26.4.11

Robert Andrews Millikan (1868 - 1953)

É tão difícil, para um ótimo aluno de grego e matemática, ensinar física, quanto, para um grande boxador, é lecionar futebol. Mas Robert Millikan não só provou ser capaz disso: fez desse magistério o início de uma carreira que o levou ao Prêmio Nobel de física. A decisão de trocar Eurípides por Einstein, a mais importante de sua vida, não nasceu de mero impulso. Fortes razões levaram-no a aceitar o cargo de professor suplente de física que lhe foi oferecido quando estudava no Oberlin College. Uma foi financeira: o salário era o maior que já recebera (trabalhara antes numa fábrica, durante as férias de verão, e, depois, como repórter). Convinha aceitar, portanto, mesmo dispondo apenas de noções rudimentares da matéria. Outra foi a exortação de seu professor de grego, afirmando que seu bom comportamento como aluno lhe permitia seguramente ter êxito também no lecionar física. Não era exagero do professor: dedicando as férias ao estudo da nova matéria, Millikan descobriu que "a física se ensinava sozinha". Tal descoberta fez com que ele se apaixonasse pela ciência.

Na autobiografia de Robert Millikan, percebe-se como foram inesquecíveis os anos serenos de sua infância em Morrison (lllinois, EUA), onde nasceu em 22 de março de 1868. O convívio com seus irmãos, seu avô camponês e seus pais de mente arejada ensinou-lhe a importante arte de arranjar-se sozinho e a amar a vida simples dos campos. Passou a juventude em Maquoketa (Iowa), onde concluiu seus primeiros estudos. Ingressou depois no Oberlin College, no qual veio a ser suplente no ensino da física. Nessa autobiografia, Millikan sublinha a importância que teve, nas principais resoluções de sua vida, desde o início acidental da carreira, a concatenação de circunstâncias fortuitas.

A física moderna é caracterizada pelos grandes progressos alcançados graças à construção de diversas teorias a partir da possibilidade de, no plano experimental, verificar os fatos que as conclusões dessas teorias prevêem. Essa verificação experimental é, às vezes, dificílima. Se Millikan tivesse nascido, por exemplo, no tempo de Galileu, disporia apenas de processos primitivos e artesanais para a técnica experimental necessária: não poderia sequer medir a pressão do ar, por não dispor de bom vidro e de chama quente o bastante para modelá-lo num barômetro. Mas, nesses tempos, a intuição e os poucos meios de laboratório eram suficientes. para o alcance reduzido das indagações que se ofereciam; as descobertas, mesmo as mais importantes, nasciam mais da intuição que do laboratório. Hoje os problemas que se apresentam ao cientista são muito mais complexos e exigem o desenvolvimento de técnicas que facilitem o aprofundamento das pesquisas.

No princípio deste século muitos cientistas dedicaram-se à obra sistemática de medir as constantes naturais mais importantes - a carga do elétron, características espectroscópicas dos átomos, velocidade da luz, etc. - para que o conhecimento do mundo físico constasse, além da teoria, de um bom conjunto de dados e números. Para se ter idéia da importância dessa tarefa, basta dizer que, embora seja entusiasmante a determinação teórica de como se dispõem os elétrons e o núcleo, dentro do átomo, só a comprovação prática através da pesquisa da disposição de todos os elétrons em todos os átomos é que faz a descoberta científica utilizável na prática.

Foi nesse setor de trabalho que Millikan retribuiu à sua época as oportunidades e os estímulos que ela lhe proporcionou: com Michelson, na pesquisa física, e Hale, na astronômica, formou o célebre terceto que se destacou nos EUA da época, sobretudo no desenvolvimento de técnicas experimentais.

Após lecionar no Oberlin College durante os anos de 1891 e 1893, Millikan inscreveu-se na faculdade de física da Columbia University, disposto a aprofundar seus estudos e a obter a graduação. Nesse período foi ajudado pelo professor Ogden Rood, que o assistiu em suas pesquisas sobre a polarização da luz emitida por um corpo incandescente, das quais resultou uma ótima tese, premiada dois anos depois.

Em 1895, Millikan consegue a graduação, e surgem novas dificuldades financeiras: não obtém um cargo fixo em Columbia, por nenhum estar vago, e é, então, aconselhado por Pupin, professor daquela Universidade, a obter uma bolsa de aperfeiçoamento em física na Alemanha. Pupin, sabendo que mesmo o melhor dos conselhos é inútil se não há meios para segui-lo, nem aguardou a concessão da bolsa de estudo: deu 300 dólares a Millikan para que ele partisse.

