Grandes amores, tragédias e diversão em 4 000 anos de relações extraconjugais.
A primeira amante de que se tem notícia foi Hagar. Não o viking dos quadrinhos, claro — mas uma escrava egípcia que serviu de barriga de aluguel ao patriarca Abrahão e sua mulher, Sara, em 2000 a.C. Estéril, Sara achou na serva a solução para dar ao marido um filho varão. Hagar conheceu Abrahão biblicamente e pariu Ismael, mas não mereceu mais nenhuma menção no Testamento. Desde então, as amantes fazem parte da vida privada e da história extraoficial de muitas celebridades, algumas nem tão religiosas assim — capítulo muito mal contado da memória das relações humanas. Felizmente, com Mistress — A History of the Other Woman (“Amantes — Uma história da outra”, editora Duckworth), lançado na Inglaterra no fim de 2010, a historiadora canadense Elizabeth Abbott desvenda as conseqüências das relações extraconjugais no Ocidente e no Oriente e entrega alguns dos mais notáveis casos de personagens públicos de todos os tempos.
Estão lá, a nu, a devassa Corina, musa do poeta romano Ovídio; a triste Dolorosa, amante de Santo Agostinho; a brilhante Lillian Hellman, parceira do escritor Dashiell Hammett; a soprano Maria Callas, com seu multimilionário Aristóteles Onassis; e a surpreendente Camilla Parker-Bowles, mulher do príncipe Charles. Amantes e concubinas têm relações complementares às da esposa em todas as sociedades; sempre estiveram envoltas na névoa do mistério e da luxúria. Mantêm com seus amados uma experiência similar, que tem o sexo e o amor, nessa ordem, como impulso principal. A diferença é que as concubinas, freqüentes na história dos países asiáticos, moram sob o mesmo teto que as esposas oficiais.
Caindo na real. Os reis faziam de tudo para cuidar bem de suas amantes. Quando morriam, os privilégios delas se evaporavam. Amantes não têm garantias. A escocesa Alice Keppel tornou-se a favorita do príncipe Albert, filho da rainha Vitória. Os dois se conheceram três anos antes de Albert subir ao trono como Eduardo VII. Viveram um dos grandes casos de amor das cortes europeias. O príncipe até descolou emprego para o complacente marido da amante, George Keppel. Infelizmente, Eduardo VII morreu cedo, em 1970, aos 59 anos, e, em pouco tempo, seu sucessor, George V, excluiu a teúda e manteúda da corte. A bisneta de Alice, Camilla Parker-Bowles, teve melhor sorte e chegou lá: casou com o amante, o príncipe Charles, tataraneto de Albert.
Garotas-troféu. Amantes famosas sofreram transtornos psicológicos e desenvolveram hábitos autodestrutivos. A velhice é outra adversária das amantes, erodindo seu principal capital — a beleza. A culpa pela relação ilícita e o ciúme são outros fatores de desequilíbrio. Há vários casos de tentativa de suicídio — como a musa de Voltaire, Émile du Châtelet, a amante de Hitler, Eva Braun, Virginia Hill, namorada do gângster Bugsy Malone, e Marilyn Monroe. Companheira do pintor Amedeo Modigliani, Jeanne Hébuterne tentou e conseguiu. A cabeça mais problemática parecia ser a das moças que a autora chama de “garotas-troféu”, ao estilo de Marilyn e da estudante Judith Campbell, amantes de poderosos como o ex-presidente John F. Kennedy.
Matriz e filial. Houve mulheres que se submeteram aos desejos do guerreiro que conquistou pelas armas seu território — outros termos da submissão entre colonizadores e colonizados. Malinche, amante do militar espanhol Hernán Cortés, foi indispensável na ocupação do México. Graças a ela, que falava castelhano e as línguas do império asteca, Cortés ganhou uma intérprete para compreender a cultura local e explorar rivalidades internas a favor da Espanha. Considerada no México uma traidora, Malinche foi deixada de lado por Cortés depois da vitória.
Amores do nazismo. A história de amor dos filósofos alemães Hannah Arendt e Martin Heidegger é uma das mais complexas. Hannah tinha 18 anos quando conheceu Heidegger, na Universidade de Marburgo, em 1924. Ela, uma talentosa estudante judia, ele, um prestigiado professor nacionalista afinado com o partido nazista. Os dois tiveram um relacionamento apaixonado, interrompido antes do começo da Segunda Guerra e retomado em 1950, quando ela já era uma mulher influente e tinha uma consagrada reflexão sobre a natureza maldosa do totalitarismo. Mesmo assim, absorveu Heidegger. A amante emblemática do nazismo foi Eva Braun, que morreu ao lado de Hitler, envenenada por cianureto em um bunker em Berlim.
Amantes modernos. Os filósofos franceses Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, com seu relacionamento aberto, contribuíram para diminuir a ilicitude das relações extraconjugais — tal como a escocesa Pamela Churchill Harriman, amante do dono da Fiat, Gianni Agnelli, e do banqueiro francês Elie de Rothschild. Quando morreu, em 1997, o jornal The Times a classificou como “uma das grandes cortesãs de sua época”. Nos novos tempos, importa mesmo é que todas as partes se arranjem. O relacionamento entre amantes reflete as mudanças no casamento e a emancipação feminina, com noções das obrigações legais. Elizabeth Abbott defende que a sociedade contemporânea faz vista grossa aos amores obscuros — viva e deixe viver é a nova norma. Ainda bem.
“Mistress — A History of the Other Woman”, de Elizabeth Abbott (528 págs., £ 13,50, na Amazon) Target Estudiosos de história, amores oficiais e/ou secretos