31.3.09

Japão, o último samurai

s japoneses afirmam que Saigo Takamori, morto aos 50 anos, em 1877, foi o derradeiro samurai, o último grande mestre-de-armas que, com a espada na mão, lutou até o fim para preservar os fundamentos marciais da casta guerreira. A ética do Bushido, o código do guerreiro, que ele representava, estava por desaparecer na avalanche da modernidade, provocada pelas reformas ocidentalizantes radicais adotadas pela Restauração Meiji (1867-1912).

Época de ruptura, em que a pólvora fez desaparecer a espada. Aos olhos do povo, porém, que lhe admirava a bravura, ele sacrificou-se como um herói na defesa da Kokutai, a originalíssima cultura dos japoneses, por isso até hoje não removeram a estátua dele no Parque Central de Tóquio.

O perigo branco

O samurai, o mestre da espada
A primeira visão que os japoneses tiveram dos grandes barcos negros do Comodoro M.C. Perry foi atordoante, apavorante. A imagem do “US-Mississippi”, o navio capitania, seguido por três outras carcaças de ferro negro, movidas à vapor, foi terrível para eles. Expelindo fumaça por suas chaminés, singrando pela baia de Tóquio (Edo, na época) sem que nada as pudesse deter, pareceu-lhes a chegada dos infernais dragões dos mares. Outros quatro barcos ainda os seguiam a certa distância.

Logo que ancorado na baia em 8 de julho de 1853, o comodoro praticamente enviou um ultimato ao governo do Xogum. Ou o Japão assinava um tratado com os Estados Unidos ou outras providências seriam tomadas. Para dar um prazo ao Bakufu, o governo xogunal, e ao Rôjô, o grande conselho dos sábios anciãos que de fato conduzia os negócios do império nipônico, Perry retirou-se. Meio ano depois, em fevereiro de 1854 ele estava de volta, arrancando deles o Tratado de Kanagawa, firmado em 8 de março daquele ano. Com ele obteve o direito de ancoragem em dois portos do sul e a promessa dos japoneses não mais deterem marinheiros americanos que por acaso naufragassem no litoral das ilhas.

O Japão então entrou em polvorosa. Durante mais de três séculos, a política do Xogum – o ditador militar do país – visou o total isolamento do arquipélago para evitar que fosse violado ou conquistado pelos colonialistas ocidentais. Agora, com o simples desfile das máquinas de ferro de Perry pela baia de Tóquio, com seus canhões eriçados, toda sensação de segurança se fora. O tão temido Hakka, o “perigo branco”, definitivamente afirmara pé nos portos japoneses.

O fim do xogunato

Os barcos negros do Comodoro Perry, julho de 1853.
Não demorou a que o Xogum fosse constrangido a assinar dois outros tratados, um com a Grã-Bretanha e o outro com a Russia Imperial. O pais sentiu-se indignado com os “tratados desiguais”. Com o prestígio do govenro no chão por ter capitulado frente aquelas forças estrangeiras formidáveis, um grupo de reformadores composto por jovens samurais, os guerreiros de elite do país, e de alguns daimyos, poderosos senhores feudais, resolveram agir. Adotando o lema sonnô jôi, “reverenciemos o imperador e expulsemos os bárbaros”, tratou de derrubar o Xogum.

Desde tempos imemoriais o Japão tinha um imperador cujo poder foi em larga parte dos séculos puramente simbólico. O Mandato Divino da coroa real, na verdade, servia mais para dar um sentido de unidade às quatro grandes ilhas do arquipélago nipônico: Honshu, Shikoku, Kyushu e Hokkaido.

Pois os grandes barões reformistas, capitaneados por Sakamoto Ryoma, Katsu Kaishu, Saigo Takamori, Yoshida Shoin, Takechi Hanpeita, Takasugi Shinsaku , Katsuria Kogoro e Shinsengui - alçados contra o Xogum, levaram Tokugawa Yoshinobu à renuncia em 9 de novembro de 1867.

O último integrante da dinastia que governava o país no Período Edo, iniciado em 1603, foi forçado a dar o seu lugar a uma manobra política que visava a reentronização efetiva do imperador. Agiram como se ele, o jovem imperador Mutsohito, tivesse recuperado o poder de fato, unindo o simbólico ao concreto. Para tornar isso mais exposto, transferiram a corte imperial de Kyoto para Edo (rebatizada como Tóquio, a capital do oriente, sede do antigo Xogum)

Eis a razão da época que inauguraram ter sido batizada de Restauração Meiji (o iluminado, o nome que deram ao imperador). Seguiu-se então uma série impressionante de reformas políticas e sociais que, referendadas peloGokajyo no Goseimon (o Juramento dos Quatro Artigos, de 1868), visavam prover o Japão do que havia de melhor no mundo do conhecimento e da tecnologia.

Decidiram aprender tudo o que fosse possível sobre as maravilhas estrangeiras para manter a nação livre. Não queriam-na ver reduzida ao triste papel de ser uma colônia ocidental como acontecera com a China depois das duas Guerras do Ópio, a de 1839 e a de 1856. Dessa maneira, recorrendo a estratégia de aprender com o inimigo, seguindo o lema Bummei kaika, "Civilização e ilustração", o Japão, tomando o caminho da industrialização acelerada, tornou-se a única potência asiática ainda no final do século XIX.

A rebelião satsuma

Ocorreu que a profundidade daquelas medidas desagradou a casta guerreira. O novo projeto militar aprovado pelo Meiji, implicou na formação de um exército de conscritos, camponeses adestrados com fuzis e canhões, em substituição aos samurais com suaskatanas, as espadas longas. Entendendo-os como algo anacrônico no Japão moderno, não tardou com que os que agiam em nome do imperador proibirem aos espadachins exibirem suas armas pelas ruas. Foi a gota d’água que faltava.

Quem liderou a insurgência de 1876 contra as novas restrições, consideradas ultrajantes, foi justamente um dos maiores próceres da Restauração Meiji: Saigo Takamori (1827-1877). Tempos antes, inconformado com o rumo das coisas, rompendo com seus pares e assumindo a bandeira do tradicionalismo contra a rápida ocidentalização, ele retirara-se para o castelo de Satsuma, em Kagoshima, (província que mais cultuava o Bushido, o código de ética do samurai, tida como a Prússia do Japão) , onde ele mantinha uma academia de artes marciais.

Acreditando que o imperador tinha sido eclipsado pela Oligarquia Meiji, o grupo de dirigentes que assumira a reforma, Saigo rebelou o clã Shimazu de Satsuma. Para melhor entender-se o espírito de um samurai nada melhor do que reproduzir um trecho dos "Conselhos ao Samurai":

"O Destino está no Céu, a armadura frente ao peito, o sucesso deve-se à agilidade das pernas. Vá para a batalha confinado na vitória. Entre em combate determinado a morrer e você sairá vivo dele. Se você sai de casa determinado a não voltar a vê-la, você retornará a salvo; se você tiver um só pensamento de que irá retornar certamente você não voltará. Você não esta errado ao pensar que o mundo esta sempre sujeito á mudança, mas o guerreiro não deve distrair-se com tal tipo de pensamento, pois para ele o destino já está determinado" (de Uesugi Kenshin, 1530-1578).

Samurais contra canhões

A batalha de Shiroyama , travada no dia 24 de setembro de 1877, entre o govenro imperial e os guerreiros rebeldes, foi decisiva e emblemática. De um lado do campo estava a Modernidade no outro alinhava-se a Tradição. Trezentos mil homens foram mobilizados para desbaratar os 25 mil samurais insurretos. Seis mil deles foram massacrados pelas novas armas.

O fim de Saigo Takamori assumiu então ares lendários: uns asseguraram que ele, ferido, ao fim da batalha no monte Tahara-zaka, pedira a um seguidor que o decapitasse, outros disseram que ele seguindo a tradição do Bushido que dizia ser a derrota uma desonra teria cometido oseppuku, o suicídio ritual ao ver-se ferido, atingido por uma bala.

O povo, todavia, deu para acreditar que ele, saindo pelos ares, se refugiara num reino distante, na Índia, na China ou mesmo na Rússia, de onde algum dia ele certamente voltaria com sua katanaem punho para trazer justiça a todos. Séculos antes um samurai-poeta havia escrito:

Vento do outono ao anoitecer sopra para bem longe as nuvens que cobriam a lua com seu brilho puro/ e a névoa que cobria a nossa mente foi afastada para bem longe/ Agora nós desaparecemos, bem, o que pode-se pensar disto? Do céu nos viemos. Agora precisamos retornar. Hôjô Ujimasa (1538-1590)

Fonte:Voltaire e Schilling

Disponível em:http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2004/03/01/000.htm#inicio