Ciclos celestes demarcavam tempo do plantio e da colheita
Antonio Carlos Olivieri
Desde tempos pré-históricos, os astros do céu despertaram a atração dos seres humanos. A descoberta de que era possível se orientar por eles – tanto para o deslocamento quando para a agricultura – deu o impulso inicial à astronomia, que se desenvolveu e sofisticou até chegarmos a atual era dos satélites artificiais e telescópios como o Hubble. Muito antes disso, porém, o conhecimento das estrelas e dos movimentos celestes interessava ao homem primitivo no mundo inteiro, o que inclui, é claro, o território que hoje abriga nosso país.
“Como em todo lugar, os índios brasileiros também desenvolveram um conhecimento astronômico”, afirma o pesquisador Luiz Galdino, que recentemente lançou o livro “A astronomia indígena”, pela Editora Nova Alexandria. Galdino, 72, tem formação em Artes e se dedica ao estudo da Pré-História brasileira, em especial da arte rupestre pré-histórica de nosso país, há mais de 30 anos.
No decorrer de suas pesquisas, percebeu que “algumas pinturas e gravuras correspondiam a registros de observações celestes” e enveredou pela arqueoastronomia, que é, como ele explica, “a disciplina, que nos permite conhecer, hoje, os primórdios da astronomia, através da pesquisa arqueológica”. Sobre esse curioso tema, ele concedeu a seguinte entrevista ao UOL Educação.
Como se desenvolveu a astronomia entre os seres humanos pré-históricos?
“O primeiro passo do homem no interesse pelos céus e pelos astros decorreu da percepção de que os ciclos da natureza à sua volta correspondiam a ciclos celestes. Quando ainda estava na fase da caça e da coleta, o homem se apercebeu de que, embora a natureza à sua volta se renovasse constantemente, o céu sempre mostrava os mesmos elementos: estrelas e constelações de aparição cíclica. Com o advento da agricultura, a identificação desses ciclos se tornaria fundamental”.
Você pode dar um exemplo que ajude a compreender isso melhor?
Na Bahia, por exemplo, quando as Plêiades surgiam no firmamento, por volta de junho, os primitivos habitantes da região sabiam que logo viriam as chuvas e eles começariam a plantar. O desaparecimento dessas estrelas, ao contrário, coincidia com a estação da seca, quando tinha lugar a colheita. Desse modo, os povos dali podiam contar com um perfeito calendário que, em vez do sol ou da lua, tinha por base o movimento daquela constelação.
Para o leigo, à simples observação das imagens, as pinturas rupestres que compõem este álbum do UOL Educação podem não parecer necessariamente um material de caráter astronômico. Com base em quê se pode afirmar isso?
Nos casos de estrelas e constelações, basta sobrepor um mapa daquele segmento de céu sobre o desenho pintado ou gravado
na pedra e teremos a exata figura que corresponde a ela. Mas é principalmente através dos 'equipamentos' criados pelos indios,
os vários tipos de observatórios primitivos, destinados a demarcar o surgimento do sol nos solstícios, que o propósito astronômico se comprova.
Como funcionam esses observatórios?
“O tipo mais primitivo é aquele em que o Sol atravessa um furo ou janela abertos na parede de uma gruta, invade o interior de um recinto contíguo e vai iluminar um marco, figura pintada ou gravada intencionalmente no ponto que coincide com aquele atingido pelo primeiro sol de inverno ou de verão. Outro tipo bastante comum é composto de pilares de pedra levantados verticalmente no campo, a espaços regulares, compostos de três, seis, doze ou até mais pilares, de modo que fixando os olhos na altura do primeiro pilar, geralmente o mais alto, é possível acompanhar a subida do sol pela cumeada dos pilares, demarcando o momento em que ele nasce no primeiro dia do inverno.”
Há muitos observatórios como esses no Brasil?
Observatórios do primeiro tipo podem ser vistos no Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí; e na região dos municípios de Central e Xique-Xique, a noroeste da Chapada Diamantina, na Bahia. Os pilares, sempre feito de pedras toscas, mostram-se mais correntes no centro-oeste do Paraná e Santa Catarina. O célebre etnólogo alemão Curt Nimuendaju descobriu e estudou vários alinhamentos, inclusive círculos de pedra, de dimensões maiores, na década de 1920, no Amapá.
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