15.4.09

Jean-Paul Sartre, o pensador engajado

Nascido em Paris no dia 21 de junho de 1905, Jean-Paul Sartre foi o mais famoso, odiado e celebrado, intelectual francês do século 20. Homem de sete instrumentos, ao longo dos seus 74 anos de vida, nenhum gênero das letras lhe foi estranho.

Mostrou-se extraordinariamente hábil e criativo não só na filosofia, romance, novela e teatro, mas até nos roteiros de filmes que deixou. Mas Sartre, prodigiosa máquina de gerar palavras, foi isso e muito mais, pois ele lançou-se na indagação da situação da humanidade e da cultura, podendo seguramente ser colocado no Panteão dos “heróis da razão pensante” do século 20. Foi o Sócrates do nosso tempo.

Longe da Torre de Marfim

JP Sartre (1905-1980)
Avesso à Torre de Marfim, - refugio do escritor simbolista alheio ao mundo real que desprezava - quis servir como um exemplo para os intelectuais do seu tempo estimulando-os a que eles escapassem dos seus gabinetes, arquivos e bibliotecas e, seguindo a tradição francesa de Voltaire, de Victor Hugo e de Émile Zola, se engajassem nas coisas do seu tempo. Que participassem ombro a ombro com os homens comuns das tragédias, dos dramas e das felicidades da sua época, porque, afinal, “o lugar do intelectual crítico é o cárcere, o exílio ou o museu. Tem que eleger”.

Por conseguinte não lhe ficou mal terem-no batizado de “o pedagogo da segunda metade do nosso século”, ou o “Sócrates da nossa época”, dando a todos uma “lição permanente de independência absoluta”. Ainda que educado como uma criança sedentária em meio aos livros do seu avô Charles Schwitzer, considerando a biblioteca como um templo, Sartre, adulto, transformou-se na inquietação em forma humana.

Uma filosofia da ação

J.P.Sartre nos começos do existencialismo, 1945
Ao contrário do que marcava o pensamento existencialista anterior a ele, que defendia uma posição filosófica intimista, extremamente subjetivista, um tanto quanto refugiada do mundo, Jean Paul Sartre defendeu um existencialismo ativo, engajado. Não era para menos. O seu antecessor e ainda contemporâneo, o famoso filósofo Martin Heidegger, propusera uma filosofia da existência (Zein und Zeit, de 1927) numa Alemanha apática e ainda apalermada pela derrota sofrida na Primeira Guerra Mundial.

Ocasião em que desabara o poderoso IIº Reich construído por Otto von Bismarck, destroçado nas trincheiras de 1914-18 e sepultado pela Revolução de Novembro de 1918. Toda a expectativa de uma grandeza futura, num repente, desaparecera do horizonte dos alemães.

Ora, o existencialismo sartreano foi forjado em outras circunstâncias. Se bem que a França fora derrotada em 1940, e, em seguida, ocupada até 1944, de certo modo ele foi a espiritualização da Resistência, do movimento clandestino gaullista-comunista que articulou-se contra a presença nazista durante a guerra.

Por conseguinte, a reflexão dele nasceu marcada pelo agir, pela ação, e não pela inanição, daí também entender-se ele classificar os intelectuais como “teóricos do saber prático” (esta definição colhida do “O Escritor não é político?”, resultava de Sartre entender que todo o saber moderno, pelo menos desde Descartes, “é prático” e não mais desinteressado como fora outrora).

Neste afã de tomar a peito as coisas da vida, o homem desejava, não mais crer em Deus, como propunha Gabriel Marcel, o filósofo cristão, mas ser ele mesmo um tipo de Deus. É a luta dos franceses pela libertação nacional que também fará com que se entenda a ênfase que ele depositou na questão da liberdade (palavra chave do existencialismo sartreano) e do engajamento, tornando-se Sartre o maior profeta da liberdade do mundo do após-guerra.

Se o homem é livre para escolher o seu caminho e fazer da sua vida um projeto que dê sentido a ela, isto só pode ser realizado se os seus atos articularem-se com os demais. Não há liberdade de um só. É impossível alguém ser livre numa caverna habitada por escravos, por conseguinte a liberdade de um somente pode ser concretizada obtendo-se a liberdade de todos. Ora, esta conclusão tornava obrigatório o engajamento, de participar ativamente das coisas do mundo. Não é possível alguém trancar-se ou fechar-se numa redoma qualquer e desinteressar-se daquilo que o cerca. É praticamente imoral voltar às costas aos outros, pois “o homem está condenado a ser livre, com outros homens livres”.

Assim sendo, como ele assegurou numa entrevista em 1964, “A política não é uma atitude que o indivíduo possa tomar ou abandonar segundo as circunstâncias, senão uma dimensão da pessoa. Na nossa sociedade, faça-se ou não política, já se nasce politizado: não pode haver vida individual ou familiar que não esteja condicionada pelo conjunto social de onde nós aparecemos e, por conseguinte, todo homem pode e deve atuar, ainda que seja para defender sua vida privada, sobre os grupos que o condicionam.” (cit.p/A.Gorri Goñi, 1986, p.131)


As grandes forças da época

Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, acirrou-se ainda mais dentro da França o antigo litígio filosófico entre o espiritualismo religioso e o materialismo laico. Confronto este que, de certo modo, se arrastava desde antes da Revolução de 1789. A novidade da década de 40, a versão modernizada da antiga querela entre o sagrado e o profano, é que catolicismo desta vez estava sendo desafiado não mais pelo positivismo, como o fora no século 19, mas diretamente pelo marxismo, cujo enorme prestígio derivava da vitória da URSS sobre o nazismo.

O existencialismo, pois, procurou firmar um espaço entre os dois colossos internacionais da época: o catolicismo da Igreja Romana e o materialismo dialético do Partido Comunista de Moscou. De certo modo, - frente aquelas duas potências espirituais e ideológicas com vocação planetária - o existencialismo de Sartre pairou durante algum tempo como um legítimo representante de um pensamento francês autônomo que tinha em Descartes um dos seus mentores mais afastados (Sartre sempre insistiu que o seu dito “a existência precede a essência” era tributário do cogito cartesiano).

Enquanto o templo católico e a sede do partido, a cruz e a foice e o martelo, o catecismo e o panfleto, lutavam pela conquista do coração e da esperança dos franceses, Sartre e sua companheira Simone de Beauvoir, apelidada de Castor (que tornou-se célebre por ser escritora e a principal teórica do feminismo do após-guerra), faziam dos cafés de Paris, como o La Coupole ou o Deux Magots, as suas casamatas de onde como se fossem franco-atiradores disparavam rajadas intermináveis de artigos a serem publicados nos jornais e nas revistas da época.

O que lhes valeu serem duplamente censurados: pelos comunistas (missão assumida pelo filósofo marxista húngaro G. Lukács, em 1947), e pelo Vaticano (quando todas suas obras foram condenadas pelo Santo Ofício, em 30 de outubro de 1948)

A “moda” existencialista

Albert Camus, companheiro de viagem de Sartre
O existencialismo virou “moda” entre os refinados e cultos do após-guerra, e, por igual, entre larga parte da juventude intelectualizada daquela época, visto que não se tratava somente de uma maneira original de ser-se um descrente em Deus ou um eterno desconfiado dos mandamentos da Ideologia. A filosofia de Sartre tornou-se um “modo de vida” que implicava na adesão ao abandono da subordinação a uma DETERMINAÇÃO qualquer, fosse ela imposta pela religião, Estado, pátria ou partido político.

Estimulava, ainda, a que seus seguidores procurassem constantemente novos valores, “ inventados” ou “reelaborados”, por eles mesmos propondo-se a levar à prática uma outra maneira de conduzir a vida.

A Paris daquela época, entre 1945-1955, durante os anos dourados do casal Sartre-Simone de Beauvoir, tornou-se um tanto quanto a antiga Atenas quando deu-se o fim de Platão e de Aristóteles, ocasião em que a cidade, dando às costas aos grandes sistemas, também viu-se inundada por “filosofias da vida” (ceticismo, estoicismo, epicurismo, etc...).

Todavia, Sartre não pode resistir muito tempo naquela posição eqüidistante do catolicismo e do comunismo, entre Cristo e Marx, visto que a Guerra Fria se radicalizava. Exemplo disso, desta tomada geral de posições, foi o fato de Raymond Aron, colaborar do jornal esquerdista Combat ter-se convertido em colunista do Le Figaro, órgão dos conservadores franceses. O horror boêmio dele, de Sartre, à vida burguesa (que fez com que ele rejeitasse casar-se ou constituir família) e ao capitalismo, a tensão crescente entre os EUA e a URSS, arrastou-o para posições cada vez mais à esquerda.

Sartre próximo aos comunistas

Não demorou muito para que ele, que se projetara como o intelectual francês mais famoso da época, praticamente se colocasse à disposição do Partido Comunista francês (que também se apresentava como o Partido dos Fuzilados, referência à participação na luta do PC contra a ocupação nazista).

Concluindo com toda a razão de que o cenário filosófico polarizara-se entre o marxismo e o antimarxismo, ele um tanto que satelitizou sua subjetividade deixando-a girar na órbita gravitacional do materialismo dialético. Fato que o levou a redigir a volumosa Critique de la raison dialectique (Crítica da razão dialética) somente aparecida em 1960. Por outro lado qual alternativa restava a ele e à intelligentsia francesa frente aquela contingência?

André Breton observou, ainda em 1951, que “o estabelecimento de dois blocos antagônicos, cada qual sonhando e planejando a aniquilação do outro e a subordinação de tudo aos seus próprios fins, deixa pouco espaço à liberdade de expressão, no sentido em que sempre foi entendida.”(cit. p/ H.Lottman, p.407)

A peça Le Diable e le bon Dieu ( O Diabo e o bom Deus), de 1951, talvez seja a mais emblemática da relação dele com o comunismo e com a causa da revolução. Nela, o personagem principal Goetz (seguramente inspirado na peça de Goethe Goetz von Berlichingen de 1773), um capitão mercenário que combate na Guerra Camponesa alemã do século 16, inicialmente indiferente às razões da luta, termina aderindo a Nasty, um líder da revolução popular, propondo-se a chefiar o exército dos pobres. Tratou então Sartre de erigir um nicho, um enclave existencialista, no interior do corpo marxista, que segundo ele somente desapareceria quando o comunismo retomasse sua vocação humanista.

Entrementes Raymond Aron, servindo como contraponto dele, não lhe dava folga. Simpático ao gaullismo, Aron, que fora socialista nos anos 30, proclamando-se “o espectador engajado”, ao contrário do líder existencialista e sem o ardor dele, claramente optou pela defesa do liberalismo e dos Estados Unidos. Certamente foi visando ao ex-amigo que Aron escreveu seu corrosivo ensaio L´Opium des intelletctuels (“O ópio dos intelectuais”, de 1955), expondo as ilusões e enganos dos intelectuais esquerdistas.


A tribo existencialista


Sartre, por igual, fez presença pelo seu estilo de viver. Morando em hotéis era um homem livre, totalmente descomprometido dos afazeres gerais da classe média (vida familiar regrada, filhos, propriedades, emprego estável e rotineiro, obediente ao padre ou ao chefe partidário, confiante no estabelecido), dedicado inteiramente à causa do engajamento, fosse ele a favor ou contra do que fosse. Dedicou-se a ser o executante do seu próprio projeto, aberto a todos os acenos da sociedade do seu tempo.

Não demorou para que o movimento dele tivesse a sua musa: a cantora Juliette Gréco, símbolo feminino da independência da juventude sofisticada do Saint-Germain-des-Prés. Na constante presença de Sartre e de Albert Camus freqüentadores da boate La Rose Rouge, ela, esguia, toda de preto, interpretava as melodias e as letras dos poetas mais afinados com o que se entendia ser uma estética existencialista. Num certo momento parecia que a filosofia dele, tendo como base a Rive Gauche de Paris, colocara-se “no centro do palco mundial”( H.Lottman, 1987)

Albert Camus, por sua vez, um franco-argelino autor de sucessos literários como “O Estrangeiro”, “A Peste”, a peça “Calígula” e os ensaios “O Mito de Sísifo” e “O Homem Revoltado”, durante muitos anos foi muito próximo de Sartre e de Simone, até que por motivos político-ideológico se separaram.

Sartre, procurando então ter o seu próprio instrumento de combate que fosse mais eficaz no cenário intelectual francês, um órgão impresso que abrigasse o le flux ininterrompu des mots, o fluxo ininterrupto das palavras, que saia dele aos borbotões, fundou a Les Temps Modernes. Revista mensal que logo ascendeu a posição de ser uma das publicações culturais, literárias e filosóficas mais influentes da França e uma das mais respeitadas pela república internacional das letras.

