21.6.11

O primo de Tiradentes


Frei Veloso nasceu na Vila de São José, atual cidade de Tiradentes/MG, em 14 de outubro de 1742, em uma residência ainda desconhecida. Era filho de José Vellozo da Câmara e Rita de Jesus Xavier. Foi batizado “José Veloso Xavier”, na Matriz de Santo Antônio dessa vila. Sua mãe era irmã de Antônia da Encarnação Xavier, mãe de Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o Tiradentes. É provável que os primos tenham passado alguns anos juntos quando Joaquim José ficou órfão e esteve na companhia de sua tia Rita.

Aos 19 anos o futuro frei deixou a Vila de São José e foi para o Convento de São Boaventura, onde se tornou franciscano. O espaço também era conhecido como Convento de Macacu, edificado ainda no século XVII e situado no interior fluminense, no arraial Porto das Caixas, atualmente integrando o município de Itaboraí.

Mas foi no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, que Veloso foi ordenado: ali, estudou Filosofia e Teologia e, provavelmente, foi onde adotou o nome de José Mariano da Conceição Veloso. No período de 1768 a 1771, foi pregador e ministrava aula de História Natural no Convento de Santo Antônio. Lecionou Retórica no convento e trabalhou na aldeia indígena de São Miguel, ambos em São Paulo.

Como a Coroa Portuguesa expulsou a Companhia de Jesus, devido ao seu amplo trabalho missionário-mercantil, em 1760, o navio Nossa Senhora de Arrábida levou os últimos jesuítas para o exílio. Com isso, os franciscanos assumiram a região hoje conhecida como São Miguel Paulista, que fica às margens do rio Tietê, na época, Ururaí. Frei Veloso foi um dos franciscanos que se mudou para a localidade. Ali, Veloso comandou a reforma e ampliação da igreja de São Miguel Arcanjo, que teve paredes erguidas, o pé direito da nave aumentado, janelas abertas e uma capela construída em homenagem à Nossa Senhora do Rosário. Frei Veloso utilizou o adobe, tijolo artesanal cozido ao sol, muito empregado na arquitetura da Vila de São José, em Minas. A igreja foi um dos primeiros bens tombados pelo Iphan.

Ainda morando no Convento de Santo Antônio, ele transformou o seu claustro em um herbário e como autodidata passou a estudar botânica. Em 1782, quando ainda estava trabalhando na aldeia indígena de São Miguel, foi convidado pelo vice-rei Luís de Vasconcelos de Souza para chefiar uma expedição botânica pela capitania do Rio de Janeiro. Essa expedição realizou-se ao longo de sete anos, acompanhada por religiosos, militares, desenhistas e escravos. O material coletado de espécimes da flora e fauna foi encaminhado para o Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda, de Lisboa, em Portugal. A expedição resultou na publicação póstuma, em 11 volumes ricamente ilustrados, de "Florae Fluminensis – seu descriptionum plantarum praefectura" (1825-1827).

Em 1790, foi para Lisboa. Em Portugal, constatou que havia uma lacuna em se tratando de textos impressos. Aproveitando as intenções de oferecer informações objetivas e de interesse dos produtores agrícolas e sobre técnicas industriais, fomentadas pelo iluminismo, Frei Veloso vai se tornar uma figura de relevância no cenário das luzes e das ciências de Portugal setecentista.

Convidado para a direção da recém-criada Tipografia do Arco do Cego, conseguira unir um grupo de brasileiros que poderiam estar envolvidos com as causas republicanas. Mas, ao contrário, promove indiretamente o desarme das tensões entre a metrópole e a colônia, através do projeto iluminista que estava sendo implantado. E, neste caso, a grande contribuição de Frei Veloso foram as publicações de técnicas modernas que poderiam ser aplicadas nas colônias e especialmente no Brasil. Assim, a produção do Arco do Cego ganhou importância, pois veio a difundir as luzes das ciências, da agricultura, da arte e da poesia.

No curto período em que funcionou, 28 meses, de 1799 a 1801, a Tipografia do Arco do Cego criou a Aula de Gravura, uma oportunidade para se formar novos gravadores. Concentrou várias atividades pertinentes às artes gráficas, como tipografia, calcografia e tipoplastia. Chegou ter 24 gravadores. Era sua intenção dotar o Arco do Cego com profissionais capacitados e dispensar trabalhos feitos por outras oficinas.

As obras editadas pelo Arco do Cego eram ricamente ilustradas, tornando-se uma característica do editor Frei Veloso. As imagens foram recursos indispensáveis para a instrução e o entretenimento. As áreas de publicação abrangiam a História Natural, a Agricultura, a Poesia, o Desenho, a Medicina, a Náutica, as Ciências Exatas, a Química e a História. Foram 83 títulos publicados, sendo 36 autores portugueses, 41 traduções e seis em latim. Dos 83 títulos, 44 eram ilustrados na calcografia, com o total de 360 gravuras. Sendo que muitas gravuras, devido à acuidade técnica, eram vendidas em avulso. O pesquisador e historiador Caio Boschi levantou 51 títulos publicados antes ou depois do período da existência da Tipografia, que também podem ser considerados integrantes do projeto editorial do Arco do Cego.

No período de 1798 a 1806, Frei Veloso organizou uma publicação em cinco tomos, divididos em 11 volumes, intitulada "O fazendeiro do Brasil cultivador", com textos recolhidos de autores americanos e europeus. Apresentava textos monográficos que tratavam desde a fabricação do açúcar, o cultivo de especiarias, o preparo do leite, seus derivados e outros.Encontramos, pela primeira vez o registro de um brasileiro preocupado com as queimadas florestais que comprometiam a flora e a fauna, além de destruir os nutrientes do solo e provocar erosão. Frei Veloso alertava para o perigo das queimadas destruírem plantas ainda sem levantamentos e desconhecidas.

Como tradutor para língua portuguesa e introdutor no Brasil das propostas do projeto iluminista do Império, participou do nascimento da Química Moderna, com a obra "Alographia dos alkalis vegetal ou potassa, mineral ou soda e dos seus nitratos", em volume único, três tomos com mais de 300 páginas, editado por solicitação do próprio príncipe regente. Frei Veloso conseguiu reunir artigos e outras publicações dos centros mais avançados da época, especialmente da França e Inglaterra. Detentor de vasto conhecimento das plantas tropicais, ele sabia que até meados do século XIX tanto a “potassa” quanto a soda eram produzidas principalmente pela queima de certos tipos de vegetais.

Quando Frei Veloso chegou a Lisboa, em 1790, portava os manuscritos de sua obra botânica: "Florae fluminensis", mas que fora publicada postumamente. Por ser uma obra amplamente ilustrada, as páginas iam sendo arrancadas, o que veio a comprometer sua longevidade. Atualmente, existem apenas duas coleções completas no Brasil, uma na Biblioteca Nacional, que também possui chapas originais em cobre e outra na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Universidade de São Paulo. É necessário registrar que o bibliófilo José Mindlin conseguiu colecionar o maior número de obras publicadas pela Tipografia Arco do Cego, mais do que qualquer outra biblioteca, inclusive de Portugal.

Com as invasões napoleônicas de 1808, a Corte Portuguesa fugiu para o Brasil e Frei Veloso retornou acompanhando Dom João VI. Logo, Dom João VI abre a Impressão Régia, utilizando-se da mão de obra especializada de Lisboa. Com a saúde comprometida pelo desgaste e dedicação as suas diversas atividades, Frei Veloso passou seus últimos dias no Convento de Santo Antônio, do Rio de Janeiro, onde veio a falecer em 13 de junho de 1811 e onde foi sepultado.

Fonte: