É na Grécia que começa a "História da Educação" com sentido na nossa realidade educativa actual. De facto, são os Gregos quem, pela primeira vez, coloca a educação como problema. Já na literatura grega se vêm sinais de questionamento do conceito, seja na poesia, seja na tragédia ou na comédia. Mas é no século V a. C., com os Sofistas e depois com Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles que o conceito de educação alcança o estatuto de uma questão filosófica. É claro que os ideais educativos da paideia que vão ser desenvolvidos no século V a. C. se baseiam em práticas educativas muito anteriores. Como sublinha Werner Jaeger, grande estudioso da cultura grega, num célebre estudo justamente intitulado Paideia "Não se pode utilizar a história da palavra paideia como fio condutor para estudar a origem da educação grega, porque esta palavra só aparece no século V" (Jaeger, 1995: 25). Inicialmente, a palavra paideia (p a i d e i a), (de paidos - p a i d o s - criança) significava simplesmente "criação dos meninos". Mas, como veremos, este significado inicial da palavra está muito longe do elevado sentido que mais tarde adquiriu. Arete O conceito que originalmente exprime o ideal educativo grego é o de arete (arete). Originalmente formulado e explicitado nos poemas homéricos, a arete é aí entendida como um atributo próprio da nobreza, um conjunto de qualidades físicas, espirituais e morais tais como a bravura, a coragem, a força, a destreza, a eloquência, a capacidade de persuasão, numa palavra, a heroicidade. Kaloskagathia O alargamento do ideal educativo de arete surgiu nos fins da época arcaica, exprimindo-se então pela palavra kaloskagathia (kaloskagathia). Mais que honra e glória, pretende-se então alcançar a excelência física e moral. Os atributos que o homem deve procurar realizar são a beleza (kalos - kalos) e a bondade (kagatos - kagatos). Para alcançar este ideal é proposto um programa educativo que implica dois elementos fundamentais: a ginástica para o desenvolvimento do corpo, e a música (aliada à leitura e ao canto) para o desenvolvimento da alma. No fim da época arcaica, este programa educativo completava-se com a gramática. Paideia Mas, se até então o objectivo fundamental da educação era a formação do homem individual comokaloskagathos, a partir do século V a. C., exige-se algo mais da educação. Para além de formar o homem, a educação deve ainda formar o cidadão. A antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática deixa de ser suficiente. É então que o ideal educativo grego aparece como Paideia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. Platão define Paideia da seguinte forma "(...) a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento" (cit. in Jaeger, 1995: 147). Do significado original da palavra paideia como criação dos meninos, o conceito alarga-se para, no século IV. a.C., adquirir a forma cristalizada e definitiva com que foi consagrado como ideal educativo da Grécia clássica. Como diz Jaeger (1995), os gregos deram o nome de paidéia a "todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina, cultura." Daí que, para traduzir o termo Paideia "não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os Gregos entendiam por Paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez." (Jaeger, 1995: 1). Na sua abrangência, o conceito de paideia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, muito para além dos anos escolares. A Paideia, vem por isso a significar "cultura entendida no sentido perfectivo que a palavra tem hoje entre nós: o estado de um espírito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado todas as suas virtualidades, o do homem tornado verdadeiramente homem" (Marrou, 1966: 158). A educação antiga O Tesouro de Atenas A educação antiga não era um sistema desenvolvido nem rigidamente definido. Em geral, até aos sete anos, as crianças eram educadas no gineceu, na companhia da mãe e das outras mulheres da casa. Depois dessa idade, as raparigas continuavam em casa, onde aprendiam os trabalhos domésticos e música. Para os rapazes, entre os 7 e os 14 anos, embora não houvesse um programa obrigatório, o ideal era que fossem ocupadas na prática da Ginástica (gymnastiké) e da Música (mousiké). Para além dos professores de ginástica ou paidotribés (paidotribes) e dos de música ou kitharistés(kitharistes), no final do século V a.C. surge a figura dos grammatistés (grammatistes) para ensinar as crianças a escrever e a ler. Todos estes professores eram contratados directamente pela família o que faz com que a educação que cada criança recebia dependesse directamente da vontade e da capacidade financeira da família. Programa de estudos Nas palestras, os rapazes aprendiam a ler, a escrever, a contar e a recitar de cor os poemas antigos (principalmente Homero e Hesíodo), cuja tradição heróica encerrava um elevado conteúdo moral. Estudavam música, aprendendo a tocar pelo menos a lira e iniciavam-se nos exercícios atléticos. Os mais ricos tinham um escravo ao seu serviço - pedagogo - que os acompanhava e, certamente, os ajudava ou mesmo obrigava a repetir as lições. Um pedagogo acompanhando o seu pequeno discípulo à palestra Aproximadamente com 16 anos de idade, os rapazes ficavam livres dos cuidados do pedagogo e interrompiam os estudos literários e musicais. A educação da palestra era então substituída pela do ginásio. Aí continuavam a cultivar a harmonia do corpo e do espírito. Diariamente, depois da educação física, passeavam nos jardins do ginásio, dialogando com os mais velhos e com eles aprendendo a sabedoria e a arte de discutir as ideias. Depois dos 20 anos, o jovem tinha dois anos de preparação militar, finda a qual se tornava cidadão. O dia de uma criança grega Educação moral "Um dos principais fins da educação consiste em formar o coração da criança. Enquanto ela se faz, os pais, o preceptor, os parentes, os mestres fatigam-na com máximas habituais, cuja impressão tais educadores enfraquecem pelos próprios exemplos. Por vezes, as ameaças e os castigos afastam a criança das verdades que ela devia amar." (Barthélemy, s/d: 36). De facto, a educação moral do jovem grego resultava do contacto directo da criança com o pedagogo, do jovem com o ancião, do menino com o adulto. Todos os mestres se uniam para dar à criança exemplo de dignidade de gestos e de maneiras, de polidez e elegância na conduta, de respeito pelas leis da cidade e pelos mais velhos. Eles ofereciam-se como modelo vivos dos quais as crianças se deviam aproximar através da imitação consciente e inconsciente, favorecida pela convivência constante. Mesmo a ginástica e a música tinham fins morais A ginástica visava o domínio de si e a sujeição geral das paixões à razão. O objectivo era desenvolver qualidades como a paciência, a tolerância, a força, a coragem, a lealdade, a devoção e a consideração dos direitos dos outros. "Eles (os mestres de música) familiarizam as almas dos meninos com o ritmo e a harmonia, de modo a poderem crescer em gentileza, em graça e em harmonia, e a tornarem-se úteis em palavras e acções; porque a vida inteira do homem precisa de graça e de harmonia." (Platão, cit. in Monroe, 1979: 49). Entre os mestres que contribuem para a formação da infância, encontra-se o pedagogo (p a i d a g w g o s) Este é um simples escravo ou servo, encarregado de acompanhar a criança nos trajectos quotidianos entre a casa e as palestras. Muitas vezes, "escolhia-se para este cargo alguém que, devido à idade, a ser aleijado, ou a sofrer de outros defeitos, fosse incapaz para os serviços domésticos." (Monroe, 1979: 41). O pedagogo transportava a pequena bagagem de seu jovem amo e a lanterna que servia para iluminar o caminho. Por vezes até transportava a própria criança, se esta estivesse fatigada. Um jovem grego acompanhado à palestra pelo seu pedagogo. (Figura retirada da pintura de um vaso) De modesto servidor, o pedagogo vai progressivamente adquirindo outras funções, nomeadamente ao nível da responsabilidade moral e do cuidado geral sobre a criança. Na verdade, ao acompanhar a criança à palestra tornava-se necessário protegê-la contra os perigos da cidade. Porque passava com a criança grande parte do dia, o pedagogo exercia sobre o seu pupilo uma contínua vigilância. Não é pois de estranhar que, pouco a pouco, lhe fosse confiada a educação moral do seu pupilo. Quer isto dizer que, apesar do seu carácter servil e de pouco prestígio que muitas vezes lhe era atribuído, o pedagogo cuidava da educação moral da criança, das suas boas maneiras, do seu carácter. A pequena lanterna que o pedagogo transportava e que servia para iluminar o caminho acabou assim por adquirir o estatuto de uma metáfora. Esparta, cidade conservadora, aristocrática e guerreira, ocupa um lugar privilegiado na história da educação grega. Segundo Marrou, "a educação do cidadão espartano não é a de um cavalheiro, mas a de um soldado; insere-se numa atmosfera «política»(Marrou, 1966: 36). O objectivo era dar a cada indivíduo preparação física, coragem e hábitos de obediência total às leis da cidade de forma a torná-lo um soldado insuperável em bravura em que o indivíduo estivesse absorvido pelo cidadão. "a educação espartana, não terá mais por fim seleccionar heróis, mas formar uma cidade inteira de heróis – soldados prontos a devotarem a sua vida à pátria" (Marrou, 1966: 36). Não admira pois que o jovem espartano revelasse hábitos de obediência e uma compostura que os outros gregos possuíam em muito menor grau. Todavia, "conquanto os espartanos possuíssem um fino senso de humor e a sua vida activa não se ressentisse da falta de alguns prazeres naturais e simples, pouco havia no seu ideal da «vida bela e feliz» dos atenienses. Faltavam aos espartanos os sentimentos mais delicados