9.9.09

O Mundo pós-Guerra Fria

O mundo que se constituiu no último decênio do século XX apresentou-se totalmente diferente das décadas anteriormente conhecidas. O Grande Cisma que separou a Terra em dois blocos ideológicos rivais cessou de existir em 1989 e a palavra globalização correu pelo planeta quase como um efeito mágico.

Pela primeira vez na história moderna um cenário político mostrou-se favorável à integração de boa parte da humanidade num sistema econômico,político e social em comum. Todavia se está ainda bem longe de entender a Era pós-Guerra Fria como um jardim florido crescendo em paz a sombra de um sol universal, generoso e igualitário.

Os Efeitos da Revolução Russa

Alemães durante a queda do Muro de Berlim em 1989
A Revolução Russa de 1917 provocou uma enorme cisão na história contemporânea, um abismo que separou por quase setenta anos o mundo em dois hemisférios hostis que quase o levaram a uma hecatombe nuclear. Parecia que desde aquela época um outro Tratado de Tordesilhas havia sido traçado separando o capitalismo do socialismo.

Primeiramente, a fim de evitar um possível contágio revolucionário, as Potências Ocidentais impuseram a então República dos Sovietes a política do "cordão sanitário"(expressão de Georges Clemenceau, presidente da França). Desde o Outubro Vermelho a Rússia revolucionária foi transformada numa nação de parias, numa casta de intocáveis ideológicos.

Durante os primeiros anos da década de 1920 nenhum país do concerto ocidental estava autorizado a estabelecer qualquer tipo de relação diplomática ou comercial com a URSS. Isolamento esse que fez a Rússia mergulhar numa política paranóica que conduziu à tirania stalinista e a uma industrialização forçada que esmagou os desejos de liberdade despertados em 1917.

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), derrotadas as forças do Nazi-fascismo e do Mikado japonês, foi à vez da URSS tomar a iniciativa de apartar-se.

Temerosa da nova coligação ocidental formalizada pela criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que desde 1948 englobava a maioria dos países da Europa Ocidental liderados pelos Estados Unidos, Stalin fez baixar sobre o território controlado pelo Exército Vermelho uma "Cortina de Ferro" (expressão usada por Winston Churchill, num discurso feito em Fulton, nos EUA, em 1946).

Deste modo, ampliou-se o perímetro do seu isolamento, incluindo-se nele, além da União Soviética, parte da Alemanha, as fronteiras da Tchecoslováquia e da Hungria.

A formação dos dois blocos, o Ocidental e o Soviético, depois da Segunda Guerra Mundial, provocou como conseqüência uma temerária corrida armamentista entre ambos, cada um deles com mortíferos arsenais atômicos, gerando gastos bélicos estimados em U$ 17 trilhões de dólares, entre 1948-1988. Parecia que o planeta terra havia se tornado as duas faces da lua, uma desconhecendo a outra.

O Fim da Corrida Atômica

Todavia, uma série de acordos acertados desde 1961 entre o presidente John Kennedy e o primeiro-ministro soviético Nikita Kruschev, conduziram aos grandes tratados antiatômicos dos anos oitenta assinados entre o presidente Ronald Reagan e o presidente da URSS Mikhail Gorbachov que puseram fim a Guerra Fria.

O regime comunista, debilitado internamente e sem recursos materiais para continuar na corrida armamentista e tecnológica, havia jogado a toalha no chão do ringue. Ainda assim calcula-se que existam entre 12 a 19 mil armas nucleares nos diversos arsenais espalhados pelo mundo(metade delas pertencente aos EUA)

Não só isso. Antecedido pela derrubada do Muro de Berlim, ocorrida em novembro de 1989 (linha de tijolos, cimento e arame farpado que separava a cidade de Berlim em duas áreas hostis), o até então tido como sólido Império Soviético, começou a se desmantelar. Em 1991, ele deixou de existir pulverizado em 16 países independentes, sendo que a República Federativa da Rússia continuou com sua posição proeminente dentro de um contexto de derrota ideológica e moral.

Paralelamente a isso, os países satélites, a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Tchecoslováquia e a Alemanha Oriental (oficialmente designada como República Democrática da Alemanha), viram-se livres da tutela militar soviética, exercida desde 1945, depois que poderosas manifestações de massa dominaram as capitais do Leste europeu.

As multidões saíram às ruas a favor da democracia e para por um término no monopólio político exercido pelo partido comunista.

O Colapso do Socialismo Real

O aquecimento global: novo inimigo da sociedade industrializada
Deste modo conseguiram sepultar no Leste europeu o regime dito do Socialismo Real (designação cunhada pelo secretário-geral do Partido Comunista da URSS Leonid Brejnev).

Façanha vitoriosa que foi possível em vista da retirada das tropas soviéticas do Afeganistão, onde estavam lutando contra os mujahideen, os guerreiros muçulmanos, desde 1980 (recuo esse que foi uma confissão pública do fracasso militar do Exército Vermelho).

O afrouxamento da tensão mundial, que já vinha se manifestando desde a segunda metade dos anos 70, acelerou-se ainda mais com o término da Guerra Fria. Situação que em larga parte deveu-se à adoção da política da Glasnost e da Perestroika, as reformas liberalizantes e democratizantes comandadas por Mikhail Gorbachov na União Soviética, a partir de 1986.

Com o colapso do sistema coletivista naufragaram as doutrinas vindas dos tempos de Karl Marx, morto em 1883, que apostavam na construção de sociedades igualitárias por meio de uma economia planificada e sob controle de um partido único.

No seu lugar difundiram-se a partir dos Estados Unidos as teorias da Escola Neoliberal a favor do mercado, inspiradas em economistas como Friedrich Hayek (A Estrada da Servidão, 1944), filósofos como Karl Popper (A Sociedade Aberta e seus Inimigos, 1945), e cientistas como Michael Polanyi (A Lógica da Liberdade, 1951) que se opunham à presença do estado na economia e nos mais diversos aspectos da vida em sociedade.


O Fim das Ditaduras

Desde então, encerrado o Grande Cisma ideológico entre Ocidente e Oriente, as ditaduras caíram como castelos de cartas (Anastácio Somoza, na Nicarágua, Erich Honecker, na Alemanha Oriental, Nicolau Ceausescu na Romênia,General Leopoldo Galtieri na Argentina, General Augusto Pinochet no Chile, General Haji Suharto na Indonésia, Ferdinando Marcos nas ilhas Filipinas, o General Mobutu Sese Seko no Zaire, e assim por diante).

Por igual, teve fim o Regime Militar no Brasil, em 1986, e a "Ditadura Perfeita" exercida pelo Partido Revolucionário Institucional no México, de 1929 a 2000. Regimes de exceção esses que antes eram apoiados por uma ou outra superpotência passaram a não ter mais razão de ser.

Naqueles decênios de 80 e 90 ocorreu a maior conversão à democracia em toda a história da humanidade. Desde a queda do Muro de Berlim uma onda de liberdade varreu o globo em todos os sentidos, fazendo com que a Casa da Liberdade (expressão de Timothy Garton Ash) saltasse dos 35 estados democráticos existentes em 1975 para 112 em pouco mais de vinte anos.

Todavia, além da débâcle soviética, o que causou maior repercussão internacional foi o abandono da economia coletivista por parte da China Comunista e sua adesão ao sistema capitalista. O líder dessa radical reorientação modernizadora foi o secretário-geral do Partido Comunista Deng Xiaoping que, a partir de 1980, determinou a fixação de cinco Zonas Especiais (nas cidades de Shenzhen, Zhuhai, Shantou, Xiamen e província de Hainan. Shenzhen), que passaram a acolher as grandes corporações capitalistas ocidentais.

Desde então a nação chinesa apresentou índices espantosos de desenvolvimento, integrando no universo do consumo mais de 350 milhões dos seus habitantes. Seguramente a economia do mundo inteiro sentiu fortemente os efeitos daquela ampliação do mercado.


Globalização

O desmantelamento da URSS e a capitulação da China Comunista promoveu a líder mundial à única superpotência que restou: os Estados Unidos da América, transformados numa hiperpotência desses Novos Tempos do pós-Guerra Fria.

O desaparecimento das fronteiras ideológicas e econômicas, com a subseqüente absorção das antigas potências comunistas pelo mercado internacional, promoveu Washington como a sede da hegemonia dos norte-americanos sobre o mundo inteiro.

O país que antes reinava sobre a metade do planeta, passou a comanda-lo quase que por inteiro, tanto assim que o dispêndio norte-americano para a guerra (armas convencionais, táticas e estratégicas), chegou a mais de 40% do que o restante dos países até então gastavam.

Abriam-se deste modo os caminhos para uma acelerada globalização econômica e cultural sob a égide do capitalismo anglo-saxão. Nunca como desde então os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, e a Austrália estiveram tão alinhados aos mesmos propósitos.

Um cenário inédito na história da humanidade então se formou num repente, nos quais os capitais e investimentos passaram a trafegar por todos os lados sem se arrepiarem frente a quaisquer barreiras. Uma rede de bolsas de valores interligadas estabeleceu um eficiente colar sobre o mundo negociando bilhões de dólares diariamente.

