Polonês naturalizado brasileiro que escapou do Holocausto conta como foram os cinco anos passados em campos de concentração.
Quantas vezes você já teve a oportunidade de ficar frente a frente com um sobrevivente do Holocausto? Na semana passada, por iniciativa da Cruz Vermelha Brasileira, filial de Volta Redonda, o escritor polonês naturalizado brasileiro Aleksander Henryk Laks, de 72 anos, fez palestra no Teatro Gacemss contando sua história. Em cerca de duas horas ele relatou o verdadeiro inferno que viveu, durante cinco anos, nos campos de concentração mantidos pelos alemães, inclusive em Auschwitz, na Polônia, invadida em 1939.
Na tarde da terça-feira, dia 19, cerca de três horas antes do evento, Laks recebeu o FOCO REGIONAL no hotel onde ficou hospedado para uma conversa que durou mais de uma hora. Uma parte deste encontro está descrito nestas páginas pelo próprio escritor, em forma de depoimento. Afinal, como ele mesmo ressalta, o tempo não pode apagar um dos piores momentos da história da Humanidade, com o extermínio de cerca de seis milhões de judeus pelas tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, Laks trabalhou como vendedor, casou-se "com uma brasileira", como faz questão de frisar, e teve dois filhos. É presidente da Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista. Cidadão benemérito do estado do Rio e agraciado com a Medalha Pedro Ernesto, pela cidade do Rio de Janeiro, o escritor recebeu também na semana passada a Medalha de Direitos Humanos da Organização Benei Brit, que tem representação no Brasil.
Em suas palestras, Laks não se apresenta como vítima. Apenas conta o que testemunhou. Ao repórter, assegurou que não carrega o ódio pelo passado. Sua própria experiência resultou no livro "Sobrevivente – Memórias de um brasileiro que escapou de Auschwitz", lançado em 2007 pela Editora Record, que foi indicado ao Prêmio Jabuti e está em sua sétima edição. A entrevista é um resumo da história de um senhor simpático e afável, que, à primeira vista, não traz qualquer sensação de ter vivido os horrores que enfrentou.
"Costumo dizer que nunca vi ninguém voltar do céu, mas eu voltei do inferno. Tinha 12 anos quando fui preso, em 1º de maio de 1940. Meu pai (Jacob) era gerente de um frigorífico. Minha cidade, Lodz, foi transformada num gueto. Os alemães fecharam tudo e não se podia sair de lá. Todos os meus parentes foram mortos em campos de extermínio. Quando acabaram com o gueto, eu e meus pais fomos levados para Auschwitz, onde minha mãe pereceu na câmara de gás e depois foi cremada no crematório.
Em Auschwitz, eu e meu pai fomos vendidos para trabalho escravo a outro campo, em Gross Rossen (Alemanha). Quando a frente dos aliados chegou perto deste campo, fomos levados para a Marcha da Morte. Tínhamos que andar sem rumo, sempre juntos, sem poder fazer as nossas necessidades, comer ou beber. Era inverno e ficávamos sempre ao relento. A maioria morria congelada. À noite ganhávamos quatro ou cinco batatas cozidas e só. Para beber, tínhamos que pegar neve. Saímos 600 prisioneiros do campo e em pouco tempo fomos reduzidos a 50 pessoas.
Quem ficava para trás era fuzilado. Quem sentava era fuzilado. Quem encostava no outro porque já não tinha forças era fuzilado. Na Marcha da Morte morreram mais de dois milhões de judeus. Chegamos a pé no campo de Flossenburg. Era também um campo de extermínio e grassava a desinteria. Meu pai pegou a doença. Por ser muito fraco e doente, foi assassinado a pauladas, aos 45 anos de idade. Eu era filho único. Vi o que nenhum ser humano devia assistir ou ver. Quando meu pai morreu o crematório não suportava mais queimar cadáveres, tantos que tinham lá. Meu pai foi queimado numa pira".
‘Vi o que nenhum ser humano deveria assistir’
Neste momento, os olhos de Laks ficaram marejados. O repórter pede então que ele comente como foi voltar à Alemanha, especialmente a Flossenburg, há pouco mais de um mês. "Foi a segunda vez que estive lá, no encontro de ex-prisioneiros de Flossenburg. Havia umas 80 pessoas do mundo todo. Fiz várias palestras, inclusive nas escolas alemãs, sobre o Holocausto. Revivi tudo, claro, desabei. Quando voltei para o Rio fiquei dois dias internado. Durante 60 anos eu disse que não pisaria na Alemanha, principalmente onde mataram meu pai. Mas há três anos senti vontade de retornar ao lugar onde as cinzas dele foram espalhadas.
