JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER Lutador pela independência do Brasil: 1746-1792 QUANDO TUDO ACONTECEU... 1746: Nasce em Pombal, distrito de S. José d’el Rei (hoje Tiradentes), Minas Gerais; os pais são Domingos da Silva Santos, nascido em Portugal, e Maria Antónia da Encarnação Xavier, nascida na Vila de São José d’el Rei (Brasil). - 1755: Morre Maria Antónia; o viúvo e os órfãos mudam-se de vez para a Vila de São José. - 1757: Órfão de pai. - 1780: Arregimenta-se como soldado. - 1781: É promovido a Alferes. - 1786:A mando do governador da capitania de Vila Rica, leva brilhantemente a cabo estudos demográficos, geográficos, geológicos, mineralógicos - quer de aplicação civil, quer militar. - 1788: Envolve-se na Inconfidência contra a Coroa portuguesa - 1789: Como conspirador, é preso no Rio de Janeiro. - 1792: É enforcado em praça pública e depois esquartejado. 1789, Rio de Janeiro. A 1 de Maio aparece na cidade o coronel Joaquim Silvério. Logo trata de visitar - e com que frequência – o conde de Resende. No dia 2, grande azáfama. Cubículos especiais são mandados construir nalgumas das piores prisões. A sua guarda pessoal passa a ser constituída exclusivamente por portugueses. Dois granadeiros são encarregados de vigilância extraordinária. Informações sobre as origens de todos os seus soldados são solicitadas com urgência – estes são portugueses, aqueles são brasileiros.... Os granadeiros vigiam Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, por causa do ofício que aprendera com o padrinho. Agora é alferes do Regimento pago por Vila Rica, Minas Gerais. Andava a procurar gente que o ajudasse a libertar o Brasil através duma conspiração abominável. Sabedor de tal crime, o governador de Minas havia encarregado o Coronel, amigo do suspeito, de seguir seus movimentos e comunicar seus achados directamente ao Vice-Rei. Tiradentes sonha. Ao ajudante de artilharia Nunes Cardoso, proclama: - Esta terra há ser um dia maior que a Nova Inglaterra! Mas as suas riquezas só as poderemos alcançar no dia em que nos libertarmos do jugo dos portugueses para sermos os senhores da terra que é nossa. Nunes Cardoso empalidece. Roga-lhe que nunca mais se refira a tais assuntos… Mas Tiradentes não desiste. Pede a várias pessoas que lhe traduzam livros políticos ingleses, também a Declaração da Independência americana. Alguns dos livros têm até referências elogiosas à República… Em Vila Rica, na casa de João Rodrigues de Macedo, chegara mesmo a exibir a lista, por ele levantada, dos habitantes da capitania e comentara: - Têm Vossas Mercês aqui todo este povo açoitado por um só homem, e nós todos a chorarmos como negros – ai, ai... E de três em três anos vem um, e leva um milhão; e os criados levam outro tanto; e como hão-de passar os pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado! Os amigos pedem-lhe que pare. Além disso, tens estado a ser seguido por dois granadeiros, informam-no. Tiradentes primeiro pensa liquidá-los. Depois opta por regressar mais depressa a Minas, quem sabe se na mira de precipitar o golpe... Pede um bacamarte emprestado e inicia os preparativos para a fuga. Mas, vigiado como anda, logo se apercebe que é impossível fugir. Esconde-se. Em anterior viagem, havia curado a chaga cancerosa no pé da filha duma viúva. Pede-lhe ajuda. O decoro manda que não alberguem homem em casa. Tiradentes, por sua recomendação, vai para casa do ourives Domingos Fernandes, guiado pelo Padre Inácio Nogueira, sobrinho da viúva. Aí entra no dia sete de Maio pelas dez da noite. O desaparecimento de Tiradentes provoca pânico entre os adversários. Na manhã do dia oito pede ao Padre que visite o coronel Joaquim Silvério, que continua a julgar seu amigo. O delator, que periodicamente envia relatórios escritos ao Vice-Rei sobre as actividades do amigo, finge-se preocupado. Quer saber do paradeiro de Tiradentes para poder ajudá-lo... Mas o Padre é jesuíta, contorna a inquirição, afirma não morar na Corte. Silvério não desarma e, ao encontrar na rua, no dia seguinte, outro clérigo, pergunta pelo Padre Inácio. - Tenho bom negócio a propor-lhe. O outro cai na esparrela e eis o Padre Inácio arrastado para o palácio do Vice-Rei. Pessoa comum, não resiste às ameaças, inclusivamente de morte. A teia começa a ser tecida. Na segunda metade do século XVIII, do Rio de Janeiro para Norte, o processo económico dominante