Editada pela Gallimard desde outubro de 1945, tinha no seu comitê de redação, além Jean-Paul Sartre como seu diretor-fundador, nomes como Raymond Aron, Simone de Beauvoir, Michel Leiris, Maurice Merleau-Ponty, Albert Olivier e Jean Paulhan. Muitos deles eram egressos da célebre École Normale Superieure que diplomava a elite da inteligência humanista francesa, sendo que alguns deles formavam o que jocosamente podia chamar-se de a linha de frente da “tribo existencialista”.

O existencialismo ganha o mundo

Juliette Gréco, musa do existencialismo
Diferentemente do existencialismo alemão de Heidegger, circunscrito à esfera acadêmica, contido num conjunto de textos cabalísticos de ocasional compreensão, (até Sartre confessou: “Comecei Heidegger e li cinqüenta páginas, mas a dificuldade de vocabulário me desanimou...”) o existencialismo francês tornou-se muito popular (no Brasil mereceu até uma marchinha de carnaval: a “Chiquita bacana!”, composta por João de Barro, o Braguinha, e A. Ribeiro, em 1949).

Voltou a Heidegger de uma maneira curiosa. Aprisionado pelos alemães no campo de Trier, quando a França rendeu-se em 1940, um oficial perguntou-lhe o que ele desejava. Sartre respondeu-lhe “Heidegger”. Então seus captores deram-lhe toda a obra do filósofo que ele então se dispôs a enfrentar.

O principal motivo da ampla difusão do existencialismo, tirando-se o clima propício dos anos do após-guerra, foi o fato de Sartre saber propagá-lo de maneira clara, quase cartesiana [ exceção feita ao famoso ensaio filosófico dele L´Être et le Nean, o “Ser e o Nada”, de 1943, redigido ainda sob influência do espirito alemão, isto é, ilegível], como se deu com sua famosa conferência L´existencialisme est un humanisme (“O existencialismo é um humanismo”, de 1945), que tornou-se uma espécie de catecismo da sua filosofia.

Somou-se a isso o fato extraordinário dele dominar com arte outros gêneros, tais como o teatro, a novela, o conto e o ensaio literário ou político, quase sempre em tom polêmico, “de combate”. Os perfis biográficos que traçou de personalidades artísticas (Tintoretto) e de outros filósofos e escritores (Nietzsche, Baudelaire, Mallarmé, Genet, Flaubert e Leconte de Lisle) eram soberbos, alguns deles tornaram-se clássicos da crítica literária e cultural. Assim ele conseguiu atingir o que tinha como ambição ao começar escrever: ser Spinoza e Stendhal.

Sartre, autor universal

Por conseguinte o arsenal de comunicação que ele tinha à disposição para alcançar o grande público, a inter-relação filosofia-literatura-teatro, era bem mais vasto, rico e diversificado, do que qualquer outro homem de letras ou pensador que o antecedeu. Tudo isso contribuiu - aquela torrente sem fim de palavras, imagens e idéias - , para fazer dele um nome universal. Um autor lido, admirado ou representado em Nova York, Pequim, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Berlim ou Moscou. Prestígio que fez aumentar ainda mais os partidários da ESCOLHA contra os que continuavam presos à DETERMINAÇÃO.

Sem nenhuma intenção de diminuí-lo, o nome “Sartre” nos anos 50 e 60 tornou-se uma grife intelectual, tal como “Chanel” e a “Maison Dior” foram símbolo da alta costura e a “Moet Chandon” da boa champanha francesa.

Qualquer coisa que ele escrevesse, a declaração ou entrevista que concedesse, provocava impacto imediato na mídia nacional e internacional. Poucos negavam-se a noticiar o que vinha dele ou a ele dizia respeito. Assim, entre os finais dos anos 40 e 60 , ele consagrou-se, tal Albert Einstein ou Bertrand Russell, como uma das “consciências do mundo”.

Sabedor da excepcional idade que usufruía evidentemente que fez uso dela em favor das causas que abraçou, tornando-se o Voltaire do seu tempo. Coerente em seu desprezo pelas instituições, rejeitou receber o Prêmio Nobel de Literatura que lhe outorgaram em 1964, distribuindo o dinheiro recebido entre diversas organizações revolucionárias.


Nos braços da revolta


A simpatia que Sartre devotava ao Partido Comunista francês e à URSS encerrou-se com a intervenção militar soviética na Hungria em outubro de 1956. Ele e centenas de outros intelectuais franceses abandonaram o barco vermelho.

Ajudou-os também o discurso secreto pronunciado pelo novo secretário-geral Kruschev no XXº Congresso do Partido Comunista da URSS, proferido nos começos de 1956 oportunidades em que denunciou os terrores da vida sob a ditadura de Stalin. Contudo, tal frustração não arrefeceu-lhe nem a paixão dele pelo engajamento nem a fixação pelo homem rebelde, ao revolucionário, o que pega em armas desejando mudar o mundo. Quem se insurgia, para ele, levava a ESCOLHA ao extremo.

A guerra na Argélia (1954-1961), ultima batalha travada pelo colonialismo francês, mais ainda do que a derrota na Indochina em 1954, dilacerou a França. As denuncias sobre as torturas praticadas pelas forças repressivas da metrópole contra os árabes insurgentes da FLN (Frente de Libertação Nacional) da Argélia provocou calafrios entre os bem pensantes da França. Católicos como François Mauriac e liberais como Raymond Aron, juntaram-se a Sartre na oposição à continuidade daquela guerra inútil que, para eles, expunha a nação dos Direitos do Homem e do Cidadão às suas maiores contradições.

Ao lado dos perseguidos da Terra

Sartre, sempre fascinado e comovido pelo injustiçado, assina o prefácio do livro Les damnés de la Terre (Os condenados da terra, 1961), um duríssimo manifesto anticolonialista escrito por Franz Fanon, legitimando a violência praticada contra o europeus, contra o branco opressor dos povos do Terceiro Mundo. Foi um escândalo numa França que vivia nos estertores da Guerra da Argélia.

Logo ele notou que toda a admiração que seus conterrâneos lhe devotavam enquanto artista, pensador e escritor, desaparecia no momento em que ele se punha ao lado dos insurgentes árabes (a mãe dele foi ameaçada e ele mesmo teve que mudar-se em diversas ocasiões perseguido pelos ultradireitistas que prometiam-lhe jogar-lhe uma bomba ou surrá-lo).

A seguir foi a vez da Revolução Cubana (1959-1962) atrair-lhe a atenção, enaltecendo a coragem de Fidel Castro e Che Guevara em enfrentarem a ditadura de Batista e o poder incomensurável dos Estados Unidos (“Furacão sobre Cuba”, 1960). Depois empenhou-se por Régis Debray, o jovem intelectual francês, autor do famoso livro Révolution dans la Révolution(“Revolução na Revolução”, 1965), uma incitação à guerra revolucionária, que embrenhar-se nas selvas da Bolívia para apoiar a guerrilha que Che Guevara movia contra o regime local e que fora preso e encarcerado pelos militares de La Paz em 1966. No ano seguinte, em 1967, aceitou participar do Tribunal Russell instalado na Suécia para denunciar a crescente intervenção militar norte-americana no Vietnã, o que levou os Estados Unidos ao desastre de 1975.

Maio de 1968

Deu-se então o Maio de 1968, em Paris, ocasião em que milhares de estudantes secundaristas e universitários, liderados por Daniel Cohn-Bendit, o Dany le rouge, a pretexto de um inconformidade qualquer que ocorrera na Universidade de Nanterre, saíram às ruas para enfrentar a polícia do gaullismo em crise.

Começava ali a maior revolta popular que a capital francesa conheceria desde os tempos da Comuna de 1871. O Maio de 1968 iria sepultar o Maio de 1958, ocasião em que o general Charles De Gaulle subira o poder por meio de um golpe brando tramado contra a IV República Francesa, imperando nos dez anos seguintes sobre a V República como se fora um presidente coroado tendo a mão uma constituição especialmente escrita para ele.

Em meio às memoráveis batalhas de pedras dos jovens contra as forças da ordem numa Paris em clima de guerra, dominada por um cenário efervescente e anárquico das universidades ocupadas, em cujos cimos pairavam bandeiras negras, Sartre, com 62 anos, foi levar sua solidariedade à juventude contestadora da França, aderindo aos seus reclamos. Na Sorbone tomada pelos estudantes, num discurso feito em 20 de maio de 1968, conclamou-os a destruírem a universidade assim com ela se encontrava. Viu neles uma boa e salutar maneira de dar uma sacudida nas “flácidas sociedades ocidentais”, ou como Pascal dissera bem antes dele, em romper com a “inconstância, o tédio e a intranqüilidade”.

O ápice do fervor sartreano pela rebeldia deu-se quando, uns anos depois, ele visitou na prisão de Stuttgart-Stammheim, em dezembro de 1974, o terrorista Andreas Baader, líder da Facção do Exército Vermelho (a gangue Baader-Meinhoff). Condenado a uma longa sentença por inúmeros atos criminosos praticados na Alemanha, na verdade tratava-se de um delinqüente juvenil um tanto ao estilo do anarquista russo Nechaev, um cultor do caos e da desordem, sem nenhum preparo teórico maior e que acabou se suicidando em 1977.

Mesmo assim Sartre afirmou que a visita ao encarcerado se dava em nome da solidariedade que um esquerdista deve a um outro esquerdista encarcerado, independentemente do que ele possa haver cometido. Não houve canto da terra em que ele não esteve presente ou se fez representar em favor de alguém preso ou ameaçado de fuzilamento que ele considerasse uma ignomia.

Ainda tratando-se dos episódios de 1968, não deixou de desancar o Partido Comunista francês que comandara o refluxo das greves dos operários assim que os sindicatos, aproveitando-se do medo em que se encontrava o setor patronal pelo clima de caos que dominava Paris, haviam obtido os aumentos salariais desejados, estigmatizando-o no Les Communistes ont Peur de la Révolution (“Os comunistas têm medo da revolução”, 1969).

Aparentemente, consumindo sua racionalidade na busca obsessiva pela revolução que não vinha, Sartre parecia ter-se tornado um possesso ao estilo dos personagens de Dostoievski. Provavelmente ele somente não se dispôs a jogar bombas para não cair no ridículo de ser apontado como um incendiário senil.

Viram-no, por igual, como a reedição de um Sócrates corrompendo a elite juvenil da cidade, insuflando-a com palavras de ordem, “com venenosos conselhos”, como disse Gabriel Marcel, que consagravam a desordem , a violência e o desatino. Quão distante estava Sartre dos anos 30, quando ele e Simone eram pouco conhecidos professores de filosofia totalmente indiferentes e desinteressados das coisas da política e do envolvimento nas causas sociais daqueles tempos.


Agonia e morte

A agonia final dele foi atroz. Simone de Beauvoir a descreveu num livro chocante que consternou seus milhares de leitores e admiradores, intitulado La Cérémonie des adieux("Cerimônia do adeus", de 1981). Cego desde os 67 anos de idade pelo excesso de consumo de farmacos energizantes que usou ao longo da vida para poder produzir sem cessar em favor do seu ativismo libertário [era comum ele escrever por 14 horas seguidas], a doença foi matando-o aos poucos, provocando odores fortes vinda de um corpo que dia a dia se degradava e encolhia.

Ao falecer em 15 de abril de 1980, no hospital Broussais, em Paris, Sartre já era bem pouco lido e menos visto ainda. Não passava de uma sombra do que fora vinte anos antes quando sua atuação embaraçava as autoridades e sua coragem e dedicação intelectual arrancava a admiração até de quem era indiferente ou contra ele.

No dia do sepultamento dele no cemitério de Montaparnasse uma multidão de mais de 50 mil parisienses foram prestar as derradeiras homenagens aquele homem pequenino e feio, mas que foi um dos cérebros titânicos da França contemporânea.

Obras principais de Jean Paul Sartre

La Nausée (1938), Le Mur (1939), Les Mouches (1943), L'Etre et le Néant (1943), Huis clos (1945), L'âge de raison (1945), L'existentialisme est un humanisme (1945), Mort sans sépulture (1946), La P…respectueuse (1946), Qu´est-ce que la littérature? (1947), Réflexion sur la question juive (1947), Les mains Sales (1948), Le Diable et le Bon Dieu (1951), Saint Genet, comédien et martyr (1952), Les Séquestrés d'Altona (1959), Critique de la raison dialectique (1960), Les Mots (1964), L´idiot de la famille: Gustave Flaubert (1971-5).

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Fonte:História por Voltaire Schilling 

Disponível em:http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2005/06/21/000.htm