20.6.11

O caso Rosenberg revisitado

Em plena Guerra Fria, americanos e soviéticos espionavam um ao outro em sigilo absoluto; a execução do casal Rosenberg em 1953 é um tema que expõe os lados envolvidos no conflito e o ônus histórico da disputa pelo poder.


por Rémi Kauffer
Ethel e Julius Rosenberg momentos antes de serem executados na cadeira elétrica em 1953
Não importa se você é de esquerda ou não, se gosta de histórias conspiratórias ou de descrições factuais: o caso Rosenberg é pura controvérsia. Condenados à pena capital por espionagem e executados na cadeira elétrica em 19 de junho de 1953, Ethel e seu marido Julius Rosenberg são, até os dias atuais, vítimas de diferentes interpretações. Na visão dos americanos, adeptos de Joseph McCarthy, tiveram uma punição exemplar. Para pacifistas do mundo todo, foi um ato de violência e um desafio aos soviéticos. Os documentos da CIA e a opinião daqueles que testemunharam esse período são antagônicas.

Sob o codinome "Antena" e, depois, "Liberal", Julius Rosenberg, ajudado por Ethel, dedicou-se desde 1943 a atividades de espionagem nos Estados Unidos. Essa atividade estava circunscrita a dois domínios estratégicos cobertos pelo mais absoluto segredo: a aeronáutica militar americana e as pesquisas nucleares do Projeto Manhattan, que redundariam na fabricação da primeira bomba atômica.
Em dezembro de 1939, Julius aderiu ao Partido Comunista americano e casou-se com Ethel Greenglass. Três anos mais velha que ele, militante resoluta também oriunda do Lower East Side, bairro de judeus pobres de Nova York, conhecera seu futuro marido numa festa do Sindicato Internacional dos Marinheiros em 1936.

Período de grande agitação no sindicalismo norte-americano e de crise econômica em decorrência da quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929.

Entre os anos de 1943 e 1944, Julius deixou oficialmente o PC. Sempre conservando uma linha direta com a direção internacional do partido, ele passou para "o outro lado do espelho" para tornar-se chefe de uma rede de conexão e espionagem ligada ao NKVD - polícia secreta soviética precursora da KGB -, que estendia suas ramificações aos estados de Nova York e Ohio. Rosenberg recrutou vários agentes: seu cunhado David Greenglass, que acabava de ser nomeado soldado-mecânico, em julho de 1944, em Los Alamos, no Projeto Manhattan; um amigo pessoal, Morton Sobell; Alfred Sarant e Joel Barr, seus ex-colegas no curso de engenharia no City College of New York, membros do PC americano e um perito aeronáutico, William Perl.
Em fevereiro de 1950, Klaus Fuchs (1911-1988), um dos principais agentes soviéticos infiltrados no Projeto Manhattan, foi preso na Grã-Bretanha. Essa prisão levou o FBI à pista de Harry Gold (1910-1966), seu agente de conexão nos Estados Unidos, e depois, em junho de 1950, à de David Greenglass, irmão de Ethel Rosenberg. Joel Barr fugiu para a Tchecoslováquia. Harry Gold revelou muitos nomes e confessou ser espião há mais de dez anos em favor dos soviéticos. Durante a prisão de David Greenglass, este declarou que roubou segredos atômicos de Los Alamos, mas o fez a pedido de Julius Rosenberg. O círculo se fechou sobre o casal Rosenberg. Em 17 de julho de 1950, o FBI prendeu Julius, já interrogado diversas vezes.

Contrariamente a Fuchs, Gold e Greenglass, ele negou qualquer envolvimento em atividades de espionagem. Ethel negou com a mesma obstinação, colocando o FBI num impasse. Eis o grande segredo do caso Rosenberg: o projeto Venona, fonte das informações iniciais do FBI a propósito das atividades de espionagem de Joel Barr e Julius Rosenberg.
O projeto Venona empenhava-se, desde 1943, na interceptação de radiocomunicações entre as redes de espionagem americana do NKVD e a "central" em Moscou pela U.S. Army Signal Intelligence Division e, sua decodificação por especialistas da agência.

Atualmente, pode-se falar abertamente sobre tudo isso: iluminando as zonas de sombra do caso Rosenberg, uma parte das mensagens Venona foi divulgada em julho de 1995 pela National Security Agency, a agência americana de segurança nacional. Na época, houve um silêncio absoluto por parte do governo americano. Imposição principal: a Guerra Fria. O programa de decodificação de mensagens soviéticas era classificado como ultra-secreto. Daí o mal-estar do FBI ante o mutismo de Ethel e Julius. Se eles confessassem, como fizeram David Greenglass e sua mulher, Ruth, o dossiê judiciário poderia ser encerrado sem a alusão inoportuna a Venona. O casal Rosenberg negou sempre. Era preciso encontrar uma porta de saída. Escolheu-se a melhor saída para o FBI, a morte dos dois suspeitos.
Com o objetivo de fazê-la falar, Ethel foi aprisionada e ameaçada com a pena capital, assim como Julius, apaixonado por sua mulher como no primeiro dia. Normalmente, isso deveria funcionar: se ele não cedesse, seria ela, pensavam os psicólogos do FBI. Infelizmente, estavam enganados. Os Rosenberg não eram um casal dentro da norma, e o período também não. Por sua coragem pessoal, pela solidez de suas convicções e pela força de seu amor, os Rosenberg teceram os laços do nó górdio que os iria estrangular. A opinião pública americana ficou indignada ao saber como os soviéticos espionaram os Estados Unidos e como continuavam a espioná-los por intermédio de cidadãos americanos. As campanhas destinadas a "salvar os Rosenberg" não adiantariam. Ethel e Julius estavam perdidos. O processo começou no dia 6 de março de 1951. Foram condenados à cadeira elétrica.

Não foi por humanismo e menos ainda para salvar o casal que o movimento comunista internacional desencadeou uma intensa campanha. O interesse da esquerda ultrapassava os seus casos individuais: tratava-se de mascarar a espionagem atômica soviética por trás de uma cortina de fumaça e de levar os Estados Unidos ao banco da infâmia. Então, recorreu-se à propaganda. Estados Unidos? "Um país transpirando anti-semitismo por todos os poros, uma potência belicosa sedenta de sangue". Slogan após slogan, os partidos de esquerda e as organizações de massa fecharam o círculo em torno dos Rosenberg. De que modo o FBI e o governo americano, que deviam preservar a qualquer custo suas fontes de informação e espionagem, poderiam ceder a essa pressão? Liberando os Rosenberg e justificando assim a propaganda adversa? Isso era impensável naquele contexto. Encarnada em J. Edgar Hoover, chefe do FBI entre 1924 e 1972, e no juiz Irving Kaufman, judeu, o que relativiza o suposto anti-semitismo do caso, a razão de Estado, prevaleceu.

O casal foi executado sem ter revelado uma só parcela de seu segredo. A indignação levantada por esse drama iria deixar traços muito profundos na consciência coletiva, em particular na esquerda.

Ainda hoje, muitas pessoas acreditam na inocência dos Rosenberg e se recusam a compreender o período de sua juventude. Mais uma vez, o mito é mais forte que a realidade, ainda mais porque a URSS evitou reconhecer Ethel e Julius pelo que eles foram - defensores corajosos da causa comunista - e por quem a Rússia atual não se interessa.
Macarthismo: caça às bruxas à americana
Originalmente aberta em 1938, a Comissão de Atividades Anti-americanas (House Un-American Activities Commitee - HUAC), tinha como missão prevenir qualquer iniciativa subversiva, fascista ou comunista em solo americano. Suas atividades foram suspensas durante a Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, em 1945, e o início da disputa entre URSS e os Estados Unidos pela hegemonia mundial, no período conhecido como Guerra Fria, a perseguição aos supostos comunistas ou simpatizantes do Partido Comunista foi retomada com força pela HUAC, sob a direção de J. Parnell Thomas.

Entre 1950 e 1954, os métodos da Comissão para identificar os suspeitos foram levados ao extremo por seu então diretor, Joseph McCarthy (1908-1957), que contava com o auxílio do chefe do FBI, Edgard Hoover e do então presidente Richard Nixon. Não à toa, a também chamada "caça às bruxas" foi batizada de macarthismo, em alusão a seu nome. McCarthy agia no limite da legalidade, pagando testemunhas e levantando acusações sem prova. A imprensa, a intelectualidade, o exército, o Congresso e, principalmente, Hollywood foram seus alvos.

Nomes como Adrian Scott (produtor), John Howard Lawson, Dalton Trumbo, Sam Ornitz, Lester Cole, Ring Lardner, Alvah Bessie, Albert Maltz (roteiristas), Hebert Biberman e Edward Dmytryk integravam a lista negra do macarthismo entre os profissionais de Hollywood. Em 1947, os "Dez de Hollywood", como ficaram conhecidos, foram condenados a penas de seis meses a um ano de prisão por desrespeito ao Congresso por se recusarem a responder à HUAC.

