Evandro Teixeira/Ag.JB |
ABAIXO A DITADURA A Passeata dos Cem Mil tomou o centro do Rio de Janeiro em junho de 1968. A foto foi feita do alto das escadarias do Teatro Municipal, de onde líderes estudantis, artistas e intelectuais discursaram para a multidão |
Em 26 de junho de 1968, o centro do Rio de Janeiro foi cenário de uma passeata que entraria para a história. Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra os generais encastelados no poder havia quatro anos. Programada originalmente como um protesto pela morte do estudante Edson Luís, assassinado pela Polícia Militar três meses antes, a manifestação encorpou-se, para se tornar o maior ato de repúdio à ditadura. Ainda seria preciso enfrentar 21 anos de exceção antes que o país voltasse a realizar eleições diretas para presidente. Mas a Passeata dos Cem Mil, como foi chamada, deixou claro que a opção dos brasileiros pela democracia era – e é – inegociável. Foi nesse ambiente de ebulição e esperança que VEJA surgiu. A primeira edição da revista chegou às bancas em setembro, menos de três meses depois do grande ato público. Em seus primeiros números, VEJA registrou atentamente os desdobramentos da manifestação do Rio de Janeiro. O movimento estudantil ganhou novo alento, na crença de que seria possível derrubar os militares no grito. Os políticos de oposição, embora um tanto perdidos, aumentaram o tom de suas críticas. A esperança revelou-se vã. Sob a justificativa de que a ordem pública corria perigo, os generais não demoraram a contra-atacar. Em dezembro daquele ano, endureceram ainda mais o regime, editando o Ato Institucional Número 5, o derradeiro golpe no que ainda restava de liberdade no Brasil (veja matéria). Com o AI-5, registrado tristemente na capa da penúltima edição de VEJA de 1968, inaugurava-se a fase mais escura do regime militar. As ruas foram caladas à força. Os princípios defendidos na tarde carioca de quarenta anos atrás sobreviveram à truculência.
O que disse VEJA em 1968 "Estudantes e polícia são como duas moléculas diferentes colocadas uma diante da outra. Elas se atraem, provocam o encontro de energias contrárias e geram o atrito. Se elas fossem iguais o resultado seria a estabilidade. A explicação é de uma aluna de Química Orgânica da Universidade de Brasília."
"O Movimento Estudantil veio num crescendo que teve dois pontos culminantes: a passeata de 100 000 pessoas, em junho deste ano, no Rio, para protestar contra o assassínio do secundarista Edson Luís por tropas da Polícia Militar, e a série de ocupações de faculdades, de norte a sul do país."
O movimento estudantil
Carlos Namba |
"TODOS PRESOS" |
Em 1968, a oposição à ditadura militar estava desarticulada. Boa parte dos líderes políticos não-alinhados aos generais havia sido cassada ou exilada e a oposição consentida como partido, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ainda engatinhava. Nesse vácuo, o movimento estudantil transformou-se na válvula de escape pela qual a sociedade conseguia manifestar seu descontentamento com as arbitrariedades dos militares. Muitos dos universitários que protestavam contra os generais eram movidos pela legítima aspiração de lutar pela volta da democracia ao país. Mas também não era pequeno o número daqueles que queriam apenas trocar um regime de exceção por outro, e defendiam a instalação de um regime comunista no Brasil. Nos câmpus foram criadas praticamente todas as organizações marxistas que escolheram o caminho do terrorismo (veja matéria). Além do esquerdismo, outro problema dos estudantes em 1968 era que eles se deixavam guiar por líderes como Vladimir Palmeira, Luís Travassos e José Dirceu, imersos em projetos personalistas. Para essa turma, o essencial era consolidar e ampliar a própria influência. No segundo semestre de 1968, Dirceu e Travassos disputavam cada centímetro de poder dentro da União Nacional dos Estudantes (chamada por VEJA de "ex-UNE", por estar relegada à clandestinidade). Os dois arrastaram os estudantes para um malfadado congresso na cidade de Ibiúna, em São Paulo. O objetivo era decidir quem seria o novo presidente da entidade. Sem nenhum esforço, a polícia descobriu o local do encontro e prendeu 712 participantes. Morria ali o movimento estudantil brasileiro. O de hoje não passa de uma paródia financiada com recursos liberados pelo governo.
