O jornalista Geneton Moraes Neto revela como Brizola fugiu do país, em 1964, e como, segundo um coronel da Aeronáutica, Tancredo Neves teria acobertado o assassinato do major Rubens Vaz, em 1954 No Brasil, como em outros países, os jornalistas funcionam como peça auxiliar dos historiadores. Na maioria das vezes, eles chegam primeiro aos fatos que os pesquisadores profissionais. Nem sempre, porém, são autores de sínteses mais compreensivas. São indicadores de caminhos. O jornalista Geneton Moraes Neto é um desses rompedores de fronteiras. Num dos melhores livros deste inquieto repórter, “Dossiê Brasil — As Histórias Por Trás da História Recente do País”, há uma espécie de manjar de histórias explosivas e inéditas. Desfaz mitos e enganos. Ao pesquisar nos arquivos ingleses (Public Record Office, em Londres) e americanos (Biblioteca do Congresso e Arquivo de Segurança Nacional, em Washington) e entrevistar gente importante, mas esquecida, Geneton faz da história uma coisa viva, quente. Com seu texto vibrante e preciso, o passado parece presente. Historiadores e jornalistas devem ficar com água na boca. Neste texto exploro algumas das histórias de Geneton. A primeira história não poderia deixar de ser sobre Juscelino Kubitschek, o nosso John Kennedy até na sigla do nome (JK) e na carinha limpa, sugerindo um presidente asséptico (em sentido literal e de honestidade). JK morreu em 22 de agosto de 1976, aos 73 anos, num acidente na Via Dutra. Acidente? Há várias teorias conspiratórias. Geneton não propõe mais uma. Mas expõe dúvidas com base em fatos. O jornalista americano Jack Anderson, 11 meses depois da morte de JK, “obteve um documento que cheirava à nitroglicerina pura: uma suposta carta endereçada, no dia 28 de agosto de 1975, pelo chefe da polícia secreta da ditadura do general Augusto Pinochet, ao general João Baptista Figueiredo, então chefe do SNI, o Serviço Nacional de Informações do governo militar brasileiro”. O texto de Jack Anderson, publicado no dia 8 de setembro de 1977: “Um comunicado confidencial, que pode lançar novas luzes sobre duas célebres mortes políticas, veio parar em nossas mãos. É uma correspondência fascinante, datada de 28 de agosto de 1975, em que os chefes dos serviços de informação do Chile e do Brasil discutem como lidar com dissidentes. A carta fala da preocupação que os dois compartilham sobre a possibilidade de o Partido Democrata ocupar a Casa Branca. O documento nota que os democratas estavam dando ‘contínuo apoio’ ao dissidente chileno Orlando Letelier e ao líder político brasileiro Juscelino Kubitschek. Ambos tiveram mortes violentas”. Anderson contou a Geneton que o documento foi-lhe passado pelos serviços de informação dos Estados Unidos. JK, um Homem Infeliz — A opinião cristalizada sobre Juscelino, ao menos entre a maior parte da população (a que ainda se lembra dele), é de que era um homem feliz e um político que sabia articular. (Quando não articulava ele mesmo, porque era meio preguiçoso para lidar com políticos chatos, como Brizola, colocava gente habilidosa para fazê-lo.) Mulherengo, cantava até as mulheres dos amigos (que, nas saunas, ficavam admirados de seus atributos físicos), charmoso e, quando necessário, autoritário, JK era o nosso Jack Kennedy com ginga. Tinha uma cara boa — era um “anjo” da política mas um realista total (um Fausto). Quando ria, franzindo o rosto, parecia, paradoxalmente, japonês. Enfim, ele era zen demais para nós tropiniquins. Era? Talvez fosse, até 1964. Depois, esse homem zen, habilidoso e delicado, morreu vivo e renasceu morto, absolutamente infeliz. Geneton entrevistou um de seus amigos, o médico Guilherme Romano, que detinha parte dos diários de JK. “Certa vez, li um trecho desse diário para Carlos Lacerda. Quando olhei, ele estava chorando.” A estocada: “Juscelino foi o homem mais infeliz que conheci no fim da vida. Um sofredor. Depois das diversas operações a que se submeteu, passou a ser um homem infeliz. Juscelino tinha um amor. E este amor deu-lhe uma infelicidade tremenda, porque ele não pôde concretizá-lo; não foi correspondido por alguém que deveria ter correspondido. Juscelino foi expulso de casa. Diz nos diários. Fala de coisas desagradáveis. Havia uma incompatibilidade tremenda entre ele e D. Sarah”. O amor de JK era a socialite Lúcia Pedroso. Juscelino morreu quando buscava o amor de Lúcia. Conta Romano: “Juscelino precisava vir para um determinado encontro. Não quis aceitar condução de ninguém. Porque havia quem oferecesse condução a ele. Em quem é que ele tinha confiança? Em Geraldo, o seu motorista. Então, ligou para Geraldo: ‘Venha me buscar de qualquer maneira!’ E Geraldo — de chinelos, num carro velho que Juscelino tinha dado a ele — saiu do Rio para buscá-lo em São Paulo. Veio com pneus carecas, o carro arrebentado. Juscelino veio sentado, fazendo os seus diários. Era um pouco irresponsável, neste particular. Recebera um telefonema do amor. Veio para o Rio de maneira mais irregular possível: com Geraldo, num carro velho, os pneus carecas, em alta velocidade. Tinha de morrer. Não havia jeito. Juscelino propiciou o desastre — esta é que é a verdade. Amava esta mulher, com quem pretendia ter um encontro”. Romano e Geneton não contam, mas sabe-se que Juscelino estava impotente sexualmente. Depois de ouvir Romano, Geneton escarafunchou os arquivos ingleses. A Embaixada da Inglaterra no Brasil produziu o seguinte relato, no dia 27 de maio de 1964: “A principal atividade política nos últimos dias foi centrada na candidatura do senador Kubitschek à Presidência, em 1965 (...) Depois de rumores de que ele iria desistir, o senador Kubitschek fez uma declaração dizendo que somente a morte ou um gesto de força iriam impedi-lo de ser presidente. O general Costa e Silva, ministro do Exército, que desponta mais e mais como o homem-forte do regime, disse que a declaração do senador Kubitschek parecia, a ele, ‘desafiadora e violenta, quase tanto quanto o discurso de Goulart às vésperas de ser deposto”. Juscelino Suicida — Quando JK foi cassado, o embaixador britânico, Leslie Fry, escreveu: “Todos encaram a ação do regime contra o Sr. Kubitschek como um equívoco. (...) O presidente Castello Branco ofereceu a cabeça do Sr. Kubitschek aos que o estavam pressionando — os militares extremistas que lideraram a revolução — em troca do fim das ações contra as figuras que eles gostariam de eliminar da política brasileira. Pode ter acontecido algo assim”. Em 1965, avaliando informações dos diplomatas franceses, a Embaixada britânica no Brasil conclui: “É francamente impossível acreditar que o presidente Castello Branco estivesse a favor da volta de Kubitschek. É igualmente certo que ele nunca foi a favor da reeleição de Kubitschek como ‘candidato do centro-progressista’. Kubitschek é a encarnação daquela corrupção e das práticas venais que Castello Branco vem tentando erradicar do Brasil. Castello Branco e Kubitschek pertencem a tendências políticas opostas. Há circunstâncias em que eles podem conviver, mas o ‘Grupo da Sorbonne’ (denominação dada aos militares identificados com o marechal Castello Branco) e os ‘Herdeiros de Vargas’ não têm o hábito de apoiar a volta dos adversários ao poder”. Sobre o Juscelino suicida, Geneton, ouvindo Josué Montello, que foi confidente do presidente, acrescenta novas informações. Conta Montello: “Durante algum tempo, levantou-se uma dúvida sobre a honestidade da aquisição do apartamento em que Juscelino morava, na Avenida Vieira Souto. O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal. Juscelino estava certo da transação. Ele é que me contou: quando a questão ia ser decidida, JK teve a notícia de que o ministro Thompson Flores, nomeado pelo presidente Costa e Silva, tinha