9.5.12

História da Cultura na Sociedade Medieval



O (pré)conceito de Idade Média
Buscar compreender as relações sociais do período denominado medieval (séculos V a XV) fará com que você se depare com uma relação de dominação na própria acepção da palavra. O termo Idade Média foi empregado primeiramente no século XVI, por homens que naquela época consideravam-se contemporâneos e queriam designar com desprezo o tempo entre eles e a Antiguidade Clássica.
Pelo domínio político, econômico e cultural que a religião cristã exerceu sobre o Ocidente e sobre parte do Oriente, no Império Bizantino, recorreu-se no século XVII e XVIII, à idéia de Idade Média como: “tempo de interrupção do progresso humano iniciado na antiguidade, tempo de barbárie, tempo de superstição e ignorância, tempo de estagnação, enfim, noite dos mil anos”.
O estilo do Romantismo, mais presente nas artes e na literatura do século XIX, criou um novo (pré)conceito para a Idade Média, radicalizando-a como período do surgimento das nacionalidades, portanto uma época a ser imitada. No século XX, estendendo-se para o início do século XXI, a historiografia procurou resgatar o conhecimento sobre a Idade Média, baseando-se na compreensão e não no julgamento dos fatos. Isso não significa que os historiadores contemporâneos tenham conhecido todas as relações e características sobre o período medieval, significa apenas que compreendeu-se não ser possível entender um período anterior a partir dos valores vividos no momento presente.
Este é o trabalho do historiador:

Texto 1
Ao examinar qualquer período do passado, o estudioso necessariamente trabalha com restos, com fragmentos – as fontes primárias, no jargão dos historiadores – desse passado, que portanto jamais poderá ser integralmente reconstituído. Ademais, o olhar que o historiador lança sobre o passado não pode deixar de ser um olhar influenciado pelo seu presente. Na célebre formulação de Lucien Febvre, feita em 1942, “a História é filha de seu tempo”, por isso cada época tem “sua Grécia, sua Idade Média e seu Renascimento”.

Sociedades Medievais: Uma reflexão sobre a sociedade feudal
Muitas sociedades desenvolveram-se no período medieval, tanto no Oriente, quanto no Ocidente. Entretanto, o modo pelo qual a História explicava esta questão, baseando-se numa visão eurocêntrica, fez com que os reinos bárbaros e as propriedades feudais do Ocidente europeu ou o Império Bizantino e Império Islâmico, no Oriente, entre os século V e XV, se tornassem as referências mais comuns.
Nas relações da sociedade feudal, que ocorreram em boa parte da Europa ocidental, percebe-se a desigualdade social medida pela posse ou exclusão da terra e, para compreendê-la, é preciso resgatar algumas idéias centrais sobre este sistema: o feudalismo.
O feudalismo tem suas origens na crise do Império Romano e nas estruturas políticas e econômicas dos reinos germânicos, especialmente dos francos. Atingiu seu apogeu entre os séculos IX e XII. Foi um sistema baseado nas relações de suserania e vassalagem, na posse dos feudos e na servidão. Tinha o poder político descentralizado. Sua sociedade era estamental, hierárquica e imobilista. Foi ideologicamente mantida pelo teocentrismo imposto pela Igreja Católica. Nesta sociedade os mais pobres davam seus bens, suas propriedades e até mesmo sua liberdade em troca da proteção e segurança de um senhor.
Observe esta explicação histórica sobre uma condição social da Idade Média, presente em sociedades feudais:

Algumas manifestações de dominação e resistência entre os camponeses
Os camponeses que trabalhavam nas propriedades feudais recebiam diversos nomes, conforme suas origens: podiam ser chamados de rústicos – em lembrança à designação romana de homem do campo; de vilãos – quando habitavam as vilas; de rendeiros e foreiros – quando eram homens livres e deviam uma parte fixa da sua produção ao senhor; ou simplesmente de pobres. Normalmente trabalhavam e viviam em propriedades que pertenciam aos nobres ou à Igreja Católica e estavam ligados aos seus senhores pelo compromisso da servidão.
Este compromisso obrigava o pagamento de impostos, taxas e serviços, além da obediência às ordens dos senhores. Os foreiros e rendeiros, por serem livres, tinham obrigações fixas, mas os servos, além destas obrigações, sujeitavam-se a muitas outras.

Texto 3
Você já estudou, em outros momentos, as diferenças entre servos e escravos. Para relembrar: servos eram trabalhadores dependentes. Recebiam do senhor lotes de terra, os mansos, de cujo cultivo dependia sua sobrevivência e em troca da qual realizavam o pagamento de determinadas taxas àquele senhor. Trabalhavam em lugares e tarefas indicados pelo senhor, sem nenhum tipo de remuneração. Tinham a posse vitalícia e hereditária de seus mansos e a proteção militar proporcionada pelo senhor.
Os escravos existiam em pequena quantidade, nas sociedades feudais; eram mais comuns nas regiões mais próximas do Império Bizantino ou Império Islâmico; ao contrário de trabalhadores dependentes, eram propriedade dos senhores.