O que disse VEJA em 1968 "A ex-UNE engloba diversas tendências, que vão da esquerda cristã (a Ação Popular, que chegou a dominá-la) aos grupos marxista-leninistas, maoístas, pró-castristas e, recentemente, althusserianos, que defendem as idéias do filósofo francês Louis Althusser. É impossível hoje definir uma tendência homogênea dentro da ex-UNE. Novas correntes se formaram, chamadas dissidências, e na própria organização da esquerda católica também se verificam cisões."
A escola de Dirceu
Divulgação
RISONHO E PREGUIÇOSO
Dirceu sorri ao ser levado para a cadeia, em 1968.
O então líder estudantil foi apontado como "o mais preguiçoso" por seus colegas de cela
José Dirceu é um homem de múltiplos talentos. Já foi deputado federal, presidente do PT, ministro da Casa Civil e chefe dos mensaleiros. Hoje, é um consultor empresarial quentíssimo, embora não diga quais clientes costuma atender. Sua "vida profissional" – por assim dizer – começou no movimento estudantil. Ele foi um dos personagens mais citados por VEJA em 1968. Seu grande feito foi liderar os esquerdistas na estúpida batalha da Rua Maria Antônia, em São Paulo, que opôs estudantes do Mackenzie aos da Filosofia da USP e terminou com um rapaz morto. O líder, é claro, não sofreu nenhum arranhão. Depois, acabaria preso no congresso da UNE em Ibiúna. Ele e outros líderes estudantis ficaram detidos por um mês em uma prisão no litoral paulista. Lá, os prisioneiros dividiram-se em três turmas. Enquanto uma cuidava da roupa e outra da limpeza, a terceira descansava. "Dirceu foi unanimemente apontado pelos colegas como o mais preguiçoso", registrou VEJA. Mesmo em cana, fugia do trabalho. Liberado em troca do embaixador americano Charles Burke Elbrick, seqüestrado em 1969, partiu para o exílio em Cuba, onde fez uma plástica para mudar de rosto. Voltou ao Brasil escondido, em 1975, e casou-se com uma mulher a quem não revelou a verdadeira identidade. Com a abertura política, abandonou a moça, desfez a plástica e voltou a agitar, agora no PT. Chegou ao seu ápice como ministro-chefe da Casa Civil, quando, segundo o Ministério Público, se tornou o chefe da "sofisticada organização criminosa" que criou o mensalão e pretendia eternizar-se no poder. O menino é mesmo pai do homem.
O que disse VEJA em 1968 "O presidente da ex-UEE, José Dirceu, dorme cada noite numa casa diferente, passa o dia todo entre seus colegas, na Faculdade de Filosofia de São Paulo, e quando sai está sempre armado e protegido por dois guarda-costas. (...) Seu nome é o primeiro da lista de estudantes que o Dops quer prender."
Terrorismo à brasileira
Fotos AE e Bras Bezerra/JB
A LUTA RENDEU
O terrorista Marighella (no detalhe) e o assassino Lamarca: eles pegaram em armas. Agora, o estado indeniza suas famílias
Com os partidos de esquerda jogados na ilegalidade em 1965, e seduzidos pelo mito romântico construído ao redor do argentino Ernesto Che Guevara, militantes marxistas deliravam com a possibilidade de conquistar o poder pela via da luta armada. Essa conquista visava a instaurar uma "democracia popular" no Brasil, como a que vigorava nos países comunistas – ou seja, uma ditadura de partido único que, em nome do ideal socialista, aboliria a propriedade privada, os direitos individuais e a liberdade de reunião, expressão e opinião. Um punhado de universitários, intelectuais e ex-militares esquerdistas dividiu-se, então, em organizações terroristas. Os mais agressivos iam a Cuba para tomar aulas de guerrilha e voltavam ao Brasil para disseminar o "conhecimento". Essa turma tinha como referências nativas as figuras de Carlos Marighella, antigo comunista baiano que achava razoável seqüestrar pessoas em nome de suas aspirações políticas (assim como os radicais das Farc colombianas), e Carlos Lamarca, um capitão do Exército que desertou, assassinou um companheiro de armas, roubou fuzis do arsenal de sua força e passou a assaltar bancos. A polícia os considerava bandidos perigosos e os caçava. Descobertos, os dois foram executados por forças do estado – Marighella em 1969, em São Paulo, e Lamarca em 1971, no sertão da Bahia. Recentemente, as famílias de ambos receberam dinheiro público, a título de indenização, por decisão da Comissão de Anistia do governo. Uma peculiaridade do terrorismo à brasileira.
O que disse VEJA em 1968 "Em lugar nenhum, em época nenhuma, o terrorismo político se manteve indefinidamente. Os radicais cedo ou tarde perceberão que o terrorismo lhes pode parecer necessário, mas certamente não é suficiente para a tomada do poder. No máximo cria um clima de instabilidade política."
O país na escuridão
Folha Imagem
IMAGEM SIMBÓLICA
O presidente Costa e Silva no plenário vazio do Congresso, que havia sido fechado pelo AI-5: a foto, sem chamada, foi uma das capas históricas de VEJA
A sexta-feira 13 de dezembro de 1968 é o dia mais infame da história política do Brasil. Com o Ato Institucional Número 5, o AI-5, o marechal Arthur da Costa e Silva deu início a um período de trevas que se estenderia até 1979. O ato foi uma resposta brutal e desmedida às passeatas que pediam democracia, às organizações estudantis que exigiam o fim do regime instalado em 1964 e ao terrorismo de esquerda. Sob o pretexto de enfrentar tais opositores e restabelecer a ordem pública, o governo militar usou o AI-5 para fechar o Congresso, cassar o mandato de deputados, prender dezenas de pessoas e suspender a concessão de habeas corpus. O presidente ganhou a prerrogativa de nomear prefeitos e governadores. Com o cassetete legal cantando no térreo, o pessoal dos porões sentiu-se à vontade para baixar o pau com os porretes de verdade. A tortura e a morte de presos políticos tornaram-se rotina (veja mais). Em dezembro de 1968, a ditadura, enfim, se revelou com todos os seus dentes. O terror do estado se voltaria também contra juízes, professores e artistas. Nos anos seguintes, centenas de perseguidos partiram para o exílio. A maior parte só retomou a vida normal nos anos 80, com a abertura lenta, gradual e segura arquitetada pelo general Ernesto Geisel e executada pelo último dos presidentes militares, João Baptista Figueiredo.
O que disse VEJA em 1968 "É o mais drástico de todos os atos editados e deve-se pensar – segundo revelações de uma fonte militar – que ele foi feito para ser também o último, o definitivo."
O troféu do terror radical
REFÉM NO RIO
O embaixador americano Charles Burke Elbrick: seqüestrado pelos então terroristas Fernando Gabeira e Franklin Martins
A mais cinematográfica das ações praticadas pelos terroristas de esquerda durante o regime militar foi o seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, ocorrido em setembro de 1969. Ele foi rendido no Rio de Janeiro e passou 76 horas nas mãos de jovens esquerdistas de classe média. Entre eles, Fernando Gabeira, hoje deputado federal, e Franklin Martins, o atual ministro de Comunicação Social do governo Lula. Para não matarem o embaixador ("Seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária", ameaçavam), exigiam a libertação de quinze esquerdistas, incluindo José Dirceu. Os presos foram soltos e o embaixador também. Os seqüestradores, todos amadores, foram descobertos em menos de uma semana. Mas estimularam outros grupos de esquerda a realizar ações semelhantes. Nos meses seguintes, terroristas seqüestraram o cônsul japonês Nobuo Okuchi e os embaixadores da Alemanha, Ehrenfried von Holleben, e da Suíça, Giovanni Enrico Bucher. O governo cedeu em todos os casos e libertou mais 115 presos políticos. Elbrick deixou o Brasil em 1970 e morreu em Washington, de pneumonia, treze anos depois.
O que disse VEJA em 1969 "No caso do seqüestro do embaixador americano, a escolha da vítima e o preço exigido pelo resgate são evidentemente políticos, mas o seqüestro em si é crime comum."
