18.1.11

1968

O ano que não terminou
Por Claudio Recco

Introdução
O ano de 1968 ficou marcado na História. Vários movimentos sociais importantes ocorreram no Brasil e no mundo e foram destacados em 2008, quarenta anos depois. O ano que não terminou é o subtítulo do livro de Zuenir Ventura, uma expressão que se tornou marcante numa referência aos acontecimentos de 68, prova disso é a constante rememoração da data e de seus eventos. O mundo foi sacudido por diversas rebeliões, na Argentina, Chile, México, Costa Rica, Itália, Inglaterra, Estados Unidos e Tchecoslováquia, dentre outros países. Revoltas sociais e políticas em diversos países, associadas à revolta comportamental.
Nos anos 60 a juventude descobriu que era jovem, que podia realizar suas aspirações e não apenas se preparar para a “vida adulta”. Foi o momento em que os jovens tomaram consciência de seu papel na crítica aos modelos predominantes e nas possíveis mudanças, tanto no campo político, como social, comportamental, destacando-se principalmente o novo vestuário e as novas expressões musicais, como formas que caracterizam a mudança de comportamento, junto as críticas aos modelos políticos tradicionais. Se do ponto de vista comportamental há grande semelhança entre os jovens de diversos países, do ponto de vista político, cada país teve suas especificidades, destacando-se um avanço das posições políticas mais “ à esquerda” na maioria dos casos.

Brasil
No Brasil, o quarto ano de governo militar foi marcado pelo aumento dos movimentos de protesto. Muitos políticos tradicionais, líderes partidários e sindicais estavam presos ou exilados, ao mesmo tempo em que a tentativa de criar uma oposição moderada – Frente Ampla – fracassava.
Operários e estudantes foram os principais grupos que se chocaram com a ordem vigente.
Um dos momentos mais marcantes da história de 68 foi o assassinato do estudante Edson Luis pela polícia, quando participava de um protesto no Rio de Janeiro, no restaurante Calabouço. No dia seguinte, seu enterro foi acompanhado por mais de 50 mil pessoas, transformando-se na maior manifestação contra a ditadura militar.
A partir de maio, os estudantes realizam a ocupação de Universidades. A medicina em Belo Horizonte, a reitoria da USP, o prédio da PUC-SP e a UNB foram tomadas por universitários, ao mesmo tempo em que a reação do governo se dava pelo recrudescimento da repressão. As passeatas se multiplicavam pelo país, sempre seguidas da força miliatar.

Cem Mil
No dia 26 de junho de 1968, cerca de cem mil pessoas ocuparam as ruas do centro do Rio de Janeiro e realizaram o mais importante protesto contra a ditadura militar até então. A manifestação, iniciada a partir de um ato político na Cinelândia, pretendia cobrar uma postura do governo frente aos problemas estudantis e, ao mesmo tempo, refletia o descontentamento crescente com o governo; dela participaram também intelectuais, artistas, padres e grande número de mães de estudantes.
O movimento estudantil manifestava-se não apenas contra a ditadura, mas também contra a política educacional do governo, que revelava uma tendência à privatização. A política de privatização tinha dois sentidos: o estabelecimento do ensino pago (principalmente no nível superior) e o direcionamento da formação educacional dos jovens para o atendimento das necessidades econômicas das empresas capitalistas (mão de obra especializada). Essas expectativas correspondiam a forte influência norte-americana exercida através de técnicos da USAID que atuavam junto ao MEC por solicitação do governo brasileiro, gerando uma série de acordos que orientavam a política educacional brasileira.

Os outros
Mas quem formava a juventude rebelde? Quem participava dos movimentos eram jovens de classe média e de famílias pobres, mas ainda fora do mercado de trabalho. Os estudantes universitários que se organizavam e se manifestavam pertenciam essencialmente à classe média. Os estudantes mais elitizados ou não participaram diretamente ou o fizeram do “outro lado”, ou seja, para defender a ditadura, ou mesmo para defender a moral e os costumes tradicionais, rejeitados naquele momento. Diversas associações conservadores se organizaram e a que mais de destacou foi o CCC (Comando de caça aos comunistas), que promoveu o incêndio da sede da UNE em 1964 e o confronto com os estudantes da USP em 1968 na “Batalha da Maria Antonia” – o nome é uma referência a rua Maria Antonia, onde ficava a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP e a Universidade Mackenzie, está última reduto do CCC e que culminou com a morte de um estudante baleado na cabeça e diversos feridos. É verdade que não podemos considerar que todo estudante da USP estava vinculado a grupos de esquerda, assim como o mesmo vale para os estudantes do Mackenzie, sendo a minoria ligada ao CCC.
Nesse mesmo ano o CCC havia invadido o teatro Ruth Escobar, onde era encenada a peça Roda Viva de Chico Buarque de Holanda, agredindo atores e público e destruindo parte das instalações.

AI-5
No dia 2 de setembro o deputado federal Márcio Moreira Alves, do MDB do RJ, discursou na Câmara dos Deputados, contra a invasão policial da Universidade de Brasília e propôs que o povo boicotasse a comemoração do dia 7 de setembro, pedindo ainda para que as moças não dançarem com cadetes. A reação dos generais é de irritação, e eles pressionam a Câmara pela cassação do deputado. No dia 12 de dezembro a Câmara dos Deputados negou a licença para o governo processar o deputado Márcio Moreira Alves e no dia seguinte o general Costa e Silva, presidente do Brasil, mandou fechar o Congresso Nacional e decretou o AI-5 (Ato Institucional número 5), dando início ao período de maior centralização e violência da ditadura militar.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5) acentuou o caráter ditatorial do governo. O Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas estaduais foram colocados em recesso, e o presidente, à época o general Costa e Silva, passou a ter plenos poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto, julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras medidas autoritárias. Paralelamente, nos porões do regime, generalizava-se o uso da tortura, do assassinato e de outros desmandos. Tudo em nome da "segurança nacional".

A música
A música de 68 também foi peculiar. Ano do lançamento do movimento do Tropicalismo, uma nova vertente musical que não estava engajada politicamente, mas representava uma crítica ao conservadorismo e a situações impostas. Outro grande destaque na música foi o festival da TV Globo, quando a música “Pra não dizer que não falai das flores” (caminhando) de Geraldo Vandré, apesar da segunda colocação, ornou-se o símbolo da resistência e hino dos estudantes que lutavam contra a ditadura militar.

EUA
O ano de 68 foi marcante nos Estados Unidos. O avanço do movimento negro em todo o país deu a tônica das tensões sociais internas. O assassinato de Martin Luther King, líder da luta pelos direitos civis dos negros acirrou a crise e a radicalização. O grupo “panteras negras” divergia do pacifismo predominante até então e passou a ocupar maior espaço na sociedade, na luta dos negros. Os mais moderados defendiam que as escolas e universidades ensinassem a história dos negros americanos e de suas lutas políticas, enquanto os mais radicais defendiam uma espécie de nacionalismo negro, julgando que os negros deveriam tomar o poder através da força e controlar o Estado, estabelecendo um” poder negro”. Nessa onda de radicalismo, os defensores do Black power procuravam novas formas de manifestação artística e expressão própria na arte, a moda e até nos cortes de cabelo genuinamente africanos.
Crescia a resistência ao serviço militar e à Guerra do Vietnã. No mundo inteiro eram feitas manifestações nas universidades e nas ruas. Protestos durante a convenção do Partido Democrata em Chicago, se transformaram numa batalha entre jovens e policiais.

