20.1.11

Espada - em guarda!

Tão antiga quanto a guerra e a descoberta dos metais, a espada sempre ocupou um lugar especial na vida dos homens. De guerreiros a gladiadores, de samurais a mosqueteiros

por Tatiana Penido

Atenas, 16 de agosto de 2004. O francês Brice Guyart vence o italiano Salvatore Sanzo num duelo de floretes, aquela espada fininha e pontuda. Em outros tempos, Brice poderia ter se tornado um assassino e Salvatore estaria ferido ou morto. Dessa vez, no entanto, a glória do francês é a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos e o italiano sai apenas com o orgulho arranhado. As luzes coloridas dos placares eletrônicos, os equipamentos de proteção e os gritos da torcida nada lembravam a origem dessa luta. Na história, o duelo de espadas já serviu para resolver pendengas judiciais, disputas amorosas, injúrias familiares e até guerras entre nações.

Toda essa tradição começou com um dos desenvolvimentos tecnológicos mais importantes da história: a descoberta dos metais. Ao contrário de pedras e paus, primeiro cobre e depois bronze podiam ser moldados em diferentes formatos. Daí, para tomarem a forma pontiaguda das lanças e a afiada da espada foi um pulinho. “Os metais eram tão raros que eram utilizados quase integralmente para fabricar armas. As primeiras espadas apareceram mais ou menos ao mesmo tempo entre os sumérios da Mesopotâmia e os egípcios, em 4000 a.C.”, afirma o historiador britânico Colin Ronan, autor de História Ilustrada da Ciência, da Universidade de Cambridge. “A procura por minérios, pelos egípcios, foi a causa de diversas expedições guerreiras e da abertura de rotas comerciais.”

Por volta de 1500 a.C., a história da espada sofreu uma revolução e tanto, quando a exploração e o uso do ferro se tornaram regulares. Os hititas – que habitavam a região da Síria atual – foram os pioneiros na sua utilização. “Eles são citados pelos antigos historiadores gregos como o povo dominador das terras e da técnica de obtenção e fabricação de instrumentos de ferro. Nessa época, a espada hitita virou sinônimo de poderio militar”, diz Ronan.

Se o uso da espada na guerra é tão velho quanto a própria guerra, a tradição dos duelos com essa arma também remonta à Antiguidade. Segundo Júlio Gralha, historiador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, no mundo antigo duelos poderiam resolver guerras. “Generais e reis selecionavam seus campeões entre os melhores e mais fortes combatentes de cada exército e, às vezes, um duelo entre eles evitava que tropas entrassem em conflito, onde as perdas materiais e humanas seriam descontroladas”, diz Júlio. A célebre cena de A Ilíada, de Homero, na qual o guerreiro Aquiles luta como campeão de Agamenon, rei de Argos e líder dos gregos na guerra de Tróia, pode não ser tão fantasiosa assim.

Gladiadores e samurais

Roma, 46 a.C. Aqui, a antiga tradição de combate entre guerreiros campeões se tornou um espetáculo de luxúria e entretenimento. Segundo Richard Cohen, autor de By the Sword (“Pela Espada”, sem versão brasileira), as lutas entre gladiadores começaram em 264 a.C., como parte da celebração em funerais de vips da época. Além de jornalista, o britânico Cohen é ex-campeão olímpico de esgrima e, é claro, um apaixonado pelo assunto. “Escravos e prisioneiros de guerra lutavam em honra do morto e isso funcionava para distrair o povo, sempre inquieto com as alterações de poder. Com o tempo, os gladiadores passaram a ser treinados em escolas profissionais. Ali, entre as armas que aprendiam a manipular, havia mais de 20 tipos de espadas”, diz. A luta com elas era o ponto alto de cada apresentação, geralmente reservado para o final. E que final. Durante o governo de Júlio César, cada show podia ter combates de até 300 pares de gladiadores. Embora lutassem por suas vidas, os sobreviventes eram pagos a cada luta e muitas vezes alcançavam prestígio. No ano 107, o imperador Trajano, que governou entre 98 e 117 e ficou conhecido por proporcionar espetáculos onde cristãos eram devorados por leões ou esmagados por elefantes, reuniu 10 mil homens para duelarem-se.

Com o fim do Império Romano e a ascensão dos povos bárbaros, a espada ganhou novo valor simbólico. Os povos germânicos que invadiram Roma tinham suas próprias tradições e deixaram de herança as noções que determinariam o código de cavalaria da Idade Média. Nele, a espada tinha papel central: significava poder e majestade. Sua ponta não deveria nunca tocar o solo. Antes de uma luta, o guerreiro beijava sua arma, freqüentemente ornamentada com relíquias. Entre os vários povos daEuropa, como os celtas, a espada tinha um valor todo especial. Quando morriam, os reis celtas levavam sua espada para o túmulo. A devoção era tamanha que algumas espadas eram consideradas mágicas e ocupavam papel protagonista em lendas, como Excalibur, a espada invencível do rei Artur.

