23.5.12

Tenentismo



Porta-voz de idéias democráticas e liberais na década de 1920, em dez anos o movimento revolucionário dos "tenentes" desenvolveu um projeto social explicitamente contrário à democracia liberal -- repudiada sob a alegação de constituir um modelo estrangeiro -- e passou a propor a instalação de um estado forte e centralizado que, apoiado numa estrutura social corporativista, seria capaz de determinar objetivamente as "verdadeiras" necessidades nacionais. Com esse caráter, foi uma das forças motrizes da revolução de 1930.

Tenentismo foi o movimento político-militar revolucionário que tomou corpo no Brasil a partir de 1922, sob a forma de uma série de levantes em todo o território nacional. Basicamente integrado por oficiais de baixa patente -- entre os quais Luís Carlos Prestes, Juarez Távora, Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Juraci Magalhães, Cordeiro de Farias, Ernesto Geisel e Artur da Costa e Silva --, o tenentismo contou posteriormente com a adesão de civis, como Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco. O elitismo militar levou os tenentes, na década de 1930, a adotarem uma atitude paternalista e autoritária quanto às decisões que afetassem a vida da população, que não estaria capacitada a participar da revolução ou escolher seus representantes antes de ser submetida a um processo educativo.

Desinteressados do grande apoio popular que receberam durante uma década e em conflito com os outros grupos que fizeram a revolução, os tenentes viram-se isolados e afastados do poder em poucos anos. A partir de 1932, o movimento foi enfraquecido pela reorganização pós-revolucionária do estado, exigida pelas próprias oligarquias agrícolas em nova correlação de forças, pela retomada da hierarquia interna do Exército e pelas cisões ideológicas entre os próprios tenentes. Seus integrantes filiaram-se, de forma dispersa, a organizações as mais diversas, como o integralismo, a Aliança Nacional Libertadora, o Partido Comunista Brasileiro, os partidos socialistas e os movimentos católicos, o que denota inequivocamente a incoerência ideológica do grupo.

Antecedentes: A estrutura política da República Velha no Brasil não permitia a existência efetiva de uma oposição e tornava inócuo o processo de substituição dos governantes -- que durante várias décadas haviam representado as oligarquias agrícolas de São Paulo e Minas Gerais e se revezavam no poder, num processo conhecido como a "política do café-com-leite". O proletariado urbano -- recente, disperso, pouco numeroso e inconsciente de seu papel -- era a contrapartida das populações rurais, espelho do atraso social em todos os aspectos. Nesse contexto, os jovens oficiais das forças armadas, organizados corporativamente na instituição militar, representavam uma possibilidade ímpar de expressão do inconformismo político. O tenentismo expressou também a revolta contra as duras condições de vida a que eram submetidos os tenentes, que constituíam mais de sessenta por cento dos oficiais do Exército, enquanto a cúpula de marechais e generais usufruía de privilégios concedidos pelas elites dominantes, que assim controlavam a ação do Exército como um todo.

Primeiros levantes: Na República Velha, as disputas entre as oligarquias constituíam a maior ameaça à estabilidade do sistema. Contra o grupo hegemônico dos mineiros e paulistas -- então representado pelo governo de Epitácio Pessoa, um civilista, e por seu candidato, Artur Bernardes -- uniram-se as elites dos outros estados na Reação Republicana, que lançou a candidatura de Nilo Peçanha, apoiada pelos militares. A tensão aumentou com a publicação das "cartas falsas", atribuídas a Bernardes, que insultavam o Exército. A derrota eleitoral do candidato oposicionista motivou uma conspiração militar para impedir a posse de Bernardes.

Ocorreram levantes isolados, entre os quais o do forte de Copacabana, que terminou com o episódio conhecido como o dos "Dezoito do Forte", em 5 de julho de 1922. Outras rebeliões militares se seguiram em 1924, sobretudo em São Paulo e no Rio Grande do Sul. A evolução do movimento trouxe propostas políticas mais concretas ao conjunto da sociedade e passaram a segundo plano as reivindicações corporativistas. A partir desse momento, o tenentismo conquistou a simpatia popular nas cidades, embora não tenha ocorrido nenhuma mobilização de massas, nem mesmo tentativas de articulação com as dissidências oligárquicas.

Coluna Prestes: Encurraladas pelas tropas legais, as tropas revolucionárias retiraram-se das cidades sem se dispersar e, em meados de 1924, tornaram-se guerrilheiras. Unidas na coluna Prestes, as forças rebeldes incitaram a revolução armada em todo o território nacional. Assim, marcharam cerca de 24.000km e atravessaram 11 estados, mas todos os levantes por elas incentivados fracassaram. Em 1926, ao fim do mandato de Artur Bernardes, a quem pretendia depor, a coluna se dispersou e o comando revolucionário exilou-se em países da América do Sul.

O elitismo militar dos tenentes fez com que perdessem a oportunidade de liderar uma organização política de grande penetração na sociedade civil. As oligarquias agrícolas da oposição organizavam-se, enquanto isso, em partidos políticos, que se tornaram também canais de expressão para a população urbana insatisfeita. O Partido Democrático (PD) e o Partido Libertador (PL), que haviam alcançado representatividade social, iniciaram contatos com os tenentes exilados para a articulação de um novo movimento revolucionário. As alianças estabeleciam-se sobre bases precárias, pois enquanto os tenentes mantinham-se fiéis à idéia de uma revolução armada e golpista, as elites procuravam o caminho eleitoral. Em 1928, Prestes, o líder dos tenentes, rompeu explicitamente com os partidos políticos das elites e aceitou uma aproximação com o Partido Comunista do Brasil (PCB), quando tomou contato com o marxismo.

Revolução de 1930: Em 1929, Minas e São Paulo quebraram um acordo de revezamento que vigorava havia décadas. O presidente Washington Luís, que deveria ser sucedido por um mineiro, indicou o paulista Júlio Prestes para assegurar a continuidade de seu plano econômico. A elite mineira uniu-se aos gaúchos contra São Paulo na Aliança Liberal, que lançou a candidatura Getúlio Vargas, então presidente do Rio Grande do Sul. Os próprios cafeicultores paulistas opuseram-se à candidatura Júlio Prestes, que significava a continuação de medidas econômicas ameaçadoras ao império do café. A inclusão da reivindicação por leis trabalhistas no programa aliancista mobilizou as populações urbanas. A ala jovem do partido inclinou-se pela revolução armada, o que se tornou um ponto de contato com o tenentismo. No segundo semestre, iniciaram-se os contatos entre a Aliança e os tenentes, contra resistências de ambas as partes, tanto dos velhos oligarcas como dos líderes tenentistas.

Em março de 1930, a Aliança perdeu as eleições. Dois meses depois morreu Siqueira Campos, um dos líderes dos tenentes, num desastre de avião, e Luís Carlos Prestes assumiu o marxismo e desligou-se do movimento revolucionário, que ficou acéfalo, momentaneamente paralisado e mais disponível para alianças. Em julho, o assassinato de João Pessoa, candidato a vice pela Aliança e recém-derrotado nas urnas, embora motivado por questões pessoais e regionais, funcionou como o estopim da revolução.

O chefe militar da revolução foi o general Góis Monteiro, até então fiel ao governo federal, que participara da perseguição à coluna Prestes. Homem de confiança do regime, em janeiro de 1930 fora enviado ao Rio Grande do Sul como parte do esquema de segurança montado para neutralizar uma possível reação gaúcha à já prevista derrota de Vargas nas eleições presidenciais. Habilmente contatado pelos revolucionários, entre os quais um de seus irmãos e seu cunhado, aderira à revolução.

O programa do tenentismo na década de 1930 era tipicamente de classe média e propunha a defesa da unidade nacional; a regulamentação do trabalho; a intervenção estatal na economia; o desenvolvimento e a diversificação agrícolas e, em segundo plano, a industrialização; e a defesa da segurança nacional, por meio da estatização das riquezas naturais, da indústria de base e demais núcleos da infra-estrutura econômica, num regime anticapitalista. Tal projeto não se coadunava com as intenções das oligarquias com as quais os tenentes lideraram a revolução e com que entraram então em conflito crescente.

Declínio: Em abril de 1931, houve em São Paulo um levante fracassado contra o interventor federal, um tenente, que mesmo assim foi substituído em julho. Durante o resto do ano, as oligarquias agrícolas, que ansiavam pela volta à normalidade política, exerceram pressão insustentável contra a manutenção da ditadura, o que implicaria a perda do comando por parte dos tenentes, não organizados para competir num sistema eleitoral. Em 24 de fevereiro de 1932, Vargas cedeu e marcou a data das eleições para a Assembléia Constituinte. No dia seguinte, numa atitude precipitada de represália, os tenentes empastelaram o Diário Carioca, jornal contrário a suas posições, e com isso perderam a simpatia popular.

A revolução constitucionalista eclodiu em São Paulo, em 9 de julho de 1932, contra os tenentes e disposta a derrubar o governo provisório. Mas os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul não aderiram, ainda hesitantes quanto à luta armada e inclinados a tentar uma solução política. O fracasso da revolução paulista fortaleceu o tenentismo, mas a campanha constitucionalista ganhou força e se tornou um movimento social. O governo central viu-se forçado a aceitar o processo de constitucionalização e, com isso, instalou-se a cizânia no Clube Três de Outubro, fundado logo após a revolução como organismo da cúpula revolucionária e que reunia tenentes e autoridades do governo. Além disso, a ausência de unidade ideológica entre os próprios tenentes contribuía para enfraquecer o movimento.

A Assembléia Constituinte eleita em 1933 foi dominada pelas oligarquias, e os tenentes obtiveram pequena representatividade. No fim do mesmo ano, foram nomeados interventores civis para São Paulo e Minas Gerais e esses estados, ao lado do Rio Grande do Sul, tornaram-se o tripé de sustentação do governo central, que se viu ainda menos dependente dos tenentes. Além disso, o primeiro escalão do Exército, liderado pelo general Góis Monteiro, ao retomar o controle e restabelecer a hierarquia interna da instituição, afastou-a do cenário político.

Movimento militar de 1964: Nova intervenção dos militares na política brasileira só ocorreu em 1964 e deu início a uma ditadura de mais de vinte anos. Muitos dos tenentes da década de 1920, já promovidos a altas patentes, ocuparam cargos importantes, entre os quais Geisel e Costa e Silva, que exerceram a presidência da república. A visão golpista, o estado centralizado, o autoritarismo paternalista e o exercício da força para garantir a estabilidade do governo, característicos do tenentismo na década de 1930, foram então postos em prática. A defesa da segurança nacional justificou arbitrariedades como a censura à imprensa e a perseguição, tortura e morte de cidadãos suspeitos de subversão.


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