10.9.09

A França e a batalha do Brasil

Durante mais de um século, entre 1500 a 1600, a coroa francesa entrou numa disputa com os tronos ibéricos pelo controle do Brasil. O rei Francisco I, rejeitando as determinações do Tratado de Tordesilhas, que dera o ultramar para Portugal e Espanha, estimulou os marinheiros do seu reino a desafiarem os lusos e os espanhóis no Atlântico Sul movendo uma batalha que se estendeu até a entrada do século XVII.

O fim da guerra


Mas gostaria de conhecer o povo daquela América, onde um povo anônimo e desconhecido pelos europeus vaga nu por todas as partes. Hábito que não tem nenhuma malícia, pois desconhecem tanto o vício como a virtude.

P.Ronsard – Ode contre Fortune ( 1559)


Um casamento de príncipes adolescentes, ambos com 14 anos ,Luis de Bourbon da França e Ana de Áustria, filha do rei da Espanha, ocorrido em 1615, pôs fim à Guerra de Cem Anos travada entre franceses e ibéricos em torno da posse do Brasil. A corte de Paris, certamente deixando-se levar pelas ponderações do cardeal Richelieu, que recentemente entrara no conselho real, na seqüência do tratado de Fountainebleau, assinado em 22 de agosto de 1612, acharam por bem ignorar as ambições dos comerciantes e armadores normandos e bretãos que incessantemente incursionavam sobre a costa brasileira.

O apelo de Razilly

Decidiram que uma paz com a Espanha teria mais valor do que os proventos retirados da extração do pau-brasil e do comércio miúdo que os marinheiros franceses tinham com os indígenas. Isto não evitou que Richelieu , o homem-forte da corte francesa, recebesse um apelo da parte do cavalheiro Isaac de Razilly para que a política de ocupação, pelo menos do Maranhão, fosse retomada.


Na correspondência enviada em 27 de novembro de 1626 ao Chefe do Conselho do Rei e Superintendente do Comércio da França, um detalhado memorando, reclamava da omissão das autoridades frente a sua obrigação cristã para com a catequese.


Os índios do Maranhão, com quem os franceses eventualmente continuavam a traficar, alegou de Razilly, desejavam ser convertidos ao cristianismo, mas não pelos portugueses ou pelos espanhóis. E o motivo é que os Tupinambás não desejavam continuar sendo perseguidos por eles na vida no Além. Apavorava-os a idéia de que suas pobres almas, depois da morte, continuassem sendo açoitadas pelos iberos.


Reclamou, por igual, da França nunca ter se empenhado a fundo em tomar de vez o Eldorado (a vasta extensão de terras que sai de São Luis no Maranhão e, marginando o a região Amazônica, atingia a costa do Peru). Jamais os colonos tiveram a sua disposição guarnições maiores do que trezentos homens e que quando estavam em apuros, como ocorreu com o cerco dos portugueses de Jerônimo de Albuquerque a São Luís, tomando-a em 1615, a metrópole os deixara na mão.

O fim da França Equinocial

A França Equinocial, fundada por Daniel de La Touche, Senhor de la Ravardière, um aventureiro vindo de Cancale, perto de Saint-Malô, na Bretanha, em setembro de 1612, não se sustentara por mais de três anos.


O curioso é que um português, o Padre Luis Figueira, num relatório que somente foi publicado em 1637 (
Memorial sobre as terras e gente do Maranhão Grão-Pará e rio Amazonas), quase que bateu sobre as mesma tecla: a falta de empenho da coroa ibérica em por fim à audácia francesa, indicando como solução a conversão em massa dos Tupinambás feita por missionários lusitanos (certamente isto explica a posterior presença de um homem do porte do padre Vieira em São Luis, em 1653, a fim de realizar o trabalho de conversão final) .


O cardeal Richelieu foi tocado pelo memorando de Razilly, autorizando em 1626 que colonos normandos fossem então enviados ao litoral da Guiana, o pequeno pedaço de terra da Amazônia que terminou ficando com a França, somente ocupado de fato com a expedição do capitão Bontemps desembarcada na embocadura do rio Caiena em 1638.

O querer ser francês

A batalha pelo Brasil definitivamente se encerrara. Começara com as sérias desavenças entre normandos e portugueses nos começos do século XVI, em torno dos negócios com o lenho das tintas, acentuando-se com a ocupação de baia da Guanabara pelo almirante Villegagnon ( o verdadeiro fundador do Rio de Janeiro), em 1555, e estendera-se, entre inúmeros outros enfrentamentos de menor monta, até a capitulação de São Luis, em 1615.


Desde então, nestes últimos séculos, a França somente se fez presente entre nós pelo imaginário. Os Inconfidentes queriam aplicar ‘O contrato social’ de Rousseau; Silveira Mendonça, o marquês de Sabará. impôs o ‘quarto poder’ de Benjamin Constant na Constituição de 1824; Castro Alves quis ser Victor Hugo enquanto Machado de Assis viu-se um Flaubert; a República de 1889 quis ser a França de 1789; Julio de Castilhos inspirou-se em Comte; o prefeito carioca Pereira Passos plagiou as reformas de Paris do barão de Haussmann; Oscar Niemayer era discípulo de Le Corbusier e Glauber Rocha seguiu a Nouvelle Vague. Sim, houve um tempo que todos queriam ser franceses no Brasil.



Bibliografia

Abbeville, Claude d´- História da missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas : em que se trata das singularidades admiráveis e dos costumes estranhos dos índios habitantes do país São Paulo : Livraria Martins, 1945.

Daher, Andrea – O Brasil Francês. Singularidades da França Equinocial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.


Léry, Jean de –
Viagem a Terra do Brasil. Belo Horizonte. Itatiaia, 1980.

Vasco, Mariz - De La Ravardière e a França Equinocial - Os Franceses no Maranhão ( 1612 - 1615 ). Rio de Janeiro: Topbooks,


Vasco, Mariz –
Villegagnon e a França Antártica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira

Fonte:Historia por Voltaire Schilling