O século XIX ficou marcado pelo predomínio quase absoluto do comércio inglês. Maior potência econômica da época, a Inglaterra dominava os mares e fechava negócios nos quatro cantos do mundo. Vendia seus produtos por bons preços e comprava matérias-primas com facilidade e preços camaradas.
A intenção, desde a época do Mercantilismo lá no começo da Idade Moderna, era manter a balança comercial favorável, mas desta vez sob uma nova ideologia comercial, o Imperialismo que, explicado de uma forma extremamente simplista, é um Mercantilismo mais agressivo, apoiado não só nos acordos comerciais mas também no uso da força militar quando necessário.
E entre todos os países que comercializavam com a coroa britânica, um em especial estava levando uma incômoda vantagem sobre a balança inglesa: a China.
Os chineses produziam e vendiam chá de excelente qualidade para os ingleses — apreciadores históricos da bebida — , além de seda e porcelana, que eram apreciadas por toda Europa, e não compravam produtos ingleses com a mesma intensidade. Resumindo: os ingleses compravam muito da China e os chineses não se interessavam pelos produtos da Inglaterra.
A balança pendia sempre para o lado chinês.
Nesta época a Índia, vizinha da China, já era uma colônia britânica. E já naquela época tanto Índia quanto China eram países populosos — estima-se que no início do século XIX a China já contava uma população de cerca de 450 milhões de pessoas. Os ingleses lucravam bastante na Índia e queriam lucrar ainda mais na China.
Porto de Cantão, em Macau. “Descoberto” pelos portugueses em 1513, Cantão tornou-se, ao longo dos séculos, um importante entreposto comercial na Ásia.
Na época o único porto chinês aberto aos ingleses era o de Cantão. E o único produto que os chineses apreciavam sem limites e que os ingleses conseguiam vender por um bom preço era o ópio. A papoula, de onde o ópio é extraído, era plantada, beneficiada na Índia e vendida pelos ingleses.
Um país contra um entorpecente
A Inglaterra chegou a exportar 400 toneladas de ópio por ano para a China, usando como porta de entrada o porto de Cantão.
O império chinês não via com bons olhos o consumo desenfreado do ópio, existiam leis que puniam quem fosse encontrado consumindo a droga, mas existia também uma certa vista grossa dos responsáveis pelo policiamento.
O governo chinês não proibiu o consumo de ópio à toa. Seu uso chegava a atrapalhar setores da sociedade chinesa — não muito diferente do que acontece hoje no mundo todo com outras drogas pesadas. Grande parte do corpo militar chinês consumia ópio e preocupava setores do império, pois soldados viciados são mais abertos à corrupção.
Sendo assim, em 18 de março de 1839 o imperador Daoguang — da dinastia Qing — baixou um decreto proibindo de vez o comércio de ópio. Um emissário do imperador foi morto por marinheiros ingleses enquanto inspecionava a carga trazida por um dos navios ancorados no porto de Cantão, e este fato foi o estopim para que o imperador mandasse os soldados confiscar e queimar cerca de 20 mil caixas de ópio.
Os ingleses, lógico, não aceitaram perder toda esta mercadoria e iniciaram a Primeira Guerra do Ópio. Donos de um poderio marítimo militar tão forte quanto seu poderio comercial, os ingleses não hesitaram em cercar e bombardear Cantão e Nanquim. Os barcos chineses, feitos de madeira e movidos à vela, foram facilmente destruídos pela marinha britânica.
Os chineses até tentaram resistir por um tempo, mas foi em vão, já que os ingleses tinham maior poderio militar. Em 1842 os chineses assinaram o Tratado de Nanquim, que permitia a abertura de cinco portos para os ingleses (Cantão, Fuchou, Xangai, Amói e Ningpo), a entrega da ilha de Hong Kong, que ficaria sob controle inglês por 100 anos (mas só foi devolvida em 1997!) e o tratado previa também o pagamento de uma pesada indenização pelos danos da guerra.
Com os portos abertos para os ingleses, a França e os EUA — entre outras nações — também passaram a operar nos portos chineses. Mesmo assim o comércio na região não evoluía da maneira esperada pelos ingleses — com exceção do ópio, que continuava sendo contrabandeado para a China. O fato é que os superiores do governo chinês atrasavam o máximo as decisões comerciais, testando a paciência dos comerciantes ingleses.
Este cenário durou até 1856, quando soldados chineses abordaram e revistaram o navio inglês Arrow, gerando um grande atrito diplomático e que provocou a Segunda Guerra do Ópio, quando britânicos e franceses se uniram contra os chineses em 1857.
Óbvio que o chineses saíram mais uma vez derrotados, e em 1858 os ingleses exigiram a assinatura do Tratado de Tianjin, que indicava que onze portos chineses seriam abertos ao comércio com o ocidente, garantia a liberdade de comércio aos mercadores europeus e o livre trânsito de missionários cristãos pelo império chinês.
Assinatura do Tratado de Tianjin
Na época o imperador Xianfeng não aceitou o tratado e Pequim foi sitiada por tropas inglesas. Somente após a Convenção de Pequim, em 1860, é que o tratado foi assinado. Os chineses também tiveram que criar um Ministério dos Negócios Estrangeiros — para facilitar as decisões comerciais entre os países — e baniu dos documentos oficiais chineses a palavra “bárbaros” para designar os povos ocidentais.
Desta vez a China teve que acatar a legalização do comércio de ópio pelos ingleses, e seu comércio e consumo só foram banidos com medidas mais enérgicas a partir de 1949, após a Revolução Chinesa. Hong Kong, como citado acima, só foi devolvida aos chineses mais de 100 anos depois, em 1997. Até a Revolução de 1949, mais de cinquenta portos chineses sofriam ingerência de outros países.
A China sofreu com o ópio e a influência comercial dos países ocidentais. A Inglaterra hoje em dia não é mais a maior potência comercial do planeta, enquanto a China rivaliza diretamente com os EUA, manda-chuvascomerciais da atualidade.
Mas o consumo de ópio continua muito forte nos países asiáticos…
Curiosidades
Como é produzido o ópio? Link com um resumo rápido da Guerra do Ópio e explicando o processo de fabricação da droga. A papoula ainda é matéria-prima para produção da morfina e da heroína.