoriamente, porém, a metade dos estados que a compunham, todos eles do Sul dos Estados Unidos, continuavam firmemente escravistas. Não só isso, desde os anos de 1830, os lideres sulistas acirravam a disputa com os que defendiam a proposta do movimento pelo "solo livre", ao redor das futuras terras do Oeste, que estavam sendo abertas à colonização. Longe da escravidão estar agonizante, ela diariamente dava provas de querer disputar o espaço com o trabalho livre. Foi isso que levou o abolicionista John Brown à exasperação e a recorrer à violência como solução. John Brown Em 1837, profundamente chocado pelo assassinato do jornalista Elias Lovejoy, morto por uma multidão pró-escravista, jurou frente ao túmulo do linchado que, dali em diante, ele se dedicaria a lutar pela abolição. Em 1857, na histórica cidade de Concord, no Massachusetts - berço da luta da independência -, John Brown , já um ativista conhecido, imponente como um profeta bíblico, apresentou-se frente aos dois maiores totens intelectuais dos ianques: o filósofo Ralph Waldo Emerson e o pacifista David Thoreau. Lamentou na peroração que fez a eles a necessidade de ter que empregar a violência, entendendo-a , contudo, como uma vontade de Deus. Conforme o seu engajamento na causa libertária aumentava, mais sua aparência assemelhava-se a um dos personagens do Antigo Testamento. Com o rosto marcado pela indignação moral, seu olhar se irritava com a indiferença que os outros homens demonstravam para com a grandeza do movimento que ele participava. Brown entra em ação Em 1857, ele foi apresentado em Boston a uma comissão secreta de abolicionistas, a "Comissão dos Seis", encarregada de fornecer recursos para as debandadas de cativos orquestradas por ele. Especialmente daquelas propriedades onde os pobres negros eram brutalmente tratados e cujos donos eram os mais empedernidos escravagistas. Homem profundamente religioso, Brown era um crente de que o regime servil era um atentado contra os filhos de Deus, tratando o problema como um sagrado combate do bem contra o mal. Ocupando o arsenal de Harpers Ferry Capturado e conduzido preso para Charlestown, um tribunal da Virginia quase que de imediato o sentenciou à morte, acusando-o de assassinato, traição, e de incitar os negros à sedição. No dia 2 de dezembro de 1859, John Brown foi enforcado. Dezesseis meses depois, em 12 de abril de 1861, o Sul erguia-se em aramas contra a União atacando o Forte Sumter, na Carolina do Sul. A insurgência dos estados escravistas confederados provocaria a maior guerra civil da história das Américas. A guerra em miniatura O homem que quase conseguiu vencer a guerra civil em 1863. Outro nome relevante que participou da rendição dos ativistas antiescravistas em 1859, foi o do capitão J.E.B. Stuart, que apresentou-se como voluntário para auxiliar o coronel Lee. Em seguida, ele atuaria servindo na Guerra de Secessão, sob o comando do mesmo Lee, como um dos principais comandantes da cavalaria sulista, alcançando fama em vários episódios. O resultado final invertido A guerra santa contra a escravidão de John Brown, por sua vez, consagrou-se com a aprovação da 13ª e 14 ª emendas à constituição americana , de 1863 e 1865, que liquidaram para sempre com o regime servil nos Estados Unidos. Ironias da história O que de imediato foi feito. O desfecho irônico dessa história é que depois da vitória do Norte, batizaram o local como Forte John Brown, numa homenagem póstuma ao grande ativista da abolição. Ele que em 1859 foi executado como traidor, menos de quatro anos depois consagrou-se como mártir da causa da liberdade. Fonte: VOLTAIRE SCHILLING
Desde que Thomas Jefferson, na hora da redação da Declaração de Independência de 1776, fora pressionado pelos convencionais, seus colegas, a suprimir qualquer menção no texto sobre a abolição futura da escravidão no regime recém fundado, que os Estados Unidos vivia como se fosse uma casa dividida - como bem lembrou depois Abraão Lincoln, em memorável discurso. Metade dela era livre, metade era escrava.
John Brown, um dos maiores nomes da luta antiescravista nos Estados Unidos, perdera as esperanças de alcançar o seu intento por meio da pressão pacífica e do jogo eleitoral. Filho de um calvinista que abominava a nefanda instituição servil, nascido no Connecticut em 1800, desde cedo entregara-se à causa da emancipação dos negros. Depois de ter sido dono de um curtume na Pensilvânia, mudou-se para Ohio para ser fazendeiro em Franklin Mills. Terminou fracassando.
Por volta de 1855, Brown havia tomado a peito realizar incursões armadas para libertar escravos. Acompanhado de seus filhos, e de um reduzido número de seguidores, passou a percorrer as fazendas do Missouri e do Kansas estimulando os negros a fugirem, dando-lhes proteção até que alcançassem a fronteira segura do Canadá. Além disso, no Kansas mesmo, ele, com seus cinco filhos, entrou em guerra aberta contra os defensores da escravidão que, por métodos intimidantes e terroristas, queriam forçar a população do território a votar à favor da adoção do trabalho servil. A gente dele não hesitou em revidar. Com isso, Brown chamou a atenção nacional.
Em 1859 ele arquitetou algo bem mais espetacular. Nada menos do que invadir e ocupar o arsenal federal em Harpers Ferry, situado no Vale do Shenandoah, na Virginia, a fim de usar as armas numa grande rebelião antiescravista. Façanha que ele realizou em total surpresa em 16 de outubro de 1859. Durante alguns dias, Brown e os 21 homens que o acompanharam, ocuparam a estratégica instalação na Casas das Máquinas até que uma força do exército, e alguns voluntário formados às pressas, os rendessem.
Significativo neste grave incidente foi o fato de quem comandou a operação que levou a captura de John Brown e dos seus companheiros era o então coronel Robert Lee, que bem pouco tempo depois assumiria o posto de generalíssimo da confederação sulista.
O resultado final, entretanto, da grande refrega entre os americanos, encerrada em 1865, foi outro. Se nos sucessos trágicos de Harpers Ferry, o abolicionista John Brown, um homem do Norte, foi sitiado, preso e executado, após entregar-se para os dois militares sulistas, a guerra do Norte contra o Sul teve um fim inverso. Em 9 de abril de 1865, quando a catástrofe finalmente acabou, quem rendeu-se para o Norte em Appomattox, na mesma Virginia, foi exatamente o general Robert Lee, enquanto o seu arrojado cavalariano, J.E.B. Stuart, falecera uns meses antes em decorrência dos ferimentos recebidos na batalha de Yellow Tavern, em 12 de maio de 1864 .
Logo nos primeiros meses da Guerra Civil, ainda em 1861, a mesma guarnição que prendera John Brown e matara quatro dos invasores ( inclusive alguns filhos de Brown), recebeu ordens do governo da união para incendiar o arsenal. O governo federal tinha receio de que os sulistas, espalhados por toda a Virginia, se aproveitassem das instalações lá existentes para fabricar armas.