Fui libertado dois dias depois da morte do meu pai. Houve uma ordem para que o campo fosse evacuado e que nenhum prisioneiro caísse nas mãos dos aliados. Fomos levados de trem para sermos afogados em Bodensenn, no sul da Alemanha, mas, no meio do caminho, o trem foi bombardeado pelos aliados. Pegamos outro trem, na estação de Emmendingen, mas ele não chegou a sair. Fui libertado pelos franceses. Tinha 17 anos e pesava 28 quilos. Estava sem pai, sem pátria, sem dinheiro, sem amigos.
‘Fui libertado aos 17 anos, pesando 28 quilos’
Os aliados fizeram campos de refugiados e fiquei num deles, americano, onde ganhei roupa e comida. Depois fui para Nova York, onde morei quase um ano. Então me lembrei que havia uma irmã de meu pai, que vivia no Rio, viera antes da guerra. Sabendo que eu sobrevivi, ela queria me ver. Vim como turista e não voltei aos Estados Unidos. Me apaixonei pelo Brasil, pelo Rio e pelo povo brasileiro. Hoje sou brasileiro com muita honra.
Aleksander Henryk Laks, aos 72 anos.
Minhas palestras são bem recebidas porque não me apresento como vítima. Conto o que aconteceu, mas o intuito não é ser vítima. O intuito é recontar para nunca mais acontecer isso com ninguém. O livro que escrevi teve o mesmo intuito: contar a verdade e alertar que isso nunca, nunca mais, pode acontecer com ninguém. Nas minhas palestras, os mais jovens são quase sempre mais interessados que os adultos. Eles são mais sensíveis. Faço em escolas, universidades, igrejas e a quem se interessar. É um testemunho que trago, ninguém me contou, eu vi.
Uma das perguntas que mais me fazem é qual foi o pior momento. Todos eles, respondo. Também perguntam se tenho ódio. Não carrego, por isso estou vivo. Disse isso aos alunos nas escolas alemãs. Disse que eles não têm culpa e realmente não têm. Esta é uma passagem da história que o tempo não vai apagar, embora alguns digam que não existiu. Sabem que estão mentindo, mas dizem que não existiu. A estes eu pergunto: onde estão os seus parentes e onde estão os meus?".
Creditos: http://focoregional.com.br
Quantas vezes você já teve a oportunidade de ficar frente a frente com um sobrevivente do Holocausto? Na semana passada, por iniciativa da Cruz Vermelha Brasileira, filial de Volta Redonda, o escritor polonês naturalizado brasileiro Aleksander Henryk Laks, de 72 anos, fez palestra no Teatro Gacemss contando sua história. Em cerca de duas horas ele relatou o verdadeiro inferno que viveu, durante cinco anos, nos campos de concentração mantidos pelos alemães, inclusive em Auschwitz, na Polônia, invadida em 1939.
Na tarde da terça-feira, dia 19, cerca de três horas antes do evento, Laks recebeu o FOCO REGIONAL no hotel onde ficou hospedado para uma conversa que durou mais de uma hora. Uma parte deste encontro está descrito nestas páginas pelo próprio escritor, em forma de depoimento. Afinal, como ele mesmo ressalta, o tempo não pode apagar um dos piores momentos da história da Humanidade, com o extermínio de cerca de seis milhões de judeus pelas tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, Laks trabalhou como vendedor, casou-se "com uma brasileira", como faz questão de frisar, e teve dois filhos. É presidente da Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista. Cidadão benemérito do estado do Rio e agraciado com a Medalha Pedro Ernesto, pela cidade do Rio de Janeiro, o escritor recebeu também na semana passada a Medalha de Direitos Humanos da Organização Benei Brit, que tem representação no Brasil.
Em suas palestras, Laks não se apresenta como vítima. Apenas conta o que testemunhou. Ao repórter, assegurou que não carrega o ódio pelo passado. Sua própria experiência resultou no livro "Sobrevivente – Memórias de um brasileiro que escapou de Auschwitz", lançado em 2007 pela Editora Record, que foi indicado ao Prêmio Jabuti e está em sua sétima edição. A entrevista é um resumo da história de um senhor simpático e afável, que, à primeira vista, não traz qualquer sensação de ter vivido os horrores que enfrentou.
