Os últimos 70 anos trouxeram ao morticínio a planificação burocrática e a execução em escala industrial | ||||||
por Luiz Marques | ||||||
Ninguém desconhece essas cifras. Relembro-as apenas para observar como elas parecem módicas ao lado do que testemunhamos nos últimos 50 anos. Entre 1965 e 1973, os Estados Unidos despejaram no pequeno Vietnã 8 milhões de toneladas de bombas, três vezes mais que todos os bombardeios da Segunda Guerra Mundial e o equivalente a 300 toneladas por vietnamita, além de 72 milhões de litros de substâncias químicas letais, que ainda hoje afetam 650 mil pessoas, segundo um relatório de 2003. Além disso, o conhecimento mais circunstanciado dos campos nazistas e soviéticos, Suharto na Indonésia, Pol Pot no Camboja, os genocídios dos curdos e da ex-Iugoslávia, Ruanda, a Chechênia, o Sudão, o Chile, a Argentina, Israel e, de novo, os americanos no Laos (2 milhões de toneladas de bombas), Guatemala, Nicarágua, Afeganistão, Iraque e alhures (além da cumplicidade da CIA em alguns dos massacres acima referidos) tornaram o horror corriqueiro, e banal a idéia da ferocidade humana. Obviamente o binômio guerra / atrocidade sempre existiu. Mas a “contribuição” dos últimos 70 anos (1937-2007) é específica, já que trouxe ao morticínio a planificação burocrática e a execução em escala industrial. Pode-se dizer, ademais, que nos últimos 20 anos emergem duas outras novidades: 1. a indiferença: os Horrores da guerra, de Goya, Guernica, de Picasso e Apocalypse now, de Coppola parecem definitivamente coisa do passado. Talvez por efeito de saturação e de superexposição à imagem (ao reality show), o Horror, em suma, não causa mais horror; 2. a percepção de que a atrocidade está ao alcance de todos. Não é mais prerrogativa de mentes monstruosas. As experiências de Philip Zimbardo (Stanford, 1971) e de Stanley Milgram (Yale, 1974) mostraram que pessoas “normais” tornam-se facilmente implacáveis torturadores. Dr. Jekyll não precisa mais de sua poção para se transformar em Mr. Hyde. Dormita em cada um de nós alguém que admitíamos existir somente no outro. Fonte: |