Os anos mais duros
Assis Hoffmann
FORA DE SINTONIA
Médici, o presidente dos anos de chumbo: enquanto ele e o país ouviam futebol, ninguém escutava os gritos dos torturados
Quando o Alto-Comando das Forças Armadas escolheu o general Emílio Garrastazu Médici para ser presidente do Brasil, em 1969, uma onda de esperança varreu o país. Ele tomaria posse no lugar de Costa e Silva, que estava muito doente e cujo governo ficara marcado pelo violento AI-5 e pelo fechamento do Congresso. Médici assumiu com promessas de distensão política, liberdade e diálogo. Ludibriou a todos com esse discurso, inclusive VEJA, que registrou de forma positiva sua chegada ao poder. Sob Médici, que permaneceu na Presidência até 1974, a repressão política ganhou contornos medievais e as torturas tornaram-se prática corrente no país. Das 354 pessoas que morreram ou desapareceram em poder do estado na ditadura militar, mais de 60% foram vitimadas enquanto Médici esteve no poder. (Estima-se que, durante todo o regime, 10 000 pessoas tenham sido presas por motivos políticos.) Além de estraçalhar adversários, o general decidiu investir maciçamente em propaganda. Apaixonado por futebol, queria que a população torcesse pelo sucesso do governo da mesma forma que torcia pelos gols da seleção que se tornaria tricampeã em 1970. São desse período a campanha "Brasil: ame-o ou deixe-o" e também a série de obras grandiosas (Itai-pu, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói) que integravam o "Projeto Brasil, Grande Potência", uma espécie de PAC da ditadura. Médici foi o presidente do "milagre brasileiro", período em que houve o maior crescimento contínuo do produto interno bruto (PIB). VEJA registrou o desempenho vigoroso da economia em diversas ocasiões. Em uma das mais célebres, estampou na última capa de 1971 o índice do aumento do PIB naquele ano: 11,3%.
O que disse VEJA em 1969 "Garrastazu falou em sindicatos livres, imprensa livre, Igreja livre. (...) Livre e liberdade foram as palavras mais usadas no discurso. (...) Deve-se esperar brevemente o anúncio de programas que permitam alguma forma de participação popular. Garrastazu anuncia que a revolução busca popularidade."
O futuro nas cidades
PÉ NA ESTRADA
Os caminhões de paus-de-arara mudaram a demografia brasileira nos anos 60
Os anos 60 registraram um dramático fluxo migratório do campo para as cidades. Quando a década terminou, um recenseamento revelou a situação inédita: pela primeira vez, no Brasil, havia mais gente vivendo em áreas urbanas do que em zonas rurais. Semana após semana, milhares de pessoas trocavam as cidades do interior pelas capitais e, principalmente, os estados pobres pelos mais ricos. Buscavam empregos nas áreas onde a industrialização começava a despontar. Rota movimentadíssima era a que levava famílias inteiras do Nordeste para as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Viajavam como podiam, a maioria na caçamba de caminhões carregados de tralhas conhecidos como "paus-de-arara". Em 1968, só a capital paulista recebia 10 000 novos moradores a cada mês. O fluxo Nordeste-Sudeste caiu quase pela metade nos anos 80 e, atualmente, é insignificante. A tendência desenhada nos anos 60, entretanto, definiu o Brasil do século XXI.
O último censo realizado pelo governo mostrou que, em 2000, 81% da população já vivia em áreas urbanas. Esse número estará na casa dos 90% até 2020. A novidade é que, agora, não são os estados mais desenvolvidos que atuam como pólos de atração. Nos últimos cinco anos, o saldo migratório de São Paulo e do Rio de Janeiro tem sido negativo. Há mais gente saindo do que entrando. O inchaço populacional e a fuga de algumas empresas – atraídas por generosos benefícios fiscais oferecidos por outros estados – ajudaram a empurrar para fora das duas maiores cidades brasileiras milhares de pessoas.
