23.5.12

SACERDOTES, GUERREIROS E CAMPONESES






“A SOCIEDADE está dividida em três ordens. Além da eclesiástica, a lei reconhece outras duas condições: a do nobre e a do servo que não são regidas pela mesma lei. Os nobres são os guerreiros, os protetores das igrejas, defendem a todo o povo e ao mesmo tempo se protegem a eles mesmos. A outra classe é a dos servos. Essa classe de desgraçados não possui nada sem sofrimento; fornece provisões e roupas a todos pois os homens livres não podem valer-se sem eles. Assim, pois, a cidade de Deus que é tomada como una, na verdade é tripla. Alguns rezam, outros lutam e outros trabalham. As três ordens vivem juntas e não podem ser separadas.”(ADALBERON, “Carmen ad Rotbertum regem francorum”, citado por PINSKY, J., op. cit. p.71.)

A Sociedade Feudal

A sociedade feudal era formada pela aristocracia proprietária de terras (composta pelo alto clero e pela nobreza) e pela massa de camponeses (servos e vilões não proprietários).

O clero ocupa papel relevante na sociedade feudal. Os sacerdotes destacavam-se como servidores de Deus, detentores da cultura e administradores das grandes propriedades da Igreja, além de sua marcante ação assistencial aos desvalidos. A Igreja procurava legitimar o modo de agir da aristocracia, afirmando que Deus tinha distribuído tarefas específicas a cada homem e que, portanto, uns deviam rezar pela salvação de todos (o clero), outros deviam lutar para proteger o povo de Deus (a nobreza) e os outros deviam alimentar com seu trabalho, aqueles que oravam e guerreavam (os camponeses).


Os nobres (reis, duques, marqueses, viscondes, barões e cavaleiros) habitavam os castelos, que eram, ao mesmo tempo, residência e núcleo de defesa contra os ataques de inimigos. “O castelo é sinal de segurança, de poderio e de prestígio. No século XI erguem-se as torres e vence a preocupação da defesa. Em seguida, precisam-se os encantos da habitação. Continuando bem defendidos, os castelos passam a dar mais lugar aos alojamentos e criam edifícios de habitação dentro das muralhas. Mas a vida ainda se concentra na sala grande. O mobiliário é diminuto. As mesas em geral são desmontáveis e uma vez concluídas as refeições, são retiradas. O móvel normal é a arca ou baú, onde são arrumadas as roupas ou a baixela. Esta é de um supremo luxo, resplandece e é também uma reserva econômica.” (LE GOFF, J., op. cit. v.2, p.125.)

O senhor feudal procurava cercar-se em seu castelo de uma corte numerosa, com dezenas de comensais entre vassalos, parentes, amigos, cavaleiros, além de criados domésticos e artesãos especializados(ferreiros, carpinteiros, tecelões, prateiros, ourives, curtidores, cervejeiros). Sua hospitalidade pressupunha adegas e coleiros sempre cheios, mesmo em épocas de colheitas baixas. Para isso, os grandes senhores possuíam vários domínios, administrados em sua ausência pelos intendentes, encarregados de fiscalizar a produção dos camponeses.


UM CASTELO MEDIEVAL. O castelo é, principalmente, um local fortificado, uma fortaleza; na origem, era de madeira; os seus principais elementos eram uma paliçada e uma torre de dois andares, a cave e uma grande sala, em que se entrava por uma escada de mão. Era construído sobre uma elevação do terreno, a “motte”. O castelo passa a ser a base visível e concreta dos poderes do castelão, cuja bandeira ondula na torre de mensagem. (LE GOFF, J., op. cit. v.2, p. 275.

Os nobres gastavam seus rendimentos em jóais e banquetes e ocupavam seu tempo em treinamentos no uso de armas(espada, lança e escudo), em torneios, duelos e caçadas, utilizando cães e cavalos amestrados, símbolo de pompa e riqueza. A necessidade de melhores equipamentos, armaduras e cotas de malhas contribuíram para o progresso da metalurgia.

Caravanas e mensageiros a serviço do senhor feudal percorriam constantemente os caminhos precários da época, mobilizando bois, cavalos, carroças, barcos e homens para transportar os artigos de que os nobres necessitavam. Os torneios e as festas atraíam grande número de artífices e mercadores para as redondezas dos castelos, interessados em novos negócios.