Estende-se de Nova York à Londres e à Frankfurt, indo até Tóquio no Japão e Xangai na China. Simultaneamente a isso, a essa liberdade universal dos capitais, a industria da informática assumiu a vanguarda das inovações, tendo como seu motor impulsionador o computador e a Internet.


O novo ordenamento econômico

Desaparecido o "ódio ideológico" que opunha o capitalismo ao comunismo, ou a democracia liberal à ditadura soviética, as nações espalhadas pelo globo trataram de compor-se segundo sua proximidade geográfica.

Os estados europeus apressaram os seus processo de unificação por meio da União Européia (hoje composta por 27 países). Os da América do Norte (EUA-Canadá-México), por sua vez, se acertaram pelo Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement) ou Nafta, enquanto que os do continente sul-americano associaram-se pelo Mercosul (Argentina-Brasil-Paraguai e Uruguai).

O mesmo ocorrendo com a formação da União Africana (com 53 membros), e assim por diante. Esta nova composição internacional na busca da formação de mercados mais amplos, liberou as energias nacionais para que uma integração universal mais eficaz e lucrativa tivesse início, crescendo por igual a interdependência entre os países de um modo geral.

As antigas bases de soberania absoluta exercida pelo Estado-Nacional como se conhecia desde os tempos da Paz de Westfália, de 1648, começaram a ruir, assim como as decisões políticas plenamente autônomas.

Nenhum governante dos dias de hoje pode tomar decisões sem levar em conta os estados que lhe são próximos e os interesses gerais da ordem mundial que hoje temem os efeitos da expansão industrial pelo planeta. Nunca as diferentes partes do mundo se pareceram tanto entre si como agora.


Resumo dos Novos Tempos

Geopolítica: o encerramento da Guerra Fria entre 1989 e 1991 alçou os EUA como a única hiperpotência, tendo como conseqüência a hegemonia do capitalismo norte-americano sobre todos os demais, ao tempo que dólar, ainda que tenha que rivalizar-se com o euro da União Européia, firmou-se como moeda internacional.

Ideologia: o colapso ideológico do Marxismo, que acompanhou o fim da União Soviética, e a paralisia da social-democracia européia daí decorrente, promoveu o Neoliberalismo como nova ideologia do capitalismo pós-Guerra Fria. Isso trouxe como conseqüência a repulsa à presença estatal na vida econômica, dando ensejo a uma generalizada política de privatizações das empresas públicas, adotada em larga parte do mundo.

Democracia: regimes democráticos sucederam as ditaduras em praticamente todos os continentes, fazendo com que pela primeira vez na história o número de regimes baseados no sufrágio universal e nos direitos do homem superassem as tiranias e os regimes de partido único.

Economia: o processo de Globalização Econômica, iniciado de fato com as Grandes Descobertas e Navegações do século XV, se acelerou ainda mais, promovendo um elevado patamar de bem estar social na maioria dos paises. Países vizinhos do mesmo continente passaram a conformar blocos econômicos: União Européia, Nafta, Mercosul, União Africana, etc.)

Internacionalização: ocorreu a ampliação da interdependência entre as nações e povos, acompanhada pelo enfraquecimento do Estado-Nacional e da política local, dando lugar a proeminência das instituições supranacionais (ONU, União Européia, Otan, OMC, FMI, etc.)

Cultura: a língua inglesa virou língua franca, difundindo-se ainda mais graças à nova linguagem da informática, ao tempo em que a cultura norte-americana (cinema, vídeos, música, moda, etc.) se expandiu ainda mais rapidamente pelo mundo. O computador ligado à Internet tornou-se o novo veiculo da globalização, permitindo comunicações intercontinentais entre empresas e entre indivíduos sem nenhuma intervenção do estado ou das autoridades.

Ecologia: as políticas ambientalistas passaram a rivalizar com as imposições do desenvolvimento econômico e social, questionando as medidas voltadas para a industrialização e consumo de massa. A Ecologia tornou-se uma espécie de religião universal de preservação da natureza, enquanto o "aquecimento global" , com seus possíveis desastres climáticos, é a nova preocupação das entidades preservacionistas.

Crise: o Oriente Médio (com as tradicionais desavenças entre o Estado de Israel e seus vizinhos árabes, atraindo os EUA e a União Européia como co-participantes dos litígios), se converteu num Novo Bálcãs, fonte permanente de instabilidade e de guerras, enquanto o Islamismo ocupa o lugar do comunismo como "novo inimigo do Ocidente", sendo que a luta contra o terrorismo serve como bandeira para a mobilização permanente dos Estados Unidos e seus aliados para intervirem no Oriente Médio e na Ásia Menor.

Fonte:História por Voltaire Schilling