e a sensibilidade dos atenienses para a harmonia na conduta e especialmente para as amenidades da vida, ou para o seu aspecto cultural" (Monroe, 1979: 34). Contudo, embora predominantemente física e moral, a educação espartana não ignorava as artes, em especial a música. Esta assegurava a ligação entre os aspectos físicos e intelectuais: através da dança, dá a mão à ginástica; pelo canto, veicula a poesia. Governada após Licurgo por uma assembleia democrática constituída por todos os homens livres e por um senado aristocrático, Esparta organizou um sistema geral de educação que era dirigido por um superintendente – o paidonomos. Depois de um duro treino até aos sete anos de idade, em que ficava entregue aos cuidados de sua mãe, o menino era retirado do lar e colocado sob os cuidados do paidonomos e dos seus diversos auxiliares que cuidavam do menino em "casernas" públicas, custeadas pelo Estado. "O jovem espartano é requisitado pelo Estado: até à morte pertence-lhe inteiramente" (Marrou,1966: 42). Dividiam-se os meninos em pequenos grupos sob a direcção de líderes escolhidos em grupos de meninos mais velhos. "Dos meninos de mais de 12 anos, os mais distintos de entre eles tornavam-se companheiros favoritos dos adultos; e os anciãos frequentavam constantemente seus lugares de exercício, observando as suas demonstrações de força e de saber, não de passagem e precipitadamente, mas como pais, guardas, governantes, de forma que em nenhuma ocasião ou lugar lhes faltavam pessoas para os instruir ou castigar" (Plutarco, cit. in Monroe, 1979: 35). Na verdade, a educação do menino era pública. Por esse motivo todo o espartano adulto era um professor, e todo o menino espartano tinha um tutor, escolhido sob o critério da estima mútua. O professor e o aluno não estavam unidos por nenhuma relação económica mas por laços de amizade e afecto. É assim que, mesmo fora das horas do treino regular, o menino recebia educação dos mais velhos sobre justiça, honra e patriotismo, espírito de sacrifício, domínio de si mesmo e honestidade. Na caserna, os meninos comiam em mesas comuns, ajudavam no fornecimento dos alimentos caçando os animais selvagens, participavam das danças, corais e cerimónias religiosas. O restante do seu tempo era despendido em exercícios de ginástica que constituíam o elemento principal de sua educação Entre os 18 e os 20 anos, o jovem ireno dedicava-se à instrução de meninos mais jovens e ao estudo sério das armas e das manobras militares sendo submetido a severos exames de 10 em 10 dias. Dos 20 aos 30 anos o treino tornava-se muito semelhante aos serviços da verdadeira guerra. Aos 30 anos o jovem tornava-se maior de idade, mas apenas para continuar com os seus serviços inteiramente devotados ao Estado e aos treinos militares necessários. Treinador de boxe O jovem espartano era treinado mediante formas de exercícios regulares: corrida, salto, lançamento do disco, arremesso do dardo, exercícios militares combinados com dança coral, mas principalmente, por meio da luta. A caça, ocupação das horas de folga, era também uma importante forma de exercício. Lançamento do Disco No que diz respeito à ginástica, e contrariamente aos outros gregos, os espartanos não possuíam ginásios e não colocavam, como finalidade importante da ginástica e o desenvolvimento físico harmonioso do atleta. O seu principal objectivo era a formação do soldado "destro, perspicaz, cauteloso, com autodomínio, sem medo, sem piedade, experimentado em todas as fadigas, obediente ao comando, respeitador da autoridade, capaz de agir em uníssono com seus companheiros, e tendo pela morte aquele desprezo que os atenienses consideravam uma insolência e uma impiedade" (Monroe, 1979: 37). No entanto, a preparação militar dava aos jovens espartanos uma elevada capacidade atlética. Assim se explicam as suas frequentes vitórias nos jogos pan-helénicos. A primeira grande vitória espartana conhecida é a da 15ª Olimpíada. Dos oitenta e um vencedores, quarenta e seis eram espartanos. Atleta nu a correr Segundo Tucídides, é aos espartanos que devem ser atribuídas duas inovações que serão depois adoptadas por todos os gregos: "a nudez completa do atleta (...) e o uso do óleo para embrocação" (cit. in Marrou, 1966: pag) Outra característica interessante da educação física espartana é o facto de ela não estar reservada aos homens. Na verdade, o atletismo feminino é ilustrado, a partir da primeira metade do século VI, por encantadoras estatuetas de raparigas em plena corrida, levantando com uma das mãos a barra da saia. Na verdade, em oposição a qualquer outro povo antigo, os espartanos davam às mulheres praticamente a mesma espécie de educação que aos homens. O seu fim era preparar mães de guerreiros. As raparigas eram alvo de uma formação na qual a música, a dança e o canto desempenham um papel menos importante que a ginástica e o desporto. Fonte: