15.5.12

Cultura na Sociedade Ocidental Moderna



Observe as imagens presentes nos documentos 1 e 2. Você conseguiria descrever as pessoas que nelas estão representadas?
Quem são essas pessoas? O que elas estão reivindicando?
É comum ver esse tipo de imagem pela televisão ou vivenciá-la no seu dia-a-dia? Hoje, que imagem você colocaria junto a essas representadas abaixo?


Transformações do mundo moderno
As manifestações sociais estiveram presentes nas mais diversas sociedades e em vários contextos espaço-temporais. Estudaremos neste Folhas algumas das razões que levaram as pessoas a se manifestarem no decorrer dos séculos XVI a XVIII e conhecer os grupos sociais que delas participaram. Afinal, por que pessoas fazem contestações?
Historicamente, costuma-se definir a Idade Moderna como o período assinalado por dois importantes acontecimentos: a tomada da cidade de Constantinopla pelos turcos, em 1453, e a Revolução Francesa, em 1789. Durante os 336 anos que transcorreram entre essas duas datas, o mundo ocidental passou por transformações importantes, as quais levaram o conceito de modernidade a se projetar por toda a história contemporânea.
A idéia de modernidade começou a se afirmar na Europa a partir do século XVI, quando as grandes navegações, iniciadas no final do século XV, resultaram na Revolução Comercial, ocorrendo, dessa forma, a acumulação de capital – de início comandado pelos Estados através do mercantilismo – e contribuindo como importante alicerce para a futura Revolução Industrial ocorrida a partir de meados do século XVIII.

Antigo/moderno
O par antigo/moderno está ligado à história do Ocidente, embora possamos encontrar equivalentes para ele em outras civilizações e em outras historiografias. Durante o período pré-industrial, do século V ao XIX, marcou o ritmo de uma oposição cultural que, no fim da Idade Média e durante as Luzes, irrompeu na ribalta da cena intelectual. A oposição antigo/moderno, que emerge periodicamente nas controvérsias dos intelectuais europeus desde a Idade Média, não pode ser reduzida à oposição progressão / reação, pois se situa fundamentalmente em nível cultural. Os “antigos” são os defensores das tradições, enquanto os “modernos” se prenunciam pela inovação.
No caso especial da história, a oposição antigo/moderno introduz uma periodização, que é vista também no quadro do contraste entre concepções cíclicas e concepções lineares do tempo. Quando, no século V, o termo “moderno” aparece no baixo-latim, só tem o sentido de “recente”, que mantém por muito tempo ao longo da Idade Média; “antigo” pode significar “o que pertence ao passado” e à época em que a história a que o Ocidente, desde o século XVI, chama Antigüidade, ou seja, a época anterior ao triunfo do cristianismo no mundo greco-romano, da grande regressão demográfica, econômica e cultural da Alta Idade Média, marcada pela diminuição da escravatura e pela intensa ruralização.
Na metade do século XIX, transforma-se (o par antigo/moderno) com o aparecimento do conceito de “modernidade”, que constitui uma reação ambígua da cultura à agressão do mundo industrial. No fim do século XIX, a oposição antigo/moderno volta a encontrar-se no campo das artes, pois várias tendências se definiram como modern style (estilo moderno). No campo religioso, origina-se uma corrente modernista, condenada pela Igreja como heresia. No século XX, o ponto de vista dos “modernos” manifesta-se, acima de tudo, no campo da ideologia econômica, na construção da modernização, isto é, do desenvolvimento em oposição ao subdesenvolvimento e da aculturação, por imitação da cultura européia.
Generaliza-se no Ocidente, ao mesmo tempo que é introduzido em outros locais, principalmente no Terceiro Mundo, privilegiando a idéia de “modernização”, nascida do contato com o Ocidente.
Mas o par e seu jogo dialético são gerados por “moderno”, e a consciência da modernidade nasce do sentimento de ruptura com o passado. Será legítimo que o historiador reconheça como moderno o que as pessoas no passado não sentiram como tal?

França Antártica: uma experiência protestante ou uma experiência indígena na América portuguesa?
Os primeiros colonos franceses estiveram na América portuguesa inicialmente durante os anos de 1555 a 1560. Adeptos do credo calvinista (chamados na França de huguenotes), instalaram uma pequena colônia no litoral da baía do Rio (hoje, Baía de Guanabara no Rio de Janeiro), na ilha de Villegagnon, nome do chefe da comunidade francesa, Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571).
Esta comunidade ficou praticamente isolada porque, com a chegada os seus navios, os franceses transmitiram uma epidemia aos Tupinambá da costa, perdendo assim aliados tradicionais na luta contra a colonização portuguesa. Além disso, não houve adesão de Genebra – sede do calvinismo –, pois de lá só vieram, em 1557, catorze missionários à França Antártica, na América portuguesa, apesar do insistente apelo do fundador desta religião Jean Calvino (1509-1564) para que viessem mais.
Estes missionários genebrinos chocaram-se com o sincretismo religioso presente nos rituais religiosos dos franceses huguenotes; esses rituais quase não se diferenciavam dos da Igreja Católica. Havia, principalmente, divergências dogmáticas – que se referem a leis religiosas ou dogmas –, porque o calvinismo entendia que a eucaristia era uma instituição simbólica, ou seja, era um símbolo da comunhão entre os crentes; já os franceses da colônia acreditavam que a eucaristia continha realmente o corpo e o sangue de Cristo. Estas divergências geraram conflitos entre esses dois grupos, que levaram à expulsão dos catorze missionários para as florestas do Rio. Esta divisão acabou facilitando a expulsão dos franceses e dos genebrinos pelos portugueses e pelos indígenas da região.
Entretanto, o contato destes calvinistas genebrinos com a cultura indígena tupinambá causou uma nova forma de compreensão da diferença entre as crenças católicas e protestantes, que teve uma dimensão trágica nos séculos XVI e XVII, em toda a Europa Ocidental. Isto porque estes calvinistas, ao compreender o simbolismo dos rituais antropofágicos desta sociedade indígena – os humanos se alimentavam de outros humanos, sempre inimigos, para adquirir sua força vital –, vão aproximar este simbolismo e as prática desses rituais com os da eucaristia católica.
Principalmente a partir da obra do francês huguenote Jean de Léry (1536-1613), História de uma viagem à terra do Brasil, de 1578, onde o missionário descreve a cultura dos Tupinambá, os calvinistas, ao levarem esta aproximação simbólica para a Europa, fizeram uma provocação aos católicos, a qual ajudou a detonar o barril de pólvora religioso e político entre estes e os protestantes, já armado pelo conflito entre reforma protestante e contra-reforma católica e suas respectivas estruturas de poder, tais como a Inquisição.
Observe o que a historiografia relata sobre esta polêmica religiosa a partir do ponto de vista dos protestantes franceses:

Texto 4
Por meio dessa crítica da Eucaristia pelo canibalismo dos tupinambás, os calvinistas pretendem mostrar que a “heresia” católica da Eucaristia é dupla: em primeiro lugar, porque se baseia na perversão antropófaga; em seguida, porque inverte essa mesma antropofagia, fazendo dela uma operação regressiva de retorno ao cru.
Os tupinambás do Brasil irão servir-se mais uma vez muito mais tarde, na polêmica huguenote.
Quando, às vésperas da conclusão do edito de Nantes (1591), os protestantes inquietam-se com as exumações executadas um pouco em toda parte pelos católicos, esvaziando seus cemitérios de todo cadáver “herético”, eles não podem fazer menos do que invocar o exemplo dos “Toupinambauds” (tupinambás) e dos “Margajas” (margaiás), menos bárbaros em comparação. É assim que exprimem na primavera de 1597 as Plaintes des Eglises Reformeé de France [Queixas das Igrejas reformadas na França]: “Os margaiás, os tupinambás enchem suas entranhas da carne que eles mataram. [...] O tupinambá come apenas o margaiá, e o margaiá é guloso apenas do tupinambá; ainda assim, eles o fazem apenas para pagar na mesma moeda… Para fazê-lo, não violam túmulos de modo algum”. Vê-se, por esta referência ao ódio legendário dos “Toupinambaux” e dos “Margageats” (ou Marakaia), que Jean de Léry tornou-se, nessa data, uma espécie de “clássico do protestantismo”. Mais uma vez o católico é mais inumano que o canibal, que dá seu ventre por sepultura ao inimigo e faz sua carne a dele.
Novamente, essa barbárie católica vira do avesso, de alguma maneira, a barbárie exótica: em vez de digerir o intruso fibra por fibra, ela o expulsa violentamente, até arrancar da terra “uma carne apodrecida, fedorenta, um crânio pavoroso, ossos todos deslocados e carcomidos, cheios de horror”. De modo que o católico a uma só vez afirma a realidade da transubstanciação e desenterra o corpo morto do seu inimigo para lançá-los aos cães e aos lobos. Ele consome o sacrossanto cadáver de Cristo e vomita, quase literalmente, o do protestante, adicionando as infâmias em sentidos contrários.

Entretanto, você acredita que os indígenas do continente sul-americano, principalmente os do tronco lingüístico tupi-guarani, como eram os Tupinambá, concordavam com a visão que os cristãos tinham de sua religiosidade?
Os Guaranis do litoral ou do interior da América Latina possuíam crenças como a esperança da Terra Sem Males, e tinham o seu profeta: o karai. Era um profeta errante que pregava aos indígenas a necessidade da purificação e da preparação para a grande viagem que os levaria à Terra Sem Males, conforme indica o texto 5.

Texto 5
O discurso dos karai pode se resumir em uma constatação e uma promessa. Por um lado, afirmavam sem cessar o caráter intrinsecamente mal do mundo e, por outro lado, exprimiam a certeza de que era possível conquistar um mundo bom. O discurso profético dos karai não se apresentava aos indígenas como discurso doente, um delírio de demente, pois repercutia neles como a expressão de uma verdade. Doente não era o discurso dos profetas, mas sim o mundo do qual falavam, a sociedade em que viviam. O discurso dos karai, muito anterior à invasão branca cristã, não era resposta aos conquistadores, nem contraponto de mitos indígenas cristianizados, mas discurso autóctone referido à experiência da própria sociedade Guarani. Qual o mal, qual as doenças que os karai haviam percebido e sobre os quais alertavam os demais? Através do efeito conjugado de fatores demográficos (forte crescimento populacional), sociológicos (tendência em concentração em grandes aldeias, em vez da dispersão) e políticos (emergência de chefias poderosas), eclodia, nessa sociedade, a inovação mais mortal: a da divisão social, da desigualdade. Um mal-estar profundo, sinal de crise grave, agitava essas aldeias e foi desse mal que os karai tomaram consciência e, para reconhecê-lo e enunciá-lo, falaram na maldade do mundo, na feiúra da vida e no cansaço da terra. Havia concordância profunda entre os indígenas e o profeta que lhes dizia: é preciso mudar o mundo. Que remédio propunham os karai? Exortavam os indígenas a abandonar a terra má e dirigir-se à Terra Sem Males, lugar de repouso dos deuses, onde as flechas partem sozinhas à procura da caça, onde o milho cresce sem que ninguém cuide dele, território dos adivinhos, do qual toda alienação está ausente, território que foi, antes da destruição da primeira humanidade pelo dilúvio universal, o lugar comum aos humanos e aos divinos. A radicalidade da promessa não estava nela apenas, mas no fato de que com ela toda a norma e toda a regra eram abandonadas numa subversão da antiga ordem.

Revolução gloriosa e o triunfo da burguesia sob o absolutismo
Durante muitos séculos, as revoltas populares constituíram uma característica essencial da tradição inglesa. Porém, foi no século XVII que aconteceu a primeira revolução burguesa da civilização ocidental, a chamada Revolução Puritana (1640). No curso dessa guerra civil, havia duas forças: a do rei (Carlos I), formada em sua maioria pela antiga nobreza católica ou anglicana (cavaleiros) e a do parlamento, liderada por Oliver Cromwell (1599-1658), composta pela pequena e média nobreza, pela burguesia e boa parte da população ligada aos ofícios urbanos, esse grupo era conhecido por “cabeças redondas” (assim chamados porque usavam o cabelo curto).
No transcorrer dessa luta, surgiram no exército de Cromwell, setores mais radicais, como os “niveladores” (levellers), assim conhecidos pois pretendiam nivelar as distintas condições sociais e adotar o sufrágio (voto) universal.

Texto 6
Os niveladores não tinham força econômica e consistência ideológica suficientes para impor seu programa. Representavam os interesses dos artesões e jornaleiros urbanos e sua ideologia radical era tipicamente pequeno-burguesa e, como tal, contraditória. Queriam a democracia, os direitos políticos para todos os homens livres, mas sua concepção de homens livres não era universal. As mulheres, e todos aqueles que não fossem proprietários de seus meios de produção e de seu próprio corpo (assalariados domésticos, pobres, etc.) ficavam de fora de sua democracia.

Preso pelos “cabeças redondas”, o rei Carlos I foi julgado e decapitado em 1648. Formalmente, a monarquia tinha sido extinta. Cromwell esteve a frente do governo da Inglaterra de 1649 a 1658. O governo ditatorial de Cromwell praticamente coincidiu com o período republicano na Inglaterra (1649-1660).
Internamente, Cromwell esmagou a facção dos “niveladores”, os quais queriam transformar a república ditatorial em uma democracia.
Foi neste contexto que Cromwell proferiu esta frase: “Não há outro modo de se lidar com estes homens a não ser partindo-os em pedaços…
Se não forem partidos, eles nos partirão”.
A década de 1640, foi a pior no período dos conflitos civis na Inglaterra.
A catastrófica colheita de 1648, trouxe fome e desemprego generalizados.
Em 1649, os pobres de Londres estavam sendo abastecidos de trigo e carvão gratuitamente pelo Estado. A situação econômica e política foi explosiva nos primeiros meses de 1649.
Nesse mesmo ano, surgiu um grupo denominado diggers (“cavadores”), os levellers (“niveladores”) autênticos. O nome diggers vem do verbo “to dig”, que significa “cavar”. Ato praticado por um grupo de lavradores em 1648, os quais começaram a revolver a terra como um ato simbólico, ou seja, uma forma encontrada pelo grupo para demonstrar seu repúdio aos poderes da sociedade e do Estado. Uma das principais reinvidicações dos diggers era o direito de todas as pessoas viverem em terras comunais.
Liderados por Gerrard Winstanley (1609-1676), os diggers formaram uma verdadeira sociedade comunista baseada na propriedade comum da terra. Leia o documento 8, referente às idéias de Winstanley a respeito da propriedade da terra.

Documeto 8
Onde exista um povo… unido graças à propriedade coletiva dos meios de subsistência até formar uma só pessoa, será o seu país o mais poderoso do mundo; pois então ele defenderá o seu patrimônio como se fosse um único homem… Ao passo que a defesa da propriedade e do mundo todo em partidos é a causa de todas as guerras, carnificinas e pendências que vemos por toda parte… Mas, quando a terra tornar a ser um tesouro comum, assim como ela deve ser, então haverá de cessar essa inimizade entre todos os países e ninguém mais se atreverá a tentar dominar os outros, nem ousará matar o seu próximo, nem desejará possuir mais terras que o seu semelhante.

Embora derrotados, as idéias dos niveladores e dos cavadores continuaram vivas e, mais tarde, reapareceram outros movimentos, como a revolução Francesa (1789) e no movimento cartista do século XIX.
As tentativas de mudanças desses grupos – os “niveladores” e “cavadores” (levellers e diggers) –, formados em meio à gente simples do povo, buscaram impor as suas próprias soluções aos problemas de seu tempo.
Com a morte de Oliver Cromwel (1658), seu filho assumiu o poder.
Sem habilidades para governar, o trono passou para as mãos de Carlos II (1660-1685) e, mais tarde, para Jaime II (1685-1688). Os Stuarts retornaram ao poder. Era o início da Restauração, porém, isso não significou a volta da monarquia absolutista, nem tampouco do Antigo Regime.
Essa fase revolucionária foi encerrada pela Revolução Gloriosa (1688), originando as bases do sistema parlamentarista em vigor na Inglaterra contemporânea. O nome “Gloriosa” não significou as convulsões sociais presentes no movimento republicano anterior, nem tão pouco, o radicalismo comum nas revoltas dos levellers e diggers. Enfim, não houve derramamento de sangue, porém, uma de suas conseqüências foi o triunfo das classes burguesas.
Com a Restauração, o país voltou à situação jurídica existente em 1642, isto é, o Parlamento voltou a ser o soberano político da nação.
Dessa forma, o rei ficou privado de todos os instrumentos do poder absoluto. Jaime II foi afastado pela “Gloriosa revolução” de 1688. “Gloriosa” para as classes burguesas porque não houve derramamento de sangue nem desordens sociais, não houve “anarquia”, nem possibilidades de revivescências das exigências revolucionárias-democráticas… Pelo menos até a intensificação das revoltas dos trabalhadores a partir do final do século XVIII.

As novas idéias e as contestações dos trabalhadores

Se o Iluminismo contribuiu para o pensamento da sociedade moderna, a ciência e a tecnologia, por meio da Revolução Industrial, proporcionam ao mundo um novo modo de produção:
o capitalismo industrial.
A industrialização mecanizada foi um dos acontecimentos que fez parte desse conjunto de mudanças do mundo moderno. A partir da segunda metade do século XVIII, a Inglaterra, com suas máquinas, contribuiu para alterações radicais do mundo do trabalho.
Essa nova forma de organização do trabalho criou condições para o desenvolvimento da classe operária. A economia de mercado (capitalismo) ganhou novo impulso com a industrialização, ressaltando as diferenças sociais já existentes. Essas diferenças produziram a exclusão social, política e econômica dos trabalhadores da cidade e do campo.
A Europa, desde o século XIV, já vivia um enorme contraste entre o luxo dos palácios e a riqueza dos nobres e a pobreza formada pela miséria da maior parte da população, como os camponeses e os trabalhadores urbanos, os quais conviviam com uma multidão de mendigos, resultado das guerras, da fome (1315-1317) e das epidemias (1348-1350) que assolaram o continente e mataram grande parte dos europeus.
No século XIV, a classe burguesa já despontava em função de sua riqueza, proveniente do comércio com o Império Bizantino, com o Oriente e com os reinos árabes. Na virada dos séculos XV e XVI, os burgueses enriqueceram com o comércio promovido pela exploração das colônias da América. Entretanto, a riqueza de alguns necessariamente gerava a miséria da maioria.
A utopia (1516), obra escrita pelo pensador humanista inglês Thomas Morus (1478-1535), foi considerada uma das mais relevantes produções intelectuais da modernidade. Nela, o autor faz uma crítica a determinadas atitudes das classes dominantes, entre elas os chamados cercamentos (ocorridos na Inglaterra entre os séculos XVI e XVIII), determinados pela divisão das terras, pelos grandes proprietários nobres e burgueses. Estes proprietários aboliram rapidamente a propriedade comunal das terras e dos campos em geral, levando a expulsão dos camponeses ali instalados. Leia um fragmento da obra de Morus e entenda melhor o que foram os cercamentos na Inglaterra.

Documento 12
Um avarento faminto fecha, num cercado, milhares de jeiras; enquanto que honestos cultivadores são expulsos de suas casas, uns pela fraude, outros pela violência, os mais felizes por uma série de vexações e de questiúnculas que os forçam a vender suas propriedades. E essas famílias mais numerosas do que ricas (porque a agricultura tem necessidade de mais braços), emigram campos a fora, maridos e mulheres, viúvas e órfãos, pais e mães com seus filhinhos. Os infelizes abandonam, chorando, o teto que os viu nascer, o solo que os alimentou, e não encontram abrigo onde refugiar-se. Então vendem a baixo preço o que puderem carregar de seus trastes, mercadoria cujo valor é já bem insignificante.
Esgotados esses fracos recursos, o que lhes restam? O roubo, e depois, o enforcamento, segundo as regras.

Nas cidades européias não havia trabalho para todos e, com a chegada da industrialização mecanizada na Inglaterra, no século XVIII, a situação, que já era ruim para os trabalhadores, piorou ainda mais devido ao processo de substituição da mão-de-obra.
Em conseqüência dessa falta de trabalho, da miséria e da exploração, homens e mulheres do campo e da cidade iniciaram sua luta contra os responsáveis pela situação: as classes nobres e burguesas apoiadas pelo Estado. Camponeses, artesãos e operários deram origem aos movimentos sociais contemporâneos, tanto no campo como na cidade, onde reivindicavam seus direitos e melhores condições de vida.
Como exemplo, no final da década de 1780, durante a Revolução Francesa, os camponeses franceses se armaram e iniciaram uma grande revolta conhecida com o nome de “O Grande Medo”. Eles invadiram os castelos e queimaram os títulos de propriedade de terra. Durante a revolta, 72 castelos foram incendiados. O medo de perder suas terras levou os burgueses a se unirem aos nobres e a organizarem tropas armadas para repreenderem as invasões.
Na Inglaterra, os camponeses expropriados de suas terras pelos cercamentos encontraram dificuldades para se adaptar à nova vida.
Devido às dificuldades, muitos se transformaram em bandidos, salteadores, mendigos. O filósofo e pensador alemão Karl Marx (1818-1883), em sua obra O capital (1867), enfatiza que as leis criadas após as expropriações, proibindo a mendicância e a vagabundagem, foram essenciais no sentido de disciplinar essa massa e constituiu em importante elemento para a formação do proletariado. Leia um fragmento da obra O capital para que você compreenda este processo.

Documento 13
Movimentos sociais: tentativas coletivas de promover um interesse comum ou de assegurar uma meta comum por meio de uma ação fora da esfera das instituições estabelecidas.