Estar na tal "lista negra" significava que ninguém os empregaria na terra do cinema. Para garantir trabalho, alguns passaram a denunciar colegas de profissão, caso de Larry Parks e Sterling Hayden. Outros, como Charles Chaplin, se exilaram. Quem ficou escondeu-se por trás de pseudônimos. Trumbo, por exemplo, chegou a conquistar um Oscar por Arenas sangrentas (1956), assinando Robert Rich.
Segredos de Venona
Sob o codinome Venona, a National Security Agency (NSA), a mais discreta das agências americanas de informação, empenhou-se durante dezenas de anos em decodificar as mensagens enviadas pelos funcionários da KGB em Moscou durante a guerra. Esse trabalho tornou-se possível graças a um livro de códigos soviético encontrado pelos finlandeses em 1941 e remetido aos americanos em 1945. A partir desse livro, os especialistas da NSA conseguiram decifrar parte das mensagens secretas endereçadas à sede da KGB entre 1943 e 1945. Desde o final dos anos 40, as primeiras decodificações permitiram identificar os espiões "atomistas" que revelaram os segredos da bomba americana à URSS (Klaus Fuchs, Nun May, Bruno Pontecorvo) e neutralizar alguns espiões soviéticos de primeira importância, entre eles Burgess e Maclean, do grupo de Cambridge. Venona permitiu assim confundir o casal Rosenberg, mas na época Washington não queria que Moscou conhecesse a operação em curso: nenhuma mensagem decodificada foi fornecida ao tribunal que os condenou. O casal morreu na cadeira elétrica clamando sua inocência. Os documentos divulgados pela NSA em 12 de julho de 1995 (confirmados em fevereiro de 1996 por um general russo da reserva) mostraram que Julius Rosenberg era o chefe de uma importante rede de espionagem que trabalhava para a URSS. Além disso, uma mensagem de 27 de novembro de 1944 provou que Ethel estava a par das atividades de seu marido. Outras mensagens sugerem que os Rosenberg recebiam dinheiro e material fotográfico da KGB. Pode-se consultar as mensagens Venona na internet.

Por Thierry Wolton
David e Ruth Greenglass - David, hoje com 84 anos, era irmão de Ethel Rosenberg. Trabalhava em Los Alamos como soldado-mecânico. Em 1950, suspeito de espionagem, disse que fazia tudo a mando de Julius Rosenberg, seu cunhado. Em 2001, David admitiu na rede de televisão americana CBS ter mentido ao dizer que sua irmã, Ethel, havia datilografado suas anotações de espionagem para enviá-las a Moscou, assim como de incriminar Julius de espionagem atômica, sabendo que seu perjúrio foi a grande razão que levou à condenação do casal.

Klaus Fuchs (1915-1988) - físico nascido na Alemanha e naturalizado inglês. Passou segredos do Projeto Manhattan aos soviéticos para a construção de armas nucleares.

Harry Gold (1910-1974) - americano de origem suíça. Atuou como mensageiro da inteligência soviética por mais de dez anos. Foi intermediário de Klaus Fuchs, em Los Alamos. Preso, na década de 1950 e, por meio dele, chegou-se a David Greenglass. Foi condenado a 30 anos de prisão.

J. Edgar Hoover (1895-1972) - obcecado em localizar e eliminar do território americano todos os "subversivos," instalou um sistema de espionagem no país com o FBI (Federal Bureau of Inteligence) durante 1924 e 1972, tempo em que dirigiu o FBI.

Irving Kaufmann (1910-1992) - juiz de origem judaica que liderou os trabalhos durante o julgamento do casal Rosenberg.
Saiba mais
Guerra Fria. Período pós-1945 marcado pelo conflito ideológico entre Estados Unidos capitalista e a União Soviética comunista pela supremacia geopolítica e econômica no mundo. A crise não gerou nenhum tipo de conflito físico, mas desencadeou uma corrida armamentista e a perseguição daqueles contrários a qualquer um dos dois regimes. O final da Guerra Fria é marcado pelo colapso do regime comunista no final da década de 1980.

Projeto Manhattan. Esforço para desenvolver armas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. A pesquisa foi dirigida pelo físico Robert Oppneheimer. Foi desenvolvido em três laboratórios secretos: Hanford, Los Alamos e Oak Ridge. Diversos testes foram feitos com armas nucleares no ano de 1945, culminando no lançamento das bombas de Hiroshima e Nagazaki no Japão.

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