é a monocultura agrária sustentada pela mão-de-obra escrava, uma espécie de feudalismo tardio importado da Europa. Já no Centro, em Minas Gerais, que tanto aqui nos interessa – mas também em Mato Grosso - a presença de ouro e diamantes, recentemente revelada, produz outro tipo de sistema económico. S. Paulo era a província em que mais tomara forma uma população brasileira autêntica, pronta a tomar posse de tudo a que pudesse lançar mão, mineral, vegetal, mineral ou… humano. Depressa irrompem por Minas e Mato Grosso e não viram a cara ao confronto com aqueles que se lhes opõem. Assim, em 1708, no Rio das Mortes, chacinam osemboabas. Este é a alcunha tupi que dão aos reinois, pois emboaba quer dizer galinhaou pinto calçudo, evocação sarcástica das botas de cano alto usadas pelos portugueses que vinham da Metrópole para sacar e enviar para Lisboa o ouro do Brasil. A cidade principal da capitania é Vila Rica, vinte mil habitantes, luxo, esbanjamento, aventura, sangue. E a nova situação afecta os mercados do Norte, pois claro, que "isto anda tudo ligado". O preço dos negros sobe em flecha nos mercados de escravos. Tanto basta para que, no Reino, os poderosos imponham as suas vontades: esse ouro pertence à Metrópole e não à colónia de onde é extraído. Se necessário, não terão pejo em recorrer à força. Porém, o tempo é amigo da distância e esta é irmã do desrespeito. Os escravos são na mesma trocados por ouro, através da Baía. As trocas comerciais estimulam o aparecimento de novas necessidades e consequentemente alarga-se o leque das ofertas. A sociedade prospera. Em Minas, mas também em S. Paulo, há grandes feiras. Rasgam-se caminhos para Sul, sedimenta-se o território. O gado vem do Rio Grande, quer para o abate, quer para a produção leiteira. A repressão aumenta, ciclo vicioso. Novas leis ditando os direitos da Coroa sobre o ouro. Igualmente visando pôr fim ao contrabando. A revolta cresce e nessa revolta começa a germinar uma ideia: nacionalidade. Como todas as ideias tem uma história. E um precursor. Que tem nome, claro: Filipe dos Santos. Os vultos assomam às janelas. Os mais afoitos saem à rua, timidamente, olham de longe, falam baixinho. Uma centena de soldados comandados pelo Alferes Francisco Pereira Vidigal, impede o trânsito no quarteirão onde fica a casa do ourives Domingos Fernandes, contratador e marcador de prata. O cerco aperta-se. A casa parece deserta. Um soldado informa que um homem se escondeu no sótão com uma arma na mão. Vidigal, incerto, acaba por mandar forçar a entrada. Irrompe no sótão, rodeado por dezenas de soldados. O homem olha-os de frente mas não reage, não fala. Entrega-se. Veste o dólman. Põe o chapéu. - Que pretendia fazer com o bacamarte? - Resistir, mas são tantos… As contas do Rei são fáceis: seu, é um quinto de todo o ouro brasileiro. Não admira que aumentem as confrontações entre brasileiros e portugueses. Os resultados são variáveis. Se no Rio das Mortes quem leva a melhor são os paulistas, no Caeté vira-se o feitiço. Braz Baltazar da Silveira, governador desde 1713, passa a cobrar outros impostos além do quinto, as chamadas taxas de entrada. E, porque o Rei supunha ser na mesma enganado, para garantir o quinto, cobram-se dez oitavas de ouro por bâtea. O governador tenta um acordo que o Rei reprova. Nova tentativa resulta num compromisso. Para além duma redução nos outros impostos e taxas, em vez do quinto passarão as capitanias a arrecadar trinta arrobas de ouro e a enviá-las para o Reino. O governador inclui no acordo uma cláusula que virá a tornar-se importante: autorizações para decretar derramas (para garantir mesmo as trinta arrobas) e para criar novos impostos quando quisesse. E isso acontece mesmo. Antes do(s) acordo(s), é a revolta do Rio Vermelho. Depois, as de Vila Rica, de Pitangui, do Rio das Velhas. Instabilidade. Entra em cena governador novo em 1717, o conde de Assumar. Agitação. O Conde propõe reduzir a taxa para vinte e cinco arrobas, mas todos os impostos vão para a Coroa por inteiro, nada fica no Brasil. O Rei ainda não está satisfeito e manda construir quatro fundições em Minas, que devem tratar todo o ouro e mandar vinte por cento do total fundido para a Metrópole. O quinto, o famigerado quinto... No século XX, no Brasil, dir-se-á ainda, os quintos do Inferno... Para piorar as coisas, manda o Governador que não mais se use o ouro em pó, até aí areal, apesar de não ser a Real, moeda. Revolta. A de Vila Rica é a mais importante. O Conde de Assumar assina o acordo. O povo festeja. A mando do Governador, os soldados praticam violências e saques. Prendem também os chefes do movimento, que são enviados para Lisboa, condenados e presos. Filipe Santos é o chefe popular. Sabendo que não pode recuar, incita as massas contra o opressor, libertem os prisioneiros, rompam-se as amarras com a Metrópole! É preso, julgado e enforcado. O cadáver é preso a um cavalo que lançam a galope. Sangue e morte. E a encenação virá a repetir-se. Nasce por volta de 1746, em Pombal, distrito de S. José d'el-Rei. Os pais são Domingos da Silva Santos (português) e Maria Antónia da Encarnação Xavier, nascida em São José (Brasil). Aos nove anos fica órfão de mãe e muda-se, com seu pai e irmãos, para a sede da Vila (São José d’el-Rei). Aos doze anos fica órfão de pai, ficando a morar com suas tias na Vila. Um dos seus irmãos chega a capitão. Mas é com outros dois, padres, que Tiradentes se instrui. A letra é desembaraçada, vê-se que escreve, mais ainda por que não o faz com erros. Tudo quer saber e, não tendo uma educação ortodoxa, a verdade é que é dentista, médico e engenheiro de sucesso. Não tem jeito para o comércio, é verdade, nem como vendedor ambulante, nem depois como minerador (apesar dos seus vastos conhecimentos de mineralogia). Para se aferir do grau de incultura reinante basta dizer que, pretendendo elogiar os seus conhecimentos de mineralogia, o governador Luiz de Menezes afirma que ele tem uma grande inteligência "meneira lógica"). E no entanto, marca passo. No exército, é sistematicamente preterido nas promoções. E os portugueses, mesmo os da pior qualidade, lá vão subindo, paulatinamente. Receios das hierarquias… Ouro e diamantes. Destes confirma-se que valem uma fortuna pela peritagem holandesa. Logo, o monopólio pela Metrópole. A zona de Rio Frio, conhecida pelo Distrito Diamantino, vive quase em estado de guerra tal é a repressão, o rigor no controlo. Nada escapa à voracidade da Metrópole. Consequência directa: o aumento do contrabando. E é no contrabando que vai ganhando forma a ideia nacional, pois não é ele, por excelência, o meio de luta contra a Coroa? Tanto quanto as armas vale a criação duma verdadeira economia regional. Para mais, este fenómeno do contrabando não é tipicamente brasileiro, nem sequer latino-americano, nem apenas exclusivo da época… "Está mais ou menos generalizada no Brasil a ideia de que a Inconfidência foi só um movimento de protesto contra a derrama que o governo português mandou fazer em 1789, a fim de recolher na capitania, dum modo violento, as quinhentas e vinte e oito arrobas de ouro de que se julgava credor. Isso não é verdade. A notícia de que a derrama se aproximava contribuiu, é claro, para agravar a situação e apressar o trabalho dos conspiradores, mas a ideia da conspiração - ou da revolução, pode-se mesmo dizer - vinha de mais longe e tinha razões mais complexas. "A Inconfidência não pretendia apenas libertar Minas e o Brasil do jugo da Metrópole. Queria - e isto é o que precisa ficar bem claro - formar aqui uma grande nação republicana, com suas indústrias e possuindo um corpo de leis moderníssimas, de acordo com os postulados revolucionários que agitavam a França e por influência inglesa e francesa tinham já sido vitoriosos nos Estados Unidos." (Brasil Gerson, in "História Popular de Tiradentes") * * * A riqueza de Vila Rica permite a formação duma elite intelectual, homens de letras, homens de leis. Uma certa juventude desafogada estuda em França, onde bebe o fermento revolucionário. E nesse mundo os revolucionários dão-se as mãos. Kosciuzko, o libertador da Polónia, bem como Lafayette, Bouilé e Rochanbeau, heróis franceses, tornam-se heróis ianques e lutam ao lado dos fouding fathers Benjamin Franklin, George Wahington e Thomas Jefferson. Miranda, o aventureiro venezuelano, torna-se general do exército francês em luta contra ingleses, austríacos e prussianos. Abreu e Lima, brasileiro e filho de padre é, nos Andes, general de Bolívar. José Joaquim da Maia, filho de pedreiro, estuda em França a expensas do pai. Pede audiência reservada a Jefferson, então embaixador em França. Apenas tem entusiasmo para oferecer. Trocam correspondência. Apesar de tudo o amigo americano afirma que reconhecerá a independência do Brasil tão logo ela aconteça