Vietnã
Um dos principais momentos da guerra ocorreu em 1968, quando tropas do norte e dos vietcongs desfecharam a Ofensiva do Tet, comandada pelo General Giap, alcançando Saigon (capital do sul) e outras cidades importantes, impondo importantes derrotas aos norte americanos. A ofensiva foi fundamental para que a opinião pública nos Estados Unidos começasse a mudar de opinião sobre a guerra, sentimento reforçado quando tropas dos Estados Unidos promovem o “Massacre de My Lay” e matam 567 homens, mulheres e crianças na aldeia vietnamita de Tuongan.

A Primavera de Praga
Foi na década de 60 que a crise da burocracia soviética produziu seus efeitos na Tchecoslováquia. Desde as denúncias dos crimes de Stálin por Nikita Kruschev, os velhos dirigentes dos Partidos Comunistas em diversos países eram questionados e derrubados. Em Praga, foi em 1967 que diversas manifestações de intelectuais passaram a exigir reformas políticas e sociais, ganhando rapidamente o apoio de estudantes e posteriormente de operários.
No inicio de 1968, reflexo das manifestações sociais, o Partido Comunista substitui os antigos dirigentes por uma nova geração, liderada por Alexander Dubcek, com um discurso liberal, que propunha reformar o país para o desenvolvimento do socialismo com liberdade, preservando, porém, os vínculos com a União Soviética. O aprofundamento da aliança de trabalhadores e estudantes fez com que o novo governo de Dubcek organizasse um plano de ação com importantes mudanças para um “socialismo de face mais humana”, que desagradava à burocracia soviética, responsável pela mobilização das tropas do Pacto de Varsóvia e pela invasão do país.
Em Praga, as ruas foram tomadas pelos jovens. As rádios foram usadas para organizar a resistência. Para desorientar os invasores, as placas das ruas eram destruídas ou trocadas. Nos muros, surgiam pichações como "Lênin, levante-se. Brejnev está louco!" ou "O Circo soviético está de novo em Praga". A prisão dos líderes do PC e a repressão determinaram o fim da “Primavera de Praga”.


França
O movimento estudantil organizou em um movimento contra as reformas do ensino superior, propostas pelo governo do General Charles De Gaulle – o grande herói da II Guerra Mundial. A ocupação da universidade de Nanterre deu inicio aos protestos que já se organizavam a mais de ano, porém foi a ocupação da Sorbonne e a reação policial e governamental que desencadearam o “maio de 68”.
A repressão policial aos estudantes, com mais de 600 presos, teve como efeito a ampliação do movimento, que extrapolou os muros das universidades e ganhou as ruas, que extrapolou o âmbito estudantil e arrebanho diferentes setores de trabalhadores. No dia 10 de maio a França viveu a maior manifestação de massas do pós guerra, com mais de 1 milhão de estudantes e trabalhadores nas ruas, que transforma o movimento numa grande contestação a política do governo De Gaulle.
A paralisação das atividades econômicas forçou o governo a uma atitude mais radical e a política adotada foi a de fortalecer o poder. A Assembléia Nacional foi fechada, líderes sindicais e estudantis foram presos e novas eleições legislativas convocadas que, realizadas no mês seguinte, deram a vitória a De Gaulle.
O movimento francês foi uma revolução política e, mesmo derrotado, abriu o caminho para um conjunto de mudanças sociais e culturais, além que garantir a ampliação de direitos a grupos até então discriminados, como as mulheres e os jovens. A manutenção das estruturas políticas tradicionais foram compensadas pela ampliação dos direitos e por uma mudança social revolucionária.

Frases do Maio de 68

“As armas da crítica passam pela crítica das armas."

”Antes de escrever, aprenda a pensar."

“Professores, vocês nos fazem envelhecer."

"A barricada fecha a rua, mas abre a via."

“A imaginação toma o poder."

“Eu participo. Tu participas. Ele participa. Nós participamos. Vós participais. Eles lucram."

“As paredes têm ouvidos. Seus ouvidos têm paredes."


Fonte:História Net