14.1.11

Biografia de Santo Agostinho

“Dai-me a castidade – mas não ainda”. Essa é uma das mais famosas confissões de Santo Agostinho. Mas não foi graças a ela e a sua vida pecaminosa que Agostinho de Hipona se tornou um dos mais importantes filósofos da história. Sua grande contribuição se deu ao fazer a fusão do cristianismo e do neoplatonismo. A partir daí o cristianismo ganhou uma sólida fundamentação intelectual ao vincular seus ensinamentos à tradição filosófica grega deSócrates, Platão e Aristóteles.

Nos primeiros séculos da era cristã, a disseminação do cristianismo acontecia distante das filosofias sérias. Até que Agostinho de Hipona tocado pelos elementos místicos do neoplatonismo desenvolvido na doutrina de Plotino o conciliou com o cristianismo de São Paulo e, no fim, com todos os ensinamentos bíblicos. Esse feito possibilitou que a filosofia mantivesse acesa sua chama, ainda que de forma bem fraca, durante toda a Idade Média, também conhecida como Idade das Trevas.


Se me engano, existo

A certeza de que eu existo, de que eu sei isto e de que estou feliz por isto acontece independentemente de qualquer fantasia ou contradição imaginária.
Com relação a essas verdades, não temo qualquer argumento apresentado pelos acadêmicos. Se eles dizem “e se você estiver errado?”, respondo “ainda que eu esteja errado, ainda assim existo”. O ser que não existe não pode se enganar. Por isso, se me engano, existo. Logo, se o fato de estar enganado prova que eu existo, como posso estar errado quando penso que existo, se meu erro confirma minha existência. Por isso, devo existir para que possa estar errado, logo, mesmo que esteja errado, não se pode negar que não o estou na minha certeza de que eu existo. Portanto, não estou errado ao saber que sei. Pois da mesma forma que sei que existo, também sei que sei. E quando me alegro com esses dois fatos, posso acrescentar com igual certeza essa alegria às coisas que eu sei. Pois não estou errado nessa alegria, porque não estou enganado quanto às coisas que amo. Ainda que essas coisas sejam ilusórias, ainda seria um fato eu amar as ilusões.
A cidade de Deus

Durante 1.400 anos, desde a morte de Aristóteles até o surgimento deTomás de Aquino, apenas Santo Agostinho conseguiu dar uma contribuição significativa à filosofia.

Santo Agostinho e suas confissões

Santo Agostinho
©iStockphoto.com / Steven Wynn Photography
Agostinho de Hipona nasceu em 354 na cidade de Tagasta, província romana da Numídia (atual região da Argélia). Patrício, seu pai, era um alcoólatra com perversões obsessivas e surtos de violência. Mônica, sua mãe, trocou o álcool pela salvação cristã e foi responsável por boa dose de opressão ao filho durante sua juventude.

Agostinho era um menino brilhante e seu pai, apesar de beberrão, havia guardado dinheiro suficiente para mandá-lo estudar em Cartago. Lá, ele viveu uma vida bastante depravada para um futuro santo. Frequentava bordéis, desenvolveu gosto pelo teatro e foi viver com uma mulher com quem teve “acidentalmente” um filho. Mas Agostinho não levava essa vida gratuitamente. Ele tentava se descobrir e encontrar as causas desse comportamento corrompido.

O jovem inquieto começou a se interessar pela filosofia, já que o cristianismo da mãe não lhe dava respostas satisfatórias. Ao voltar para casa, após quatro anos estudando e farreando em Cartago, além da amante e do filho, ele levava também a adesão ao maniqueísmo, seita cristã que acreditava que o mundo era o resultado do conflito entre o bem e o mal. Mas Agostinho não ficou muito tempo em sua terra natal e logo partiu para Roma. Começou a dar aulas e seu brilho intelectual logo o destacou. No ano seguinte já estava em Milão, que substituíra Roma como capital administrativa do Império Romano, trabalhando como professor de retórica.

Em sua estadia em Milão assistiu aos sermões de (Santo) Ambrósio, um dos expoentes intelectuais da cristandade. Ao ouvi-los, Agostinho descobriu que o cristianismo poderia ser abraçado por gente intelectualmente capaz e que a Bíblia tinha mais profundidade do que ele imaginava. Sua mãe o alcançou em Milão e tentou ajudá-lo em seu objetivo de obter “fama, dinheiro e casamento”. Para tanto, despachou sua amante de volta para a África e arrumou-lhe uma noiva. No entanto, ele teria de esperar dois anos para a desposar. Dois anos era muito tempo para ele e, nesse meio tempo, ele arrumou uma nova amante.

Em sua busca espiritual para solucionar o problema do mal, Agostinho descobriu a filosofia de Plotino, um filósofo nascido em Alexandria um século antes e que acreditava entender do platonismo mais do que o próprio Platão. Plotino fazia uma mistura das ideias de Platão com as de Pitágoras,Aristóteles e os estóicos. As epístolas de São Paulo levaram Agostinho a se aproximar cada vez mais do cristianismo, até que no ano de 387, ele e seu filho Adeodato são batizados por Ambrósio em Milão. Após a conversão dele ao cristianismo, sua mãe Mônica faleceu e, anos mais tarde, foi canonizada.

Após a morte da mãe, Agostinho voltou para a África junto com vários amigos devotos. Lá, levando uma vida monástica, ele iniciou seu trabalho filosófico de conciliar o neoplatonismo e o cristianismo de São Paulo. Mas Agostinho incluiu suas próprias ideias, muitas delas surpreendentes e que influenciariam séculos mais tarde a metafísica de Kant. Em pleno século 4 ele escreveu que o tempo é subjetivo e existe na mente humana como um aspecto de ver as coisas. Não podemos ver o mundo de outra forma, embora a realidade última não esteja sujeita ao tempo. Agostinho ainda afirmou que nada sabemos com precisão, a não ser que existimos e que pensamos, ideias que reapareceriam em Descartes, o fundador da filosofia moderna mais de um milênio à frente.

Em 396, Agostinho foi nomeado bispo de Hipona. Nessa época escreveu “Confissões”, obra em que relata as agonias sexuais de sua juventude e faz sua declaração de fé. Em “Confissões” já aparece os primeiros pensamentos de sua filosofia. Ele também escrevia violentos textos polêmicos contra várias seitas que faziam bastante sucesso no cristianismo, como o maniqueísmo, o donatismo e o pelagianismo. Suas campanhas ajudaram a fixar a ortodoxia cristã. Ele levou isso mais adiante ainda ao escrever “A cidade de Deus”, obra de teologia e filosofia que estabelece a primeira visão cristã da história. Os últimos anos de vida de Agostinho acompanharam o declínio do Império Romano. Ele morreu em 28 de agosto de 430, durante o cerco dos vândalos a Hipona. Logo após sua morte ele foi reconhecido como santo. Seus restos mortais foram trazidos pelo rei dos lombardos para Pavia, na Itália, e estão perto do altar-mor da igreja San Pietro in Ciel d’oro.

O que é o tempo?

Não houve tempo nenhum em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo.
Nenhum tempo Vos é coeterno porque Vós permaneceis imutável, e se os tempos assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é, pois o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá apreendê-lo, mesmo só como pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais frequente nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se quiser explicá-lo a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobrevivesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existia o tempo presente.
De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro – se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente e não passasse para o pretérito, já não seria tempo mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente só existe porque tende a não ser?
Confissões
Fonte: