por Raquel dos Santos Funari Sobre a autora [1] O ensino de História no Brasil, nas três últimas décadas, passou por uma série de mudanças, visando, em especial, preocupações com abordagens e estratégias para a educação básica. A retomada de estudiosos preocupados com a estruturação do currículo buscou, principalmente e entre outros aspectos, reunir professores das mais diversas instâncias – rede pública, escola privada, docentes das universidades – com a tarefa de organizar propostas para o estágio supervisionado. Como uma das professoras de História do CEFAM – Centro de Aperfeiçoamento do Magistério, Unidade Butantã, São Paulo, SP –, no início dos anos 1990, a grande preocupação do corpo docente foi buscar textos de autores especialistas para organizarmos propostas e conseguirmos preparar nossas alunas para o estágio nas séries do ensino fundamental I. Os desafios com o qual nos deparamos eram imensos. Nossos alunos, a partir do terceiro ano do curso de magistério, assumiam atividades ligadas à disciplina História, área em que organizariam atividades de sondagem e projetos de pesquisa para a sala de aula. Tendo como eixo gerador o tema da cidade de São Paulo, participei dos grupos de trabalho voltados para o que seria a atual segunda série[2] do ensino fundamental I. A necessidade constante de nos organizarmos para atendermos a demanda de alunos estagiários foi uma experiência muito marcante em minha trajetória de sala de aula. A faixa etária com a qual desenvolvíamos projetos, a segunda série, em sua maioria, estava finalizando o processo de alfabetização, o que nos levou a buscarmos, também, a área de Língua Portuguesa, para entendermos, em especial, os desafios da produção escrita e do conhecimento deste grupo. Os estudos do meio, realizados por alunos e professores do CEFAM-Butantã, foram etapas importantes para que eles pudessem aliar a leitura e a organização, passo a passo, do trabalho em sala de aula. Assim, conhecer o Centro Velho da cidade de São Paulo, as histórias dos Rios Tietê e Pinheiros, o Museu Paulista (mais conhecido como Museu do Ipiranga), visitas a exposições como Rodin, o acervo de diferentes museus, foram todos fundamentais para acompanharmos os novos saberes que nossos alunos levariam para os espaços em que estariam exercendo atividades de estágio. A partir da organização destes projetos e do acompanhamento de atividades preparadas por nossos alunos, foi possível percebermos e para mim, em particular, notar a relevância dos projetos para o estágio supervisionado. As discussões a partir das propostas de trabalho realizadas nas salas de aula por nossos alunos foram fundamentais para organizarmos as etapas do estágio. Eram estes momentos que nos davam fôlego para avaliarmos nossos acertos e discutirmos nossos tropeços. Aos poucos, fomos percebendo a importância do papel de darmos aos alunos do ensino fundamental, possibilidades de participarem ativamente da construção dos saberes escolares, enquanto práticas de suas vivências cotidianas: brincadeiras e histórias dos nomes, dialogar por meio das diferenças entre famílias, as cantigas de roda, as histórias dos bairros e da escola. Para isso, retomamos a História oral, a importância da preservação da cultura material e imaterial e o papel de cada aluna/o da segunda série do ensino fundamental para a construção de sua História de vida, lembrando sempre a importância de partirmos do próximo para o remoto. A busca constante de autores como Selma Garrido, Circe Bittencourt, Kátia Abud, Marcos Silva, entre outros, foram fundamentais para aliarmos a organização de nossos planejamentos curriculares e de novas propostas para alicerçarmos as propostas de estágio do CEFAM-Butantã. Para isso, contamos também com o acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), em especial nas áreas indígena e de História da África, nos davam instrumentos, além de outros acervos ligados aos japoneses, portugueses, italianos, para as descobertas das origens das famílias dos alunos, de modo a enriquecer as atividades preparadas para as aulas organizadas pelos alunos. Vale ressaltar, aqui, a importância das parcerias com escolas municipais, que abriam as portas para que os alunos do CEFAM-Butantã pudessem cumprir a carga horária do estágio em suas diferentes etapas: observação, aplicação de projetos, organização com os professores de sala de aula de atividades que possibilitassem aos nossos alunos uma percepção das atividades docentes e pudessem descobrir, parafraseando o educador Paulo Freire, a magia da arte de educar. A socialização de trabalhos sobre a origem das famílias foi um passo importante na urgência de resgatarmos lendas, cantigas, comidas típicas e o vocabulário de cada grupo familiar. Neste momento, a partir de experiências, leituras e estudos de nossos alunos, foi possível organizarmos dicionários temáticos ilustrados pelas