Documento 14
Depois de serem violentamente expropriados e expulsos de suas terras e convertidos em vagabundos, encaixavam-se os antigos camponeses, através de leis grotescamente terroristas, na disciplina exigida pelo sistema de trabalho assalariado. Não é suficiente que as condições de trabalho cristalizem num dos pólos como capital e no pólo contrário como homens que não têm nada para vender além de sua força de trabalho. Não basta, tampouco, obrigar a estes a vender-se voluntariamente. No transcurso da produção capitalista, vai-se formando uma classe trabalhadora que, pela força da educação, da tradição, do costume, submete-se às exigências desde regime de produção como se fossem as mais lógicas leis naturais.

A classe operária inglesa passou a se opor à máquina, primeiro alvo de sua rebeldia, e, depois, à classe burguesa. Logo no início do movimento industrial, no século XVIII, os primeiros inventores foram perseguidos e suas máquinas destruídas. No século XIX, o número de revoltas aumentou, porém, essa forma de oposição também era isolada e limitada a certas localidades e, portanto, não reverteu a situação de miséria em que estavam vivendo e a máquina continuou a ser utilizada na indústria. Leia o que a historiografia relata sobre as origens do movimento operário inglês no texto 8.

Texto 8
Os operários, longe de serem os “filhos primogênitos da revolução industrial”, tiveram nascimento tardio. Muitas das suas idéias e formas de organização foram antecipadas por trabalhadores domésticos, como os que trabalhavam com a lã em Norwich e em regiões do oeste, ou os tecelões de aviamentos de Manchester. É indiscutível se os operários, exceto nos distritos algodoeiros, “formaram o núcleo do Movimento Trabalhista” antes do final da década de 1840 (e, em algumas cidades do norte e da região central, nos anos de 1823-1824, conduzindo às grandes dispensas coletivas). Em muitas cidades, o verdadeiro núcleo de onde o movimento trabalhista retirou suas idéias, organização e liderança eram constituídas por: sapateiros, tecelões, seleiros e fabricantes de arreios, livreiros, impressores, pedreiros e pequenos comerciantes. A vasta área da Londres radical, entre 1815 e 1850, não extraiu sua força das principais indústrias pesadas (a construção de navios tendia a declinar, e os mecânicos causariam impacto somente no final do século), mas das fileiras dos pequenos ofícios e ocupações.

Era necessário encontrar uma nova forma de oposição e essa nova forma veio através das associações. A princípio estas associações eram secretas. Só a partir de 1824, na Inglaterra, os operários conseguiram o direito de participarem legalmente dessas associações. Diante do caos que estavam passando e para atender suas próprias necessidades, como acidentes de trabalho, doenças ou mesmo o desemprego, os operários criaram as primeiras associações de auxílio mútuo, que funcionavam através de cotizações, ou seja, os trabalhadores fabris passaram a se reunir para contribuir com outro. Dessas associações, nasceram os sindicatos de trabalhadores, os quais reuniam operários de um mesmo ofício.
Por meio dos sindicatos, essas associações se fortaleceram e conquistaram melhorias trabalhistas. Mesmo com todas as dificuldades impostas pelos parlamentos de diversos países, os trabalhadores se organizaram em sindicatos e ganharam poder de luta na defesa de seus interesses. Para você compreender os elementos que possibilitaram a formação da consciência de classe dos operários ao longo do processo da industrialização, leia o texto 9.

Texto 9
O fato relevante do período entre 1790 e 1830 é a formação da “classe operária”. Isso é relevado, em primeiro lugar, no crescimento da consciência de classe: a consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores contra os interesses de outras classes.
E, em segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização política e industrial.
Por volta de 1832, havia instituições da classe operária solidamente fundadas e autoconscientes, sindicatos, sociedades de auxílio mútuo, movimentos religiosos e educativos, organizações políticas, períodicos, além das tradições intelectuais, dos padrões e da estrutura da sensibilidade da classe operária.

A sociedade operária, que surgiu com a industrial inglesa, em meados do século XVIII, alcançou seu pleno amadurecimento no século XIX. Segundo o historiador Eric J. Hobsbawm (1917- ), o movimento operário surgido na primeira metade do século XIX, foi uma resposta ao grito dos homens pobres que passaram a viver à margem da nova sociedade burguesa, industrializada e recém inaugurada a partir da Revolução industrial. Diante de uma realidade onde os antigos artesãos independentes agora haviam se tornado operários dependentes, esses homens buscavam alternativas para uma vida mais digna.