23.5.12

A Projeção da Revolução Mexicana


O interesse pelo estudo da Revolução Mexicana se deu principal mente pela eclosão da Revolução Cubana as partir de 1959. Tudo indica que para os próprios mexicanos a retomada dos estudos sobre sua revolução ocorreu a partir dos anos sessenta quando, simultaneamente, se comemorava o cinquentenário da Revolução e a ascensão do fidelismo ao poder. Também tem despertado nossa curiosidade, o chamado "modelo mexicano", isto é, um regime político de partido único que mantém um sistema eleitoral que não altera os resultados finais e que se mantém surpreendentemente estável ao longo dos últimos sessenta nos. O México apresenta um regime político sui generis, um regime onde nem o Exército, nem a Igreja, nem o latifúndio são os fatores dominantes nas decisões políticas do país.

Então a Revolução Mexicana nos interessa por dois aspectos: por ser a primeira grande revolução social do nosso século (anterior inclusive à revolução bolchevista de 1917) e também por apresentar um regime político dos mais estáveis na história da turbulenta América Latina.
Como classificar esta revolução

O primeiro grande problema com que nos defrontamos ao analisarmos a história da Revolução Mexicana é como defini-la. Ela não se amolda aos padrões conhecidos de classificação revolucionária: isto é "Revolução Burguesa" e "Revolução Socialista".

A mais recente interpretação dessa revolução foi feita por Arnaldo Córdova (A Ideologia da Revolução Mexicana, 1973) que a classifica de "revolução populista", pois descrê da possibilidade de se utilizar do material teórico europeu para qualificá-la. "Populista" porque todos os grupos que se digladiavam lutavam de fato pela hegemonia da liderança sobre as massas, todos os grupos em conflito apelavam constantemente para elas, para que as massas se decidissem a favor de um ou de outro.

Seria populista também pelo grau de compromissos assumidos pelos dirigentes políticos: compromissos que representavam entre a nova classe emergida da revolução e povo. Neste sentido ela anuncia ao resto da América Latina, um modelo ímpar, uma espécie de terceira via, entre o regime oligárquico puro e simples e a revolução socialista, que passa a ser uma alternativa a ser considerada especialmente a partir de 1917. O Populismo seria uma síntese entre o regime oligárquico e o avanço socialista. O sistema de gerência da sociedade contava com forte cunho paternalista, mas a participação popular se fazia garantir através das eleições, da organização sindical e da legislação social. O que queremos dizer é que a Revolução Mexicana foi de certa forma o grande modelo que inspirou posteriormente os demais movimentos populistas na América Latina, tais como o Varguismo no Brasil, o Peronismo na Argentina, o Aprismo no Peru, etc...

A direitização que se assiste no regime mexicano de certa forma acompanha a direitização do populismo em toda a América Latina. Esta direitização se dá, porque o grande adversário do populismo não são mais as oligarquias, mas sim o projeto socialista. Isto implicou num acomodamento do populismo com as oligarquias, que passam a fazer frente em comum contra a presença socialista.
A escassez de ideias


Um dos aspectos que mais chama a nossa atenção no estudo da Revolução Mexicana é a carência de ideias. De construções ideológicas que aparelhassem os revolucionários na conquista do poder. Quando a Revolução eclode, entre 1910-11, observa-se que seus argumentos ideológicos expostos pelos militantes antiporfiristas são extraídos do liberalismo burguês: alternância do poder, rotatividade no executivo, eleições periódicas e honestas, legislativo autêntico e judiciário independente. Este programa (que foi esboçado pelo Plano de San Luís de Potosi, outubro de 1910) convivia desconfortavelmente com outro, emergido das bases camponesas, e expressadas principalmente por Zapata que exigia uma reforma agrária que restaurasse ao ejidos.

Desgraçadamente faltou para as lideranças camponesas um instrumental ideológico que ultrapassasse a simples luta pela terra e se configurasse numa luta pelo poder político.

Assim a Revolução Mexicana é fruto de uma dupla revolução: uma revolução das elites dissidentes, marginalizadas pelo sufocante aparelho porfirista e que reivindicam sua participação no poder por meio da ideologia liberal clássica. E outra, mais profunda, vinculada ao passado de humilhações que a massa camponesa de sangue indígena sofreu e que aproveitou o conflito entre as oligarquias para apresentar seu projeto social: fim dos guachupines e retorno ao ejido. Não é um projeto anticapitalista, mas sim antifeudal. Contrapõe o poder do haciendado ao poder dos comuneros organizados nos pueblos e ejidos.
O despreparo político dos líderes camponeses, Villa e Zapata os impossibilitou do exercício do poder. Seus vínculos estreitamente regionais, Villa no Norte e Zapata em Morellos no Sul, foram enormes obstáculos para a unidade política da Revolução. Ao mesmo tempo em que eles eram frutos do atraso social do povo mexicano na sua totalidade. Os camponeses não conseguiram formar seu próprio e adequado instrumental ideológico colocando-se à mercê da nova burguesia que emergiu da Revolução.

O porfiriato 1876 - 1911

Na transição do século XIX para o século XX, o regime do Gen. Porfírio Díaz começou a agonizar. Mas o que era esse regime, o que representa o porfiriato?
Díaz assumiu o poder em nome da plataforma do regime liberal que implicava a política de laicização do Estado e na aplicação de moderadas reformas políticas. Na prática, o regime implantou o imobilismo político.

Socialmente: o porfiriato foi produto do latifúndio mexicano. As grandes haciendas perfaziam mais ou menos oito mil se encontravam nas mãos de uma aristocracia agrária de origem espanhola (os guachupines) não miscigenada, que perfazia menos de 3% das famílias mexicanas. Quer dizer, 3% da população detinham o controle das melhores terras do país. Numa escala intermediária vinham os ranchos, ocupados por pequenos proprietários de origem mestiça, e, por fim, os ejidos; reminiscência dos tempos astecas que reunia a população indígena. 95% dos camponeses mexicanos eram despidos de qualquer tipo de propriedade.

Se o campo se encontrava nas mãos da aristocracia rural, as minas, o comércio, os bancos e as poucas indústrias eram concessões dadas ao capital estrangeiro, principalmente americano. Assim, o porfiriato era resultado político do pacto social entre os latifundiários e o capital estrangeiro, de resto pacto característico da América Latina em sua forma geral.

O Poder político: Este pacto social, que tem a sua cabeça política na figura de Porfírio Díaz, foi o avalista da "paz social" e interclassista que assegurava o domínio dos haciendados sobre a população camponesa. Díaz impôs a "pax porfirista" entre os inúmeros "caciques" agrários ao mesmo tempo que reprimia ferozmente a marginalidade social imposta pelo seu sistema.
Para evitar as rixas interclassistas, apoiava-se no Exército que cumulava de favores e sobre o qual exerceu até o fim o mais absoluto controle, o que lhe permitia realizar intervenções nas províncias quando necessário. Se o exército era o instrumento na luta contra os particularismos oligárquicos, a política rural ("los rurales") era a manifestação da autoridade central sobre a população camponesa e sobre o lumpesinato rural, autoridade que se manifestava apelando para a "lei fuga" que os autorizava a praticar execuções sumárias.

O Estado: Este Estado porfirista era administrado por uma burocracia civil-militar que se inspirava no positivismo europeu, os chamados "científicos" que acreditam poder regenciar a sociedade de maneira autoritária, de cima para baixo. Os "científicos" eram os cultores da ideologia do "Progresso", similar à dos nossos republicanos positivistas ("Ordem e Progresso") e que manifestavam uma feroz ojeriza ao povo. Enquanto o Estado era pois orientado por regras e instruções assentadas na "ciência", o povo era doutrinado pela conservadora Igreja Católica.

A Igreja: A Igreja mexicana sempre desempenhou um papel político importante na História do país. Não devemos esquecer que os dois primeiros combatentes pela independência mexicana, Hidalgo e Morelos eram padres. No entanto, esse poder foi afetado na chamada Era das Reformas (1854 - 76) quando a Igreja perdeu parte considerável do poder, principalmente pela adoção da política dos liberais que lhes confiscaram as terras. No entanto ela continuava tendo o monopólio da educação e da vida cultural de uma forma geral. Essa Igreja era extremamente orgulhosa de seu passado, e o alto clero considerava o seu papel fundamental na manutenção do império espanhol e o responsável principal pelo conformismo popular para com a dominação aristocrática.
A eclosão da revolução


Em 1908, Díaz deu uma entrevista dizendo-se cansado de exercer o poder insinuando a possibilidade da alternância no poder. Foi o que bastou para Francisco Madero, um rico fazendeiro nortista lançar-se como candidato sob a plataforma antireeleicionista (maio de 1909). A recepção a esta candidatura é enorme, empolgando Madero e seus seguidores. Foi o que bastou para os científicos pressionarem Díaz a seguir no poder. Madero e Roque Estarada foram aprisionados um pouco antes das eleições. Em junho, Díaz vence novamente para exercer mais um mandato. Tornou-se claro para os dissidentes mexicanos que Díaz só seria apeado do poder à força (algo como a nossa rev. de 1930). Posto em liberdade, Madero seguiu para os EUA onde começou a juntar forças para a insurreição. O contato com Pancho Villa tem sucesso e ele juntamente com Pascoal Orozco, tomam a cidade fronteiriça de Juarez.
Quinze dias depois, em 25 de maio de 1911, Díaz embarca para o exílio depois de maderistas e federais assinarem a paz. Madero entra triunfante na Cidade do México e é eleito Presidente em outubro de 1911.
A rebelião teve sucesso porque os federais foram obrigados a dividir suas forças. Enquanto Villa e Orozco rebelavam o norte, um camponês do estado sulista de Morellos iniciava a insurreição dos pueblos, Emiliano Zapata.
O choque entre Madero e Zapata

Aqui vamos encontrar a primeira desavença entre as forças revolucionárias. O conflito entre o liberalismo e as demandas sociais. Madero acreditava que os objetivos da revolução já tinham sido atingidos, pois o México passaria a contar com instituições democráticas que poderiam atender os desejos reformistas da sociedade, principalmente do camponês. Para tanto recomendava a desmobilização das forças revolucionárias. O mesmo não pensava Zapata que não acreditava na possibilidade de se fazer reforma agrária sem estar-se em posse de armas. Este atrito, somado à rebelião de Pascoal Orozco no Norte, colocou Madero na dependência da camarilha militar porfirista não depurada pela revolução. Basicamente na clique chefiada pelo gen. Huerta.

A deposição de Madero

Aproveitando a debilidade e insegurança do regime de Madero, a contra-revolução lançou-se ao golpe. O Gen. Felix Díaz pega em armas contra o governo. O contestável do regime Maderista, o gen. Huerta, depois de dez dias de combate na capital, entrou num acordo com o gen. Rebelado. Este acordo foi realizado na embaixada americana (Pacto da Embaixada) sob tutela do diplomata Henry Lane Wilson. Huerta formaria um novo governo, provisório, enquanto Díaz se desmobilizaria. Madero seria afastado do poder, (o que foi feito em 9 de fevereiro de 1913). Huerta aproveitou e ordenou o assassinato de Madero e seu vice, Pino Suarez (22 de fevereiro).
O governo de Huerta

Para a maior parte dos revolucionários, com exceção de Orozco, a restauração do porfirísmo pelo gen. Huerta era intolerável. O Governador nortista Carranza, não reconheceu o novo governo e deu início à mobilização contra Huerta. O mesmo fez Villa no Norte onde reativa a sua célebre "Divisão del Norte" e Zapata no sul com seus índios. Forma-se o exército constitucional que visa reestabelecer o maderismo, sob liderança de Venustiano Carranza (Pacto de Torreón).
Simultaneamente à revolução generalizada contra seu governo, Huerta ainda conhece a humilhação de uma ocupação americana do porto de Vera Cruz. Sem condições para resistir, Huerta renuncia em junho de 1914.
Constitucionalistas contra os camponeses

Novamente o confronto de Zapata e Madero se repete. Agora é Carranza que se vê em dificuldades em aceitar as propostas camponesas. Mesmo assim é obrigado a enviar à Convenção um decreto de reforma agrária.
Apesar do acordo entre Villa e Zapata (Pacto de Xoximilco) não conseguem coordenar uma ação em conjunto. Carranza reorganiza as forças militares e derrota Villa e Zapata, ao mesmo tempo que estabelece a pena de morte contra trabalhadores grevistas (1915/06).
O fim das lideranças camponesas

Depois de serem derrotados pelos federales sob o comando de Alvaro Obregón, vilistas e zapatistas entram em decomposição. Mal conseguiam manter suas lideranças em seu último reduto (Villa em Sonora e Zapata em Morellos).

Carranza procurou neutralizar essas poderosas lideranças, ordenando o assassinato de Zapata (que foi feito em Chinameca em 1919) e o acomodamento de Villa, que recebeu uma respeitável fazenda (sendo assassinado posteriormente, em 1923 provavelmente a mando de Calles).
Mas os constitucionais compreendem perfeitamente que não poderiam desconhecer a questão agrária que estava no fundo da luta revolucionária. Os latifúndios foram limitados e a terra começou a ser entregue às comunidades camponesas.
A classe operária

Se os camponeses tiveram um presença constante na Revolução, os operários quase que primaram pela ausência. A classe operária sem tradição de luta e numericamente esquálida, submetida a uma liderança arrivista, terminou seguindo os vitoriosos. A presença organizada teve seu início em 1912 com a fundação da COM (Casa del Obrero Mundial) que foi invadida por Huerta e perseguida por Carranza. Finalmente os trabalhadores se colocaram ao lado do duonvirado? (Obregón-Calles) que governará o país de 1920 até 1934. Tendo sido reconhecido seu direito de formar sindicatos (de fato atrelados ao Estado e ao Partido governista).
A constituição de 1917

Após a neutralização das lideranças camponesas e da oligarquia, Carranza encontrou as condições para a aprovação de uma nova constituição que se tornou o documento máximo da Revolução de 1910. Foi considerada como uma das mais modernas e liberais Cartas Magnas da América Latina. Interessa-nos particularmente os artigos 30, 27, 123 e 130 que no seu conjunto estabelecem:

o ensino laico, ao encargo do estado preservando-se ainda um setor privado
a expropriação de terras não cultivadas em favor dos ranchos e dos ejidos
fixava as relações entre Capital e Trabalho, como por exemplo, a jornada de 8 horas, regulamentação do trabalho do menor e da mulher, salários iguais para tarefas iguais, direito de greve, organização sindical, justiça do trabalho para arbitrar os conflitos entre o Capital e o Trabalho
restringiu o poder da Igreja. O casamento civil foi tornado obrigatório e o único válido
secularização do clero, transformando os padres em trabalhadores comuns
Esta constituição foi juridicamente uma obra de síntese entre a grande tradição liberal (separação da Igreja e do Estado, laicização do Estado) e a emergência do estado populista (o estado regulador dos conflitos ao mesmo tempo paternalista para com os assalariados).
A estabilização da revolução Obragón-Calles

Como assassinato de Carranza em 1920, o poder refluiu para dois caciques militares que haviam sido os bastiões do constitucionalismo, os generais Obregón e Calles. No período que se segue houve uma momentânea atomização do poder com a emergência de caudilhos militares provinciais. Em sua luta contra Villa e Zapata, Carranza foi obrigado a ceder poderes a chefes federais que atuavam com independência do poder central, apesar de formalmente se proclamarem fiéis à unidade e ao constitucionalismo. A oportunidade para reunificar o país e implantar a centralização revolucionária surgiu quando ocorreu a rebelião do caudilho militar De la Huerta. O fracasso da rebelião serviu de pretexto para que o duunvirato exterminasse fisicamente toda a alta hierarquia militar do exército mexicano (1923). Eliminou-se, assim, um foco de ambição e de instabilidade que as camarilhas militares tanto produzem na história da América Latina.

Os cristeros: Depois da sufocação do de la huertismo, Calles atacou de rijo a Igreja. Apesar das determinações de secularizar o clero e a educação, estas determinações de fato não estavam sendo obedecidas. Aproveitando-se de um incidente com o clero, Calles declarou guerra à Igreja. O conflito entre a Igreja e o Estado transformou-se num enfrentamento armado com a rebelião dos cristeros, fiéis defensores do clero católico que se estendeu por três anos (1926 - 9), até seu esmagamento pelas forças do Estado.
Os bastiões do novo regime

Sociedade: Emergiu com a revolução uma nova burguesia, que se apropriou das terras e que iniciou um processo de integração capitalista mais acelerado no país. A aristocracia fundiária havia sido ferida de morte.

Com esta burguesia, apoiando-a, sedimentou-se a classe média rural (em torno dos ranchos) e os índios proprietários dos ejidos (que chegam a 53% das terras).
Os trabalhadores, organizados em sindicatos atrelados ao partido e aos Estado formam com os outros setores um pacto social de longa duração (nova burguesia, classe média rural, comuneros e trabalhadores).

Politicamente: O poder central se estrutura graças ao controle que o partido da revolução (hoje, PRI) proporciona. O PRI controla os sindicatos patronais e trabalhistas, bem como o acesso aos cargos públicos. As eleições são uma manobra rotineira apenas para legitimar os acordos previamente estabelecidos pelos caciques do PRI. Este partido tem mostrado flexibilidade bastante para conviver tanto com a política reformista e nacionalista de Lázaro Candenas, como com a política reacionária de Alemán ou Vicente Lopes Mateo. Talvez é esta flexibilidade que explique a longa durabilidade deste regime, o mais estável da América Latina.

Fonte: http://www.algosobre.com.br/historia/revolucao-mexicana.html