25.9.09

Ao mar, armado


As compras bélicas atuais lembram os anos pré-guerra do início do século passado. Na época, longe dos submarinos nucleares, o Brasil investia pesado em modernos encouraçados a vapor.
Adriano Belisário

“Um vulto agigantado do colosso dos mares sulamericanos”, descreviam os jornais a mais recente compra da Marinha brasileira. O ano era 1910 e a arma de guerra da vez não eram submarinos nucleares, mas encouraçados britânicos que desembarcavam no país. Se a fissão de átomos e o pré-sal dão o combustível para a corrida bélica atual, no início do século passado eram os motores a vapor e a promessa de um espaço verde-amarelo entre as potências mundiais que alimentavam esta disputa.

Pesquisador da Universidade Federal de São Carlos, o historiador João Roberto Martins vê similaridades e contrastes entre os dois momentos. Hoje, a necessidade de proteger as riquezas supostamente redentoras do petróleo do pré-sal leva o Brasil à compra de tecnologia dos Estados Unidos e da França, como os caças aéreos e os submarinos nucleares,
que já foi tema de reportagem da Revista de História. Mas antigamente as tensões ficavam entre Alemanha

e Inglaterra, em prenúncio à I Guerra Mundial.

“Em visita à Alemanha, D. Pedro II visitou a casa da família Krupp, que era famosa por construir canhões e navios de guerra. Ao contrário de hoje, os fabricantes de armas tinham uma face e eram bem conhecidos. A Inglaterra desprezava os países pequenos e só começa a se preocupar com essa relação com a Alemanha a partir da visita de Hermes da Fonseca”, analisa João Roberto.

Em 1910, o presidente Hermes foi recebido com banquetes e festas pelo imperador, além de ter acesso livre aos equipamentos da marinha alemã, privilégio nunca antes concedido a uma autoridade estrangeira. Contudo, a compra de embarcações da Alemanha não se concretizou e os dois grandes monstros dos mares adquiridos pelo Brasil vieram da Inglaterra. Eram os encouraçados Minas Geraes e São Paulo, que causaram rebuliços dentro e fora do país. Ao contrário dos dias atuais, o Brasil comprava as armas "prontas", pois não tinha parque industrial ou conhecimento técnico para adquirir a tecnologia e fazer uso próprio, como hoje.

A compra dos dois encouraçados acirrou a corrida bélica em solo latino-americano, que tinham o Brasil, Chile e Argentina como principais potências. Em 1907, por conta das aspirações grandiosas da Marinha nacional, rumores sobre uma guerra entre Brasil e Argentina correram o mundo. “O Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Estanisláo Zeballos, chegou a prever a invasão do Rio de Janeiro, caso o Brasil não desistisse de seus planos. Ma
s ele foi tirado do governo logo que sua intenção veio à público, era algo lunático”, comenta João, que prepara um livro sobre a situação das forças armadas no início do século passado.

A guerra com os argentinos não chegou às vias de fato, mas outras disputas agitaram o Minas Geraes. Foi ele o palco da Revolta da Chibata, motim de marinheiros contra as péssimas condições de trabalho do navio. “Era um contraste muito grande entre uma tecnologia industrial avançada e a sociedade brasileira. A Revolta da Chibata também pode ser explicada através desta diferença entre uma indústria e uma disciplina moderna do encouraçado e a realidade agrária do país”, explica o historiador.

Na opinião de João Roberto, o Brasil fez mal ao optar pela compra dos encouraçados não só por ter provocado as tensões regionais, mas principalmente por ter deixado de desenvolver a Marinha de um modo menos megalomaníaco. E hoje? “Existe uma preocupação sobre o Brasil conseguir bancar os submarinos nucleares sem atrasar outros setores. Se prejudicarmos a capacidade da Marinha de se modernizar de forma equilibrada, isso pode ser uma má aposta. Mas não temos condições de saber no momento. Tudo depende do Brasil manter o nível de crescimento que tem”, pondera.

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