As novas rotas migratórias apontam para o Pará, ao norte, Santa Catarina, ao sul, e para os três estados do Centro-Oeste – Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Em todos esses casos, é a pujança do agronegócio que tem criado empregos e atraído milhares de pessoas. O Brasil, enfim, não é mais o "velho arquipélago separado pela distância, espaço geográfico, ignorância, preconceitos e regionalismos" de que falava Victor Civita na Carta do Editor publicada na primeira edição de VEJA.
O país hoje está preparado para crescer de maneira horizontal e equilibrada. Pela primeira vez, as riquezas e as oportunidades brotam por todo o território nacional.
O que disse VEJA em 1969 "As grandes capitais sempre apareceram nos sonhos do homem do campo como uma espécie de Eldorado com promessas de riqueza. No Recife, a maior das capitais nordestinas, a população aumentou de 780 000 em 1960 para 1,2 milhão de habitantes em 1969. (...) Porém, para a grande maioria de nordestinos que procuram esse Eldorado, a riqueza ainda é um sonho."
A Igreja confusa
O BOM PASTOR
Dom Eugênio Sales ajudou a salvar a vida de milhares de pessoas durante a ditadura
Na esteira do Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965 para aproximar a Igreja Católica dos temas contemporâneos e modernizar a liturgia (daí aquele violãozinho nas missas de hoje), uma parte dos padres latino-americanos começou a disseminar a Teologia da Libertação – concepção que tentava enxertar o marxismo em ensinamentos cristãos, sob o argumento da "opção preferencial pelos pobres". Alguns desses padres, inclusive, apoiaram os grupos de luta armada que assolavam o subcontinente. No Brasil, o dramaturgo Nelson Rodrigues deu-lhes o apelido de "padres de passeata". O mais célebre era dom Hélder Câmara, cuja juventude, ironicamente, foi passada entre as hostes da extrema direita. Entre a ala que aderira ao regime dos generais e a esquerdista da Teologia da Libertação, havia um grupo equilibrado dentro dos muros da Igreja, que manteve seus votos de misericórdia e não sucumbiu aos proselitismos políticos. Foi o que enfrentou de verdade a ditadura, ao salvar a vida de muitos presos da esquerda brasileira. Dom Eugênio Sales figurava entre essas batinas. Como escreveu VEJA em 2001, quando de sua aposentadoria, ele "teve a coragem de dizer um rotundo ‘não’ a uma idéia fora de lugar que permanece popularíssima no baixo clero latino-americano: a Teologia da Libertação, que adicionou ao sangue de Cristo o vermelho da bandeira comunista. Não era fácil fazê-lo no auge da ferocidade da ditadura militar brasileira, quando a tentação marxista parecia ser a resposta ao autoritarismo de inspiração fascista. Dom Eugênio, desde sempre, esteve do lado de Deus – o da Igreja Católica, Apostólica, Romana, à qual jurou fidelidade quando se ordenou". Nessa condição, sem alarde, ajudou a livrar da morte e da prisão mais de 4 000 pessoas.
O que disse VEJA em 1968 "Uma renovação nesse setor não poderá ser puramente exterior, ‘fazer a missa mais bonitinha’, com música mais moderna e alguma movimentação diferente – melhor embalagem para vender melhor a mercadoria. Em breve enjoará. A reforma tem de ser profunda, levar a uma conscientização do sentido profundo da missa."
As greves ilegais
Folha Imagem
MÃO NA CABEÇA
Sindicalistas presos na cidade de Osasco, em São Paulo, em 1968. Hoje, eles fazem a política dos coquetéis
Em 1968, o Brasil vivia a política do arrocho salarial. O governo só autorizava reajustes abaixo dos índices de inflação. Queria tirar dinheiro de circulação para impedir uma disparada dos preços. O problema óbvio dessa política é que ela destrói o poder de compra dos salários e causa insatisfação geral. Para se precaverem contra protestos, os generais estabeleceram uma série de regras para a realização de greves. Eram tantos entraves que, na prática, todas eram consideradas ilegais. Ainda assim, dois importantes movimentos grevistas eclodiram, desafiando o governo. O primeiro, em Contagem (Minas Gerais), teve sucesso: os operários conquistaram 10% de aumento, posteriormente estendido a todos os trabalhadores do país. O segundo, em Osasco (São Paulo), teve outro desfecho: a ditadura prendeu quarenta metalúrgicos e acabou com a agitação a golpes de cassetete. Daí em diante, os sindicatos foram duramente perseguidos. Só voltariam à cena no fim dos anos 70, no ABC paulista, quando, além de lutar por melhores salários, ajudaram a derrubar o regime militar, exigindo maior abertura política. Hoje, os sindicatos viraram negócio. A Constituição de 1988 lhes garantiu imensas fontes de financiamento oficial. Com o PT no governo, incrustaram-se de vez no poder. Os sindicalistas não fazem mais panfletagem em porta de fábrica, nem enfrentam a polícia. Dis-putam indicações para cargos públicos, freqüentam coquetéis do governo e fazem negócios obscuros com bancos oficiais. Conquistas sindicais, agora, só são brindadas com uísque escocês.