crianças com elementos culturais relativos às origens destes grupos. O fórum de discussão organizado semanalmente sobre as atividades de estágio supervisionado eram momentos de retomada e essenciais para que pudéssemos, durante todo o processo, organizar sondagens, tomadas de decisão, de modo a reorganizarmos as etapas de pesquisa e verificarmos o andamento dos projetos. Pude perceber, nestes momentos, a importância de participar de um grupo de professores, preocupados com a relação entre os saberes da universidade e a educação básica. Os horários semanais de reuniões pedagógicas foram essenciais para a busca de leituras sobre a História da cidade de São Paulo em suas múltiplas faces: imigrantes, migrantes. Cada um, à sua maneira, dá um toque especial à “Paulicéia Desvairada”. Em uma das reuniões organizamos um projeto de releitura do poema de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina. A emoção de cada um de nossos alunos de vivenciar o personagem Severino, em sua plenitude de amor e de dor, foi um dos momentos mais marcantes em minha parceria com o projeto de estágio supervisionado. Pude perceber a importância de um olhar sensível para a História e perceber, como nos mostra Roger Chartier, a necessidade de mudarmos o olhar e a perspectiva para termos um novo olhar. Foram ainda muitos os momentos em que paradas individuais ou coletivas foram necessárias para darmos continuidade às etapas de trabalho de estágio. Os relatos das vivências de cada aluno foram especiais e saborosos. Era ali que buscávamos a redefinição de papéis, estratégias de aprendizagem, somávamos os saberes, estabelecíamos diagnósticos para processarmos novas experiências e novos olhares para o ensino de História. A pesquisa sistemática de informações sobre a cidade de São Paulo, a partir de nomes como Tamanduateí, Pinheiros, Tietê, Butantã e a grande diversidade cultural e étnica me conduziram a uma busca de autores especialistas em São Paulo, que possibilitassem a minha curiosidade, buscar fontes – escritas, documentais, materiais, iconográficas – sobre temas os mais diversos que pudessem ser abordados na sala de aula. A partir destes caminhos, pude voltar a olhar para estratégias de aprendizagem que se adequassem à faixa etária da segunda série do fundamental I e publicar uma obra em co-autoria sobre Descobrir e Viver a Cidade de São Paulo, pela Editora Moderna. As trocas com os alunos do CEFAM-Butantã foram fundamentais para selecionar atividades pertinentes às habilidades de leitura e escrita, grande desafio do ensino fundamental I. Outro momento foi buscar estabelecer a relação entre o lúdico e o conhecimento a partir de jogos de percurso, palavras-cruzadas, decifrar cartas enigmáticas, redação de textos próprios, organizar sequências de acontecimentos, produzir a primeira página de um jornal, organizar legendas para imagens, dentre outras atividades importantes para a faixa etária. A participação de um grupo de trabalho direcionado para a organização do estágio supervisionado foi fundamental para a leitura e releitura de temáticas as mais diferenciadas para a organização de uma produção voltada para perceber a relação entre a universidade e o ensino fundamental – a partir da produção escrita em suas múltiplas dimensões, da percepção dos saberes voltados para a adequação do ensino de História à faixa etária que estamos trabalhando e das experiências múltiplas que nos inquietam e que possibilitam levar para o nosso grupo de alunos - sejam eles participantes do estágio supervisionado, sejam integrantes da classe que lecionávamos - estratégias diferenciadas sobre o ensino de História. A partir destas constatações, é relevante estarmos atentos ao segmento da educação básica para grupos de trabalho, laboratórios de estudos, seminários, conferências, vídeo-conferências, publicações e debates que possibilitem buscar estratégias claras, coesas e coerentes para que os alunos dos cursos superiores de História vejam a disciplina de História e o estágio supervisionado com toda a sua plenitude para as ações em sala de aula, buscando para esta disciplina “um novo olhar @ o estágio supervisionado”. Agradecimentos Este artigo foi escrito no dia 15/10/2008, das 10:00 às 14:00, como prova escrita, em concurso público na Unifesp e aqui está reproduzido a partir do rascunho. Não havia consulta e, portanto, não há notas ou referências. Agradeço aos colegas com os quais trabalho em projeto da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo: Monica Lungov, Paulo Celso Miceli, Diego Lopes Silva e Glaydson José da Silva. A responsabilidade pelas idéias é apenas da autora. [1] Licenciada em História, Mestre e Doutora em História pela Unicamp,raquelsfunari@uol.com.br, http://lattes.cnpq.br/5603150679714916. [2] Na nova terminologia da educação, segundo as normas federais, a segunda série seria o terceiro ano do ensino fundamental.