pedido vistas do processo. Juscelino imaginou que o ministro lhe daria uma sentença contrária. Ficou, então, com o rádio ligado, à espera da decisão, enquanto segurava um revólver, decidido a matar-se, se a sentença não lhe fosse favorável, guardou o revólver, me telefonou e contou tudo”. Outra revelação de Montello: Juscelino votou em Castello Branco para presidente da República, no Congresso Nacional, inspirado pelo poeta e conselheiro Augusto Frederico Schmidt. Quanto JK foi cassado, Montello foi ao seu apartamento, onde encontrou Schmidt, que lhe disse: “Estou arrasado. Como se tivesse levado uma paulada na cabeça. Fui eu que fiz Juscelino votar em Castello Branco para presidente da República. Eu. Agora, esta miséria. Sinto-me responsável”. Sobre a disputa por uma vaga na Academia Brasileira de Letras, Geneton não acrescenta praticamente nenhuma novidade, a não ser a história de um voto, de última hora, que foi “trocado”. Ou seja, o imortal deveria votar, mas não votou em JK. Há a velha tentativa de diminuir a vitória de Bernardo Élis, atribuindo-a ao feiticeiro-general Golbery do Couto e Silva, mas sem que se apresente fundamentação. Josué Montello e Jorge Amado especulam. Só isso. Mas é óbvio que os militares preferiam JK fora da ABL. Uma vez, pelo menos, venceu o escritor. O texto de JK, sabe-se, era, antes da copidescagem de Montello ou de Carlos Heitor Cony, dos piores, um monte de frases feitas, na maioria sem sentido. Era uma choradeira de menino catarrento. JK era um homem do mundo, não era dado às letras. Tanto que passou a cultivar mais o espírito depois de velho. Mais jovem, pensava 24 horas em política e, mais, em mulheres. Era, nesse ponto, parecido com o baixinho Getúlio Vargas e o parrudo João Goulart, embora este fosse, politicamente, mais néscio que os outros dois. Presidente da República, Jânio convocou o governador do Amapá, Moura Cavalcanti, e disse: “Defenda os interesses nacionais acima de qualquer outra coisa. A propósito: acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso. Por que não anexarmos a Guiana Francesa? (...) Um país que dominar do Prata ao Caribe falará para o mundo”. Cavalcanti concordou com o plano, que só não foi executado porque dias depois, em agosto de 1961, Jânio renunciou. Num relatório confidencial de abril de 1962, descoberto por Geneton, a Embaixada britânica faz gozação: “A estrela política de Jânio Quadros parece estar afundando numa poça de uísque. (...) Uma piada que se conta aqui — e não é exatamente uma piada — é que as “forças ocultas”, que Jânio culpou pela renúncia, saíram de uma garrafa. Freqüentadores de bar agora pedem ao barman que lhes sirvam ‘forças ocultas com soda’”. Geneton registra uma história interessante. Num livro confuso, mas esclarecedor, “Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil” (Editora Rideel), organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o próprio ex-presidente revelou o motivo da renúncia. (O surpreendente, ressalta Geneton, é que a imprensa brasileira, que desde 1961 se pergunta o motivo da renúncia, não deu importância à revelação.) A história, nas palavras do próprio Jânio: “Quando assumi a Presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do país. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da História republicana do país, o maior erro que cometi (...). Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a Presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula: completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse (...). Renunciei no Dia do Soldado, porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio deles. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito freqüentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O país pagou um preço muito alto. Deu tudo errado”. (Lula, mais tarde, se tornou o queridinho das elites e dos pobres brasileiros.) Em poucas palavras, Jânio confirma e ilumina a bibliografia sobre o assunto, mas derruba a tese, formulada por ele, das “terríveis forças ocultas”. Era muito mais um “uisquezofrênico”. Plano para Matar Brizola — Uma história contada por Geneton é fantástica, mas não é produto de sua imaginação. Oswaldo França Júnior (autor de “Jorge, Um Brasileiro”) conta ao jornalista, em primeira mão, que foi escalado, em 1961, para bombardear Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que trabalhava para empossar Jango no lugar de Jânio. Piloto da FAB, Oswaldo França Júnior recebeu uma informação do comandante do seu esquadrão: “Acabamos de receber uma ordem para silenciar Brizola. Vamos tentar convencê-lo a parar com esse movimento de rebeldia. Se ele não parar com essa campanha, vamos bombardear o Palácio e as torres de transmissão da rádio que ele vem usando para fazer a Cadeia da Legalidade. Vamos fazer tudo às seis da manhã. Vamos tentar dissuadir Brizola até essa hora. Se não conseguirmos, vamos bombardear”. O escritor acrescenta: “Dezesseis aviões foram armados para a operação. Pelos meus cálculos, a gente ia pulverizar o palácio do governo”. A noite, os sargentos esvaziaram os pneus dos aviões e Brizola escapou de sofrer um bombardeio. A fuga de Brizola para o exílio era nebulosa, até Geneton descobrir como ela de fato se deu. Antes, diziam, até, que ele havia fugido vestido de mulher. A uma repórter, o irritado dono do PDT garantiu que havia fugido com as calcinhas dela ou de sua mãe. Na verdade, a história é simples: Brizola foi tirado do país pelo piloto Manoel Leães. O amigo de João Goulart conta: “Dona Neuza (mulher de Brizola e irmã de Jango) chegou a me entregar metade de uma nota de um cruzeiro. Disse-me que a pessoa que me procurasse com a outra metade da nota seria o emissário com quem eu deveria combinar o plano para resgatar Brizola. Poucos dias depois, fui procurado pelo emissário — que trazia a outra metade da nota. Durante 10 dias, estudei, no Uruguai, a possibilidade de fazer a operação resgate em Porto Alegre. Eu pilotaria um avião que desceria no Aeroporto Salgado Filho, o que seria arriscado. A alternativa seria descer numa praia no litoral do Rio Grande do Sul. Optei pela praia. A escolha da praia ficaria a critério dos amigos de Brizola no Brasil. Mas, para descer na areia da praia, eu precisaria saber do horário das marés. Por quê? A maré baixa deixaria livre uma faixa de terra que possibilitaria a descida do avião”. Leães acrescenta: “Começamos então a executar a operação resgate. Eu usaria o avião do presidente João Goulart para resgatar Brizola no Brasil. Era um avião Cessna 310, prefixo PT-BSB. Já exilado no Uruguai, o presidente João Goulart sabia de todo o plano. Autorizou-me a decolar de Punta del Este. deixei Punta às cinco da manhã, em direção à praia do Pinhal, onde Brizola deveria estar me esperando. Eu pilotava o avião do presidente. Fui sozinho. (...) Quando cheguei à praia, vi Brizola saindo de trás de um monte de areia — acenando para mim. (Brizola) Trajava o uniforme de soldado. Tinha saído de Porto Alegre num fusca, junto com uma senhora que demonstrou grande coragem pessoal ao levá-lo ao local do resgate. (...) A viagem, com uma escala em território uruguaio, terminou em Solimar, um balneário nos arredores de Montevidéu, onde o presidente João Goulart nos esperava”. Mais uma história esclarecida — graças ao faro de Geneton. João Goulart, conhecido do povão como Jango, exilado no Uruguai, era tratado como portador de uma doença grave e contagiosa pelo governo brasileiro. Não conseguia sequer um passaporte para viajar à Europa. “O general Alfredo Stroessner — que governava o Paraguai com mão de ferro — sabe do drama enfrentado pelo ex-presidente brasileiro. Resolve chamar Goulart a Assunção. Goulart viaja num jatinho, com a mulher, sem saber exatamente o que o esperava na capital do Paraguai. (...) Ali, numa ditadura militar comandada por um general, o ex-presidente brasileiro viveria a maior emoção do exílio: o general Stroessner lhe entrega, em mãos, um passaporte paraguaio. O Paraguai dava a João Goulart o que o Brasil negava: um passaporte que, na prática, era uma carta de alforria. Data: 16 de outubro de 1973, uma terça-feira”, conta Geneton. “Jango teve poucos momentos de felicidade no exílio. Aquele foi um deles”, diz Maria Tereza Goulart, a bela mulher que era sempre acusada de cornear o marido. Ela nega. O argumento: é uma mulher séria e era muito vigiada. Jango queria sair do Uruguai e da Argentina para “tratar da saúde (do coração, na África do Sul, com o Dr. Christiaan Barnard), ver os filhos e fugir das ameaças que vinha sofrendo na Argentina, país que frequentou durante o longo exílio”. José Leães, “amigo do peito” de Jango, conta uma história bem interessante, relatada por Geneton: “Cerca de 15 dias antes da morte de Goulart, um agente do SNI subiu ao apartamento 401 do edifício 204 da Rua Fernandes Vieira, em Porto Alegre. Ali mora até hoje Manoel Leães. O agente do SNI é intermediário de um coronel — que faz uma proposta surpreendente: João Goulart poderia voltar ao Brasil no dia 25 de dezembro de 1976”. Lacerda, Rei do Consumismo — Os arquivos tratam Carlos Lacerda de modo condescendente, mas ferino. Uma nota da Embaixada britânica no Brasil, de junho de 1964, nas vésperas de uma visita de Lacerda a Londres, alerta: (Lacerda) “É um homem de intensa ambição e considerável habilidade, mas com uma tendência a ser vaidoso e impulsivo. Informa-se que ele é uma pessoa interessante e atraente. Domina bem o inglês”. Em Londres, Lacerda (curiosamente, as palavras Londres e Lacerda têm o mesmo número de letras — sete — e começam com L) agradou. Mas um diplomata não esqueceu de ironizar: “(Lacerda) Deu a impressão, ao final da visita, de que tentou comprar a cidade aos poucos, porque levou uma montanha de malas, com quadros, gravuras, roupas, faqueiro de prata, porcelana, livros, cachimbos, um fonógrafo antigo, bule de chá, máquinas de escrever, comida enlatada. Três porteiros do Hude Park Hotel tiveram de passar 20 minutos carregando as malas: a opinião dos três pode ser resumida pelo seu chefe — que comentou, enquanto botava a última mala no sobrecarregado carro de bagagem: ‘Ele se esqueceu de levar a pia da cozinha’”. O relato dos britânicos sobre o marechal Rondon já foi divulgado por Geneton em jornal, mas vale a pena reproduzi-lo: “Proprietário e controlador de enormes extensões de terra no interior, particularmente em Goiás e no Mato Grosso, adquiridas através de métodos duvidosos e dúbios. Rondon se opõe à exploração do interior por expedições estrangeiras. Há quem sugira que esta atitude deve-se ao desejo de Rondon de esconder as numerosas irregularidades de sua administração, além do medo de que seus títulos de propriedade de terra sejam questionados caso se descubram minérios nestas áreas”. (Em geral, rigoroso na apuração, Geneton não foi atrás dessa informação — para checá-la.) “Alcino faz uma revelação: por coincidência ou não, Gregório foi morto assim que decidiu escrever, na prisão, um diário que devassaria os bastidores do poder”, escreve Geneton. “A verdade não se pode falar”, garante Alcino. “O problema da morte de Gregório foi político, vindo de fora da penitenciária. Nada da versão que liga a morte à pederastia dentro da prisão. Isto foi uma versão que surgiu na época, para botar panos quentes. O crime foi mandado por gente de fora. Porque Gregório fez um diário. Quando fosse posto em liberdade, ia escrever um livro. A essa altura, Gregório iria mexer com muita gente alta. (...) O assassino de Gregório eu conheci. Era meu colega de prisão: ele próprio, depois, acusou o chefe de disciplina de dar-lhe uma certa liberdade dentro da prisão. O certo é que existia dentro da penitenciária um regulamento dizendo que todos os que fossem para a colônia não retornariam ao coletivo. Iriam para o isolamento. Mas o chefe de disciplina deixou em liberdade o preso que iria cometer o crime contra Gregório”, diz Alcino. Um relato surpreendente é o do coronel reformado da Aeronáutica Gustavo Borges. Em 1954, ele era major e havia sido escalado para acompanhar Lacerda, mas teria que voar para Goiás, e, com isso, escapou. Gustavo Borges assegura que Tancredo Neves, ministro da Justiça, acobertou um crime. “Quanto a Tancredo Neves, há um episódio interessante — que nunca foi divulgado. Quando o motorista do táxi que estava no local do atentado se apresentou, porque o carro estava todo perfurado, nós o levamos para o Regimento Caetano de Faria, Aquele quartel da Polícia Militar na Rua Mem de Sá. Começamos o interrogatório. Depois de várias horas, ele se cansou, acabou confessando tudo: deu o nome de Climério (integrante da guarda presidencial). Quando o motorista deu o nome de Climério, o coronel Adil, que estava presente, encarregado do Inquérito Policial Militar (IPM), achou por bem que deveríamos avisar o ministro da Justiça, Tancredo Neves. Num telefonema, dissemos a Tancredo que seria imprescindível que ele mantivesse sigilo, porque ele iria tomar conhecimento de um fato extremamente grave. Teria de se comprometer a manter sigilo absoluto, porque — se não mantivesse o sigilo — poderia facilitar a fuga aos outros companheiros de Climério. Tancredo Neves, então, compareceu ao quartel, onde ouviu o depoimento do motorista. (...) Em seguida, Tancredo pediu licença para dar um telefonema. Aconteceu que, cansado, porque já eram quatro, cinco horas da manhã, eu tinha passado para a sala ao lado, onde estava o telefone. Eu estava encostado num sofá e a sala meio às escuras, porque tinham apagado a luz. Então vi e ouvi Tancredo se dirigir ao telefone, discar para o Palácio do Catete e dizer: ‘Foi o Climério. Tratem de cair fora do Palácio’. Ou seja: Tancredo nos traiu. E acobertou um assassinato. (...) O telefonema de Tancredo Neves foi a razão pela qual só vários dias depois é que conseguimos chegar ao Climério. Se Tancredo não tivesse dado este telefonema, teríamos apanhado Climério no Palácio do Catete, ao lado de Gregório. Mas, quando chegamos lá, ele já tinha fugido”. O livro de Geneton, editado pela Objetiva, é indispensável para os interessados em história do Brasil. Nenhuma boa biblioteca pode dispensá-lo. Para os historiadores, é fonte de pesquisa e norteador de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Geneton descobriu a ponta do iceberg. Pesquisadores com mais tempo certamente descobrirão outras pérolas nos arquivos pesquisados ou mesmo entrevistando personagens que viveram o pré e o pós-64. Sintetizei algumas histórias, mas há várias outras, contadas com verve. Para apontar um errinho: não há uma editora LP&M. Há, sim, a L&PM, do Rio Grande do Sul. Fonte:
O Gênio da Garrafa — O sucessor de Juscelino, Jânio da Silva Quadros, era apenas um maluquete? Pode ser, mas Geneton, ele próprio, não faz este tipo de avaliação — prefere abrir espaço a outras vozes ou aos arquivos (note-se que os arquivos contêm opiniões — nem sempre contam a verdade). Uma história é muito interessante, típica de Jânio.
Tancredo Suspeito — Em 1954, Gregório Fortunato, ao mandar matar o jornalista e político Carlos Lacerda, acerta um tiro no coração do presidente Getúlio Vargas. Ou melhor, pressionado, Getúlio se mata. O pistoleiro Alcino Nascimento, contratado por Climério Euribes de Almeida, um dos guarda-costas de Getúlio, atirou em Lacerda, mas só acertou o seu pé esquerdo. Matou o major da Aeronáutica Rubens Vaz. Quando Alcino parecia esquecido, morto, Geneton foi à luta e o descobriu e arrancou-lhe uma entrevista surpreendente.