"Costumo dizer que nunca vi ninguém voltar do céu, mas eu voltei do inferno. Tinha 12 anos quando fui preso, em 1º de maio de 1940. Meu pai (Jacob) era gerente de um frigorífico. Minha cidade, Lodz, foi transformada num gueto. Os alemães fecharam tudo e não se podia sair de lá. Todos os meus parentes foram mortos em campos de extermínio. Quando acabaram com o gueto, eu e meus pais fomos levados para Auschwitz, onde minha mãe pereceu na câmara de gás e depois foi cremada no crematório.
Em Auschwitz, eu e meu pai fomos vendidos para trabalho escravo a outro campo, em Gross Rossen (Alemanha). Quando a frente dos aliados chegou perto deste campo, fomos levados para a Marcha da Morte. Tínhamos que andar sem rumo, sempre juntos, sem poder fazer as nossas necessidades, comer ou beber. Era inverno e ficávamos sempre ao relento. A maioria morria congelada. À noite ganhávamos quatro ou cinco batatas cozidas e só. Para beber, tínhamos que pegar neve. Saímos 600 prisioneiros do campo e em pouco tempo fomos reduzidos a 50 pessoas.
Quem ficava para trás era fuzilado. Quem sentava era fuzilado. Quem encostava no outro porque já não tinha forças era fuzilado. Na Marcha da Morte morreram mais de dois milhões de judeus. Chegamos a pé no campo de Flossenburg. Era também um campo de extermínio e grassava a desinteria. Meu pai pegou a doença. Por ser muito fraco e doente, foi assassinado a pauladas, aos 45 anos de idade. Eu era filho único. Vi o que nenhum ser humano devia assistir ou ver. Quando meu pai morreu o crematório não suportava mais queimar cadáveres, tantos que tinham lá. Meu pai foi queimado numa pira".
‘Vi o que nenhum ser humano deveria assistir’
Neste momento, os olhos de Laks ficaram marejados. O repórter pede então que ele comente como foi voltar à Alemanha, especialmente a Flossenburg, há pouco mais de um mês. "Foi a segunda vez que estive lá, no encontro de ex-prisioneiros de Flossenburg. Havia umas 80 pessoas do mundo todo. Fiz várias palestras, inclusive nas escolas alemãs, sobre o Holocausto. Revivi tudo, claro, desabei. Quando voltei para o Rio fiquei dois dias internado. Durante 60 anos eu disse que não pisaria na Alemanha, principalmente onde mataram meu pai. Mas há três anos senti vontade de retornar ao lugar onde as cinzas dele foram espalhadas.
Fui libertado dois dias depois da morte do meu pai. Houve uma ordem para que o campo fosse evacuado e que nenhum prisioneiro caísse nas mãos dos aliados. Fomos levados de trem para sermos afogados em Bodensenn, no sul da Alemanha, mas, no meio do caminho, o trem foi bombardeado pelos aliados. Pegamos outro trem, na estação de Emmendingen, mas ele não chegou a sair. Fui libertado pelos franceses. Tinha 17 anos e pesava 28 quilos. Estava sem pai, sem pátria, sem dinheiro, sem amigos.
‘Fui libertado aos 17 anos, pesando 28 quilos’
Os aliados fizeram campos de refugiados e fiquei num deles, americano, onde ganhei roupa e comida. Depois fui para Nova York, onde morei quase um ano. Então me lembrei que havia uma irmã de meu pai, que vivia no Rio, viera antes da guerra. Sabendo que eu sobrevivi, ela queria me ver. Vim como turista e não voltei aos Estados Unidos. Me apaixonei pelo Brasil, pelo Rio e pelo povo brasileiro. Hoje sou brasileiro com muita honra.
Aleksander Henryk Laks, aos 72 anos.
Minhas palestras são bem recebidas porque não me apresento como vítima. Conto o que aconteceu, mas o intuito não é ser vítima. O intuito é recontar para nunca mais acontecer isso com ninguém. O livro que escrevi teve o mesmo intuito: contar a verdade e alertar que isso nunca, nunca mais, pode acontecer com ninguém. Nas minhas palestras, os mais jovens são quase sempre mais interessados que os adultos. Eles são mais sensíveis. Faço em escolas, universidades, igrejas e a quem se interessar. É um testemunho que trago, ninguém me contou, eu vi.
Uma das perguntas que mais me fazem é qual foi o pior momento. Todos eles, respondo. Também perguntam se tenho ódio. Não carrego, por isso estou vivo. Disse isso aos alunos nas escolas alemãs. Disse que eles não têm culpa e realmente não têm. Esta é uma passagem da história que o tempo não vai apagar, embora alguns digam que não existiu. Sabem que estão mentindo, mas dizem que não existiu. A estes eu pergunto: onde estão os seus parentes e onde estão os meus?".
Creditos: http://focoregional.com.br