As despesas da nobreza eram asseguradas pelos tributos arrancados aos servos; quando isso não bastava, os senhores recorriam a empréstimos, inicialmente junto às igrejas e posteriormente junto aos premistas judeus, nessa época os únicos isentos da condenação da usura que recaía sobre os cristãos.

Os camponeses, anteriormente colonos e escravos, transformaram-se em servos da gleba (presos à terra) ou vilões (livres), dependentes do senhor que detinha o poder de proteger, de julgar, de punir e de arrecadar impostos, tendo em vistaa a fragmentação do poder público. Estavam submetidos a uma série de encargos e sujeições considerados infamantes, como as corvéias, as banalidades, o direito de consórcio e a impossibilidade de abandonar o domínio sem autorização.

As corvéias consistiam na obrigação de prestar ao senhor serviços gratuitos de tipo variado como: trabalho na lavoura, construção de cercas e pontes, entrega de pilhas de lenha, durante determinados dias da mesma. As banalidades eram taxas cobradas pelo uso do moinho do senhor para moer cereais, do forno para assar o pão e o lagar para pisar as uvas para o vinho.

Os servos não possuíam a plena posse de seu lote ou manso e, portanto, não podiam transmiti-lo livremente por herança. Ao morrer um camponês, seu filho pagava uma taxa de sucessão para continuar em seu lugar. A condição de servo impunha também a autorização do senhor para contrair matrimônio. Se o futuro cônjuge pertencesse a outra aldeia ou domínio, o senhor exigia uma compensação em dinheiro para permitir o casamento.

OS DIREITOS SENHORIAIS EM VERSON

"Em São João (24 de junho), os camponeses de Verson na Normandia devem ceifar os prados do senhor e levar os frutos ao castelo. Depois, devem cuidar do fossos. Em agosto, colheita do trigo que devem levar à granja. Eles próprios não podem recolher os seus feixes senão depois que o senhor tirou antecipadamente a sua parte. Em setembro, devem a “porcagem”: um porco em oito e dos mais bonitos. Em São Diniz (9 de outubro) pagam o “censo”, depois o direito de fechar o seu campo. No começo do inverno, corvéia sobre a terra senhorial, para prepará-la, semear e passar a grade. Em Santo André (30 de novembro) paga-se uma espécie de bolo. Pelo Natal, “galinhas boas e finas”. Depois, uma certa quantidade de cevada e trigo. Se o camponês vender a sua terra, a décima terceira parte do preço de venda pertence ao senhor. No domingo de Ramos, deve ele a “carneiragem” – um certo número de carneiros – e uma nova corvéia de trabalho. Depois deve ir para a forja, ferrar os cavalos; no bosque, cortar as árvores para o senhor e fazer a corvéia do carreto. Ainda mais: o moleiro do castelo, para moer o grão do camponês, cobra um alqueire de grão e uma certa quantidade de farinha; no forno, é preciso pagar também, e o “forneiro jura que, se não tiver o seu pagamento, o pão do camponês ficará mal cozido e mal “virado”.

(LUCHAISE, “La société française au temps de Philippe Auguste.”
Citado por ALBA, André. A Idade Média. S.P., Ed. Mestre Jou, 1967, p.33/34.)


Para a nobreza, o servo comparava-se a um animal selvagem, de uma feiúra repugnante e sempre de mal humor. Era ridicularizado em poemas que se referiam a ele como “vilão”, “rústico”, “gatuno”, “diabo”, “ladrão”, apresentando-o ainda como um viciado, maldito e miserável. Dessa maneira, o camponês medieval, além de explorado pelas corvéias e impostos, era desprezado e visto como uma figura que apenas se parecia com uma pessoa humana.

Naquela época, as terras cultivadas não eram muito extensas e os campos não tinham proteção contra a má colheita provocada por seca, inundação ou passagem de soldados. Por isso, a população camponesa alimentava-se mal, vivendo à beira da fome ou morrendo com as epidemias tão comuns na Idade Média e que atingiam principalmente a camada mais pobre.


A exploração dos servos pelos nobres esbarrava numa forte resistência de muitos deles, que não recolhiam os tributos devidos, incendiavam as colheitas, fugiam para as florestas ou uniam-se a bandos de foras da lei. Revoltas camponesas, mesmo duramente reprimidas, não foram raras e caracterizavam as relações de conflito entre a nobreza e o campesinato durante a época feudal.

Autores: Fábio Costa Pedro e Olga M. A. Fonseca Coulon.
História: Pré-História, Antiguidade e Feudalismo, 1989

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