O que disse VEJA em 1968 "Nenhuma greve pode exigir mais do que o acordo fixado pelo governo, pois é ilegal e será reprimida."
Salve a seleção
AP
PRA FRENTE, BRASIL
Pelé, o rei do futebol, recebe sua coroação definitiva depois da final da Copa do México. Em 1969, chegaram a dizer que ele estava tão míope que não poderia mais jogar
AE
PEITOU O GENERAL
Saldanha montou a base da seleção que venceu a Copa de 1970, mas foi demitido após divergir de Médici
No fim da década de 60, havia duas visões políticas antagônicas sobre a então genial seleção brasileira de futebol. Do lado dos generais, o "escrete canarinho", para usar a expressão dos antigos locutores de rádio e televisão, era visto como uma ótima forma de fazer propaganda do regime. Seria a metáfora, nos gramados, das vitórias obtidas no campo econômico. Do lado da esquerda, os ânimos apresentavam-se iracundos. Alegava-se que a possível vitória do time na Copa do Mundo de 1970 serviria para "alienar" ainda mais o povo dos reais problemas do país. Longe dessas palermices, o brasileiro comum nunca se mostrou tão apaixonado pela seleção brasileira quanto naquele tempo. Quando começaram as eliminatórias, em 1969, a torcida parecia saber que uma conquista histórica estava a caminho. Pouco antes, o jornalista João Saldanha havia aceitado o convite para dirigir a equipe e dissera que só convocaria feras. As "feras do Saldanha" não decepcionaram. Formaram um time que, para muitos, foi o melhor da história. A primeira providência do novo treinador foi harmonizar o posicionamento de dois atacantes que jogavam no mesmo pedaço: Pelé e Tostão. Quando eles se entenderam, o resto se encaixou por mágica. Saldanha, no entanto, ficou pelo caminho. Recusou-se a convocar jogadores indicados pelo presidente Médici (que, apesar de flamenguista, era fã de Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro) e foi demitido. Em seu lugar, assumiu Zagallo, que teve a sabedoria de não mexer no time. A formação que venceu a Itália por 4 a 1 na final da Copa era irretocável: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Gérson, Clodoaldo, Pelé e Rivellino; Tostão e Jairzinho. Naquele tempo, além desse timaço, o Brasil tinha 90 milhões de torcedores em ação. Hoje, tem o dobro da torcida, mas nem metade do futebol.
O que disse VEJA em 1968 "Na reunião com João Havelange, da Confederação Brasileira de Desportos, o presidente Costa e Silva criticou o individualismo no futebol. ‘A base de tudo é disciplina, treinamento e hierarquia’, disse o presidente, iniciando a conversa. Os outros não falavam nada. Ouviam. Expansivo, o marechal criticou o personalismo, o individualismo de alguns jogadores, principalmente Jairzinho, do Botafogo. ‘Como ele dribla’, exclamou o presidente, ‘como quer ir sozinho para o gol!’ E proibiu: ‘Não pode’. Justificando-se, lembrou que as equipes alemãs ou inglesas têm método de jogo. ‘Há sobretudo disciplina. Lá não há individualismo.’ Então, o presidente foi ao que interessava: ‘Precisamos combinar, porque em 1970 eu ainda sou governo e quero ver se dou ao Brasil esse tricampeonato’."
Fonte: Veja