Entre as formas de domínio dos senhores sobre os camponeses, servos ou não, podem-se destacar algumas obrigações de trabalho que servem para ilustrar a exclusão e dependência a que estes camponeses estavam submetidos:
• derrubada de árvores, limpeza dos campos, plantio e colheita nas terras dos senhores (corvéia);
• conserto de estradas, pontes e represas;
• pagamento pelo uso dos moinhos, fornos, passagem por estradas e pontes das propriedades feudais;
• pagamentos de dotes de casamento para as filhas do senhor;
• indenização ao senhor pelo nascimento, morte ou casamento do servo;
• indenização ao senhor pelo adultério cometido pela esposa do servo;
• concessão ao senhor da esposa do servo na primeira noite do casal.

Estas obrigações são ilustrativas porque não foram comuns à toda sociedade feudal. Ocorreram em algumas regiões e em diferentes épocas no contexto da organização da sociedade feudal européia.
O domínio dos senhores sobre os camponeses aumentava a desigualdade social e, muitas vezes, estes não tinham o necessário para o sustento. Como citou um historiador contemporâneo, na obra Os pobres na Idade Média (MOLLAT, 1989), os miseráveis chegavam a fazer “pão de caroços de uva, flores de nogueira e raízes de samambaia, acompanhadas de relva comum dos campos”. Esta realidade suscitou diversas manifestações de protesto dos camponeses e, igualmente, diversas formas de repressão. Observe este documento, é um fragmento de um código de leis do século VII, das regiões feudais que compõem, atualmente, o norte da Itália:

Documento 2
Se, em alguma de nossas terras, os rústicos ousarem tramar rebelião e se levantarem as armas, lutando contra qualquer um, se porventura roubarem escravos ou animais deixados pelo senhor na casa de um servo seu, então o senhor prejudicado deverá ser indenizado. Se o senhor for ferido pelos revoltosos, que estes últimos paguem uma indenização pela sua presunção. E se algum dos rústicos for morto nenhuma indenização lhe será devida porque quem o matou o fez para defender o que possuía.

Muitas vezes, quanto maior a pressão da nobreza sobre os excluídos da terra, maiores as estratégias de resistência adotadas. Os camponeses faziam roubos nas terras do senhor, caçavam escondido nas florestas dos nobres, incendiavam colheitas, prestavam um mal trabalho nas corvéias, recusavam-se em entregar impostos em espécie, fugiam dos pagamentos e obrigações do compromisso de servidão.
Entre os séculos X a XIII, ocorreram muitas manifestações de resistência dos camponeses em diversas regiões da Europa Feudal.
Foram manifestações motivadas pelas péssimas colheitas e pelo medo da fome. Reivindicavam melhores condições sociais e respeito à identidade do camponês, pois este sempre fora inferiorizado e excluído pela nobreza.

No ano de 996, na Normandia, região do norte da França, ocorreu uma grande revolta dos camponeses contra os senhores.
Os camponeses viviam em situação de miséria: as colheitas eram insuficientes, os impostos, além de abusivos, eram pagos em espécie, as roças viviam ameaçadas ora pelas secas, ora pelas enchentes, as guerras e invasões eram constantes. Enfim, para diminuir a falta de alimentos, os camponeses ocuparam alguns rios e florestas, praticaram a caça e a pesca sem o consentimento dos senhores. Considerando isso uma invasão de terras, o duque Ricardo II (996-1026) enviou o conde Raoul com muitos cavaleiros para defender os interesses dos nobres e “cuidar” dos camponeses.

Entre estas muitas manifestações de resistência, pode-se destacar a revolta ocorrida na França, em 1358 – A Jacquerie.
Foi uma revolta de apenas alguns dias, mas unificou diversas regiões da França contra os abusos da nobreza, o pagamento dos impostos e a desigualdade social, especialmente em época de pobreza e miséria crescentes, motivadas pela fome e pelas epidemias que assolaram a Europa no século XIV.
Na Jacquerie, participavam camponeses, sobretudo servos que reivindicavam o fim das obrigações feudais, mas muitos burgueses, que também se sentiam excluídos diante do poder da nobreza e da Igreja Católica, juntaram-se aos jacques (assim eram chamados os camponeses revoltosos). O movimento tomou conotações revolucionárias porque
pretendia a tomada do poder. Milhares de pessoas foram mortas e o poder da nobreza foi reafirmado.
Para punir rebeldes que protestavam contra as determinações reais, foi construída, no reinado de Carlos V (1338-1380), entre 1369 e 1380, uma prisão: a Bastilha.
Na França, a Bastilha tornou-se um símbolo da repressão e foi dominada em 1789, na Revolução Francesa, como demonstração da queda do poder da nobreza e do clero.

Algumas manifestações de dominação e resistência nas cidades
Entre os séculos XIV e XV, a Europa feudal vivenciou uma grande crise ao acumular os problemas da miséria e da fome com as doenças que se tornavam epidemias, – por exemplo, a peste negra – e enfrentar problemas de disputas políticas – como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre França e Inglaterra. Para manter os privilégios do clero e da nobreza e arrecadar mais impostos, surgiram leis como o Estatuto dos Trabalhadores. Veja este fragmento da lei promulgada na Inglaterra em 1351, no reinado de Eduardo III.

Documento 6
Que cada homem e mulher do nosso reino de Inglaterra, de qualquer condição que seja, livre ou servo, apto de corpo e com menos de sessenta anos (a estimativa de vida era de 50 anos), que não viva do comércio nem exerça qualquer ofício, nem possua de próprio com que possa viver será obrigado a servir àquele que assim o convoca; e levará apenas o soldo, pagamento, remuneração ou salário que era costume serem dados nos locais onde era obrigado a servir no vigésimo ano do nosso reinado em Inglaterra. Se qualquer homem ou mulher, sendo assim convocado para servir, não o fizer, e isto for provado, será imediatamente preso.

Que reações de leis como essas provocaram na sociedade medieval?
Neste contexto, ocorreram muitas revoltas nas cidades, por meio de tumultos, saques e depredações com o objetivo de abolir impostos e obrigações feudais. Algumas revoltas eram revolucionárias porque pretendiam uma redistribuição do poder político. Entre elas, a Haerelle, na Normandia, em 1382, que contou com a participação dos artesãos, libertou presos políticos e queimou listas de cobrança de dívidas e impostos.
A Revolta dos Ciompi (os descalços), ocorrida na cidade-estado de Florença, na Itália, em 1378, agrupou artesãos e trabalhadores livres pobres (açougueiros, alfaiates, tintureiros, cortadores de lã, etc).
Juntos, estes grupos criaram um governo popular e corporações para representar os interesses de artesãos e trabalhadores pobres. Mas, as disputas internas pelo poder político enfraqueceram o movimento e a nobreza retomou o controle da sociedade, reprimindo violentamente os participantes da revolta.



Observe o documento 7. É um afresco pintado no século XIV, reproduzindo o ideal de governo da cidade italiana de Siena.



A resistência daqueles que viviam em condição de exploração e exclusão nas cidades medievais, porque não tinham acesso à moradia e alimentação adequadas, ou porque não pertenciam à nobreza, sobretudo os artesãos, pode ser compreendida também por meio das inúmeras paralisações que realizavam. Apesar de serem consideradas um ato criminoso, são muitos os registros de trabalhadores que cruzaram os braços em protesto às relações com os mestres das corporações de ofício. Em 1329, os curtidores de lã da cidade de Breslau, na Polônia, ficaram quase um ano em greve, reivindicando aumento de salário.

Um mapa da exclusão social na Idade Média
Não foram apenas as condições sociais de pobreza e miséria que excluíram pessoas e grupos na Idade Média. Além dos servos, camponeses e trabalhadores pobres, as mulheres, as crianças, os doentes, os imigrantes, os hereges e os judeus também compartilhavam da exclusão social.

Algumas reflexões sobre os doentes na Idade Média:
Havia um ditado popular na Idade Média: “depois da fome, a peste come”. O que demonstrava como as doenças poderiam provocar uma catástrofe social. Os pobres, pela alimentação e moradias precárias, eram as primeiras vítimas das doenças que, além de enfrentá-las, tornavamse também vítimas do abandono, da indiferença e da exclusão do convívio em sociedade.
As doenças que mais provocavam estas reações, entre outras, foram a peste negra e a hanseníase. Porém, qualquer doente, ferido ou portador de necessidades especiais, era considerado, nas sociedades européias da Idade Média, um pecador. Seu sofrimento era explicado como conseqüência da vontade de Deus para a remissão de seus pecados e como não podia conviver entre os sãos, era expulso para os arredores das cidades, em leprosários (locais onde eram segregados os portadores de doenças da pele, inclusive a hanseníase) ou hospitais (que funcionavam mais como estalagens). Mesmo quando resistiam à imposição de viver nos arredores e retornavam às cidades ou vilas, para esmolar, eram perseguidos por sinos ou tambores e apedrejados.

Chamava-se lepra a muitas doenças.
Toda erupção pustulenta, a escarlatina, por exemplo, qualquer afecção cutânea passava por lepra.
Ora, havia, com relação à lepra, um terror sagrado: os homens daquele tempo estavam persuadidos de que no corpo reflete-se a podridão da alma. O leproso era, só por sua aparência corporal, um pecador.
Desagradara a Deus e seu pecado purgava através dos poros. Todos acreditavam, também, que os leprosos eram devorados pelo ardor sexual. Era preciso isolar esses bodes.

Fonte:http://www.ahistoria.com.br