yro Martins. Se traçarmos um panorama histórico, ainda que rápido, constataremos que a sujeição da mulher em relação ao homem vem desde a antigüidade, não obstante a existência de mulheres que se destacaram, naquelas épocas remotas, em diferentes setores da atividade social. Mas o feminismo, como movimento organizado, surgiu de fato na Revolução Francesa. Naquele conturbado período, arregimentaram-se sociedades populares femininas que encaminharam à Assembléia Constituinte diversas petições, pleiteando a extensão às mulheres dos direitos concedidos aos homens. Houve, no momento, políticos e pensadores proeminentes, como Condorcet e Sieyès, que defenderam vigorosamente a tese da igualdade política dos sexos, porém os projetos de feministas foram rejeitados em 1793. Concomitantemente, foi ordenado o fechamento das associações femininas, o que evidencia, para nós, o caráter reacionário dos líderes que derrubaram a nobreza. Esse fato demonstra também que a Revolução Francesa não foi tão revolucionária como geralmente a história alardeia. Deixando de lado outros detalhes menos significativos do movimento de emancipação da mulher , quero ressaltar que no século passado a Inglaterra se tornou o centro de irradiação das reivindicações fundamentais do feminismo, em particular no referente à igualdade econômica, jurídica e política entre os sexos. O sufragismo inglês acarretou grande intranqüilidade pública, ao mesmo tempo em que progrediam as vitórias do movimento, culminando com a concessão do voto feminino em 1945. Demais, é sabido que a I e a II Grandes Guerras determinaram maior participação das mulheres nas atividades produtivas, em vista da mobilização dos homens para as frentes de combate. E desde então, e cada vez mais, as mulheres abandonaram o galope de cavaleiros andantes de um ideal meio lírico de libertação, vendedor de ilusões, posicionando-se lado a lado com os homens, na estrada da grande aventura impregnada de desventuras, que desejamos nos leve um dia ao fim da escravidão do mais fraco pelo mais forte. Á medida que o atrito com a ação contribui para desfazer na mente feminina a dissociação entre realidade e fantasia, a mulher vivencia mais fortemente a necessidade de definir sua cidadania, procurando o cenário propício para expor e impor a sua individualidade. Ao mesmo tempo, porém, luta para proteger da profanação pública aquilo que considera, tanto quanto o seu parceiro, o núcleo fundamental de sua personalidade, que a faz ser e continuar sendo mulher, com seus valores subjetivos, libidinais e agressivos, imprescindíveis para a plenitude do amor. No entanto, observamos ao longo da história, notadamente nos últimos cem anos, que a mulher mantém uma atitude ambivalente ante seu ideal de emancipação social. Penso que essa ambivalência se deve a dois fatores importantes: a idealização da mulher por parte do homem e a mitificação masculina, própria da fantasia feminina. E por isso só uma minoria tem conseguido realizar-se totalmente, na esfera da feminilidade e na área sócio-cultural. Isso depende, em grande parte, do preconceito ainda reinante de que existe uma incompatibilidade entre a cidadã e a mãe de família. Tais idéias e sentimentos são frutos de concepções e influências masculinas. Penso pois que a mulher na sociedade atual necessita vencer essa dicotomia psicológica, através do conhecimento aprofundado de si mesma, afim de atingir a tranqüilidade indispensável para ser boa mãe e profissional eficiente. Para tanto, na medida do auto-esclarecimento de sua personalidade, precisa elaborar e libertar-se do sentimento de culpa que consome, internamente, suas energias. Mas não nos adiantemos em nossas considerações. Não há dúvida que está em marcha um processo revolucionário em favor dos direitos da mulher. Embora persistam incertezas e desacordos, e por isso não se possa falar ainda numa emancipação plena, a não ser num ou noutro setor, contudo tem havido progressos quanto à sua posição econômica, social, política, intelectual, artística, técnica e científica. Mas perseveram, ainda, no plano sócio-cultural, incontestáveis desigualdades em relação ao homem. E estes aspectos negativos não se devem exclusivamente à prepotência do machismo tradicional, porém, em boa parte, a certo sentimento de inferioridade feminina, dependente do seu masoquismo. Esses contrastes afetivos são travas fortes que se opõem a que a mulher alcance a liberdade interior, essa sensação de leveza íntima que nos faz sentir aptos para assumir e desempenhar compromissos próprios da atividade socialmente útil, essa fidelidade que, homens e mulheres, devemos a nós mesmos. Fonte: http://www.celpcyro.org.br/v4/Estante_Autor/mulherSociedadeAtual.htm
A mulher na sociedade atual. In: A mulher na sociedade atual
(ensaios.Porto Alegre, Movimento, 1986, p. 12-13.