Não era muito dinheiro, mas, na Europa, além de freqüentar as Universidades de Berlim e de Gottingen, Robert manteve contato com todos, entre os grandes físicos do continente, quantos pôde. Percorreu, para isso, vários países numa longa viagem de bicicleta, acompanhado por um amigo cujo entusiasmo, como o de Millikan, era inversamente proporcional às posses. Mas o esforço era compensado: a física vivia um momento de progresso excepcional, com a descoberta dos raios X, da radiatividade, do elétron e do quantum de radiação, que descortinava perspectivas de cuja existência nem se podia suspeitar, antes.

Quando Millikan já gastava seus últimos dólares, recebeu um telegrama convidando-o a trabalhar. como assistente do Professor Michelson (com quem estudara em Chicago, em 1894). Oportunidade rara tão desejada que ele só não aceitou imediatamente porque não tinha como voltar. Seu pouco dinheiro, contudo, permitiu-lhe ir de trem até Londres, onde procurou verificar se quem tem boca vai também aos Estados Unidos. Valendo-se de sua simpatia, acabou encontrando um capitão de navio mercante disposto a transportá-lo a crédito, abrindo mão, inclusive, do baú oferecido como penhor. O capitão não se arrependeu: Millikan pagou-lhe tão pontualmente quanto restituíra ao Professor Pupin, acrescidos de 7% de juros, os 300 dólares emprestados.

Em Chicago, dedicou seus primeiros anos às pesquisas para a determinação da carga do elétron e a organização de cursos e textos para o ensino universitário. Elaborou um novo sistema didático, baseado sobretudo nas pesquisas e experiências de laboratório, das quais fazia participar os estudantes, no início como assistentes e, depois, como colaboradores. Se hoje pode ser considerado relativamente fácil, no início deste século medir a carga de um elétron parecia praticamente impossível.



Para tanto, analisou o comportamento que as gotículas de água com carga elétrica manifestavam quando submetidas a duas influências simultâneas: a da gravidade e a um campo elétrico. (Como a água evaporasse rapidamente, substituiu-a, em 1911, por óleo.) A medida que adquiriam mais carga, as gotículas sofriam variações em seu movimento de queda, chegando a deter-se ou até a elevar-se. Medindo cuidadosamente a quantidade de carga que provocava a menor alteração possível, Miilikan concluiu ser ela exatamente a carga de um elétron. De fato, constatou que todos os demais valores de carga que se podiam adicionar à gotícula eram múltiplos daquele valor unitário.

A segunda contribuição de Miliikan para a física foi demonstrar serem verdadeiras as equações deduzidas teoricamente por Einstein para explicar o efeito fotoelétrico. O valor da constante de Planck também foi por ele determinado experimentalmente, confirmando o previsto pelos cálculos teóricos.

Estes resultados, fundamentais para a física, levaram Robert Millikan à notoriedade mundial e ao Prêmio Nobel de 1923. Mas já em 1913, merecera o prêmio da Academia Nacional de Ciências dos EUA pelos estudos sobre a carga do elétron apresentados ao congresso de Winnipeg, sendo convidado em 1914 a integrá-la.


(Millikan com Einstein)

Nas suas pesquisas, ocupava-se agora de problemas cada vez maiores: a interferometria (em particular o estudo interferométrico das radiações); a valência dos átomos na ionização de gases; os limites do espectro da radiação ultravioleta; as características de absorção de raios X por diversos elementos; a tensão necessária para provocar a descarga elétrica sob alto vácuo segundo a natureza das superfícies dos eletrodos; o movimento browniano; a propulsão por foguetes. Estimulado pela amizade com o astrofísico G.E. Hale, dedicou-se ainda à espectroscopia e, durante a I Guerra Mundial, estudou sistemas de armas para a marinha e aeronáutica.

Em 1921, após 25 anos de colaboração (amigável, mas independente) com Michelson, Millikan trocou a cátedra de Chicago pela direção do laboratório de física do California Institute of Technology, onde se ocupou de mais um problema: o dos raios cósmicos. Tal sua dedicação, que em poucos anos se tornou o maior conhecedor mundial do assunto: para estudar sua intensidade e seu poder de penetração, chegou a organizar expedições científicas aos Andes bolivianos, à índia e à Tasmânia.

Coberto de recompensas e honras como a de haver representado os EUA, entre 1922 e 1932, na Liga das Nações -, Robert Millikan morreu a 20 de dezembro de 1953, em San Marino, Califórnia. Tinha 85 anos de idade. Deixara uma obra de organizador e educador, que demonstra o entusiasmo e a energia infatigável com que empreendia todas as suas tarefas. Mesmo na mais intensa atividade, nunca. sacrificou sua vida privada - casara em 1902 com Greta Blauchard, e dela tivera três filhos. E, talvez por influência paterna, era filho de pastor congregacionista, de ascendência anglo-escocesa, Millikan via no universo e nos eventos humanos a manifestação de uma inteligência superior. Afirmava que o único fundamento válido para o conhecimento racional consistia na combinação do espírito do físico com o do religioso.


Fonte:
http://br.geocities.com/saladefisica3/biografias/millikan.htm