Grandes guerreiros deveriam ter grandes espadas também entre a sociedade japonesa. As lâminas mais antigas do Japão são do século 2 a.C., mas foi por volta do ano 800 que um modelo mais eficiente, com a inconfundível curvatura pronunciada, apareceu: a espada samurai. Seu refinamento passou de mão em mão com os samurais, líderes do Japão por quase 700 anos. Segundo Cohen, a lâmina japonesa atingiu tamanho grau de refinamento que para ser aprovada era rigidamente testada. “Por volta do ano 1000, as espadas eram testadas em corpos de condenados. O processo envolvia 16 formas de corte. Para ser aprovada, uma boa espada podia ser usada em até três corpos antes de perder o fio”. No Japão, sua eficácia como arma ganhou qualidades estéticas e importância religiosa. Ferreiros decoravam suas forjas com símbolos religiosos e vestiam roupas cerimoniais. Antes de começar o trabalho, um artífice de espadas realizava rituais de purificação e orações. “Há relatos de espadas tão afiadas e resistentes que eram feitas de mais de 30 mil camadas dobradas e marteladas, tão finas como uma folha de papel!”

Após a restauração do imperador Meiji, em 1868, e a perda da posição privilegiada dos guerreiros samurais, as místicas espadas quase desapareceram. Depois da derrota japonesa na Segunda Guerra, foram proibidas pelos vitoriosos americanos como forma de enfraquecer o nacionalismo japonês. As melhores espadas, antigas heranças transferidas por gerações, foram destruídas ou tomadas como souvenir pelas tropas conquistadoras. Já em 1957, o kendô, um duelo com espadas de madeira baseado em técnicas samurais, voltou a ser praticado, e mantém-se vivo como uma das artes marciais mais populares no Japão.

Floretes e sabres de luz

A espada perdeu seu posto milenar de principal arma de guerra apenas no século 14, com a introdução da pólvora na Europa. Para Cohen, a arma de fogo tornou a vitória menos gloriosa, acabou com a luta homem a homem, a disputa de habilidade, raciocínio e capacidade atlética. Mas, se os duelos perderam em grande parte sua função militar, por outro lado ganharam o status de forma ideal para os nobres cavalheiros demonstrarem suas vaidades e paixões pessoais.

De fato, até 1547, uma boa luta de espadas era considerada um meio legítimo para resolver disputas judiciais por terras, dívidas ou mulheres. A Igreja, que na época dava palpite sobre tudo na vida cotidiana das pessoas, tinha seus argumentos para justificar que um cristão procurasse fatiar o outro. Afinal, segundo a Bíblia, o pequeno Davi venceu Golias inspirado por Deus. Assim, o duelo era até mais justo que o julgamento humano, já que Deus, em sua sabedoria e misericórdia, não permitiria que um inocente fosse ferido em combate.

A França do século 17 foi o cenário das aventuras de Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan, em Os Três Mosqueteiros. Escrito muito depois, em 1844, por Alexandre Dumas, o livro é uma elegia aos aspectos nobres do duelo de espadas, eternizando o estilo do romance “capa e espada”, em que, por motivos muitas vezes fúteis, nobres cavalheiros brigavam por sua honra ou pela de sua amada. “Encarar a possibilidade de despedir-se da vida era sinal de coragem e recusar-se a um duelo era uma hipótese inexistente”, diz Cohen. Apesar de os duelos do século 17 não serem tão glamourosos quanto Dumas contava, eram mortais. Entre 1589 e 1607, época em que o mais comum era bater-se contra inimigos religiosos, mais de 4 mil homens foram mortos em duelos na Inglaterra.

Os duelos estavam proibidos, mas não pararam de acontecer até o século 19. Na nascente república da Itália, por exemplo, ocorreram 1066 ferimentos graves e 50 fatais em lutas com espadas, entre 1879 e 1889, conforme publicou o jornal britânico Pall Mall Gazette em 1890. Hoje, as lutas com espadas ocorrem apenas nos ringues esportivos, mas gente como o jornalista Richard Cohen acredita que, em algum lugar do nosso inconsciente, ainda reside uma força que nos faz vibrar, seja vendo o brilho de uma lâmina de aço ou acompanhando o neon colorido de sabres de luz.

Clube da luta

O secular duelo deespadas teve jogadoresfamosos (e geniais)

William Shakespeare (1564-1616)

O dramaturgo inglês adorava incluir um duelo de espadas em suas peças. Ele próprio dava suas espadadas durante os ensaios. Como o público adorava as lutas encenadas e, às vezes, alguns espectadores acabavam juntando-se à ação, o uso de espadas foi banido dos teatros elisabetanos

René Descartes (1596-1650)

O filósofo francês foi um aplicado esgrimista quando jovem. Em 1621, enquanto visitava a cidade de Praga, sua habilidade foi útil contra um bando que tentou assaltá-lo a bordo do barco. Descartes chegou a escrever A Arte da Esgrima, tratado encontrado entre seus papéis após a sua morte

Voltaire (1694-1778)

Alvo de gozação pelo cavaleiro de Rohan-Chabot, membro de uma das principais famílias francesas, Voltaire preparou-se com afinco para desafiá-lo em um duelo. Acabou preso antes de colocar à prova seu treinamento, sendo levado para a Bastilha e então exilado em Londres, em maio de 1726

Goethe (1749-1832)

O escritor alemão treinou esgrima nos anos anteriores a sua mudança para Weimar. Achava que isso o tornaria mais atraente para as mulheres. Não evoluiu muito na espada, mas escreveu apaixonadamente sobre esgrima no clássico Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister

Sir Richard Burton (1821-1890)

O aventureiro britânico começou a aprender esgrima ainda criança. Desde a adolescência possuía várias espadas e demonstrava sua habilidade girando uma lâmina no ar, bem próxima do rosto de sua esposa Isabel Arundell. Escreveu O Livro da Espada, sobre o uso da arma desde a Pré-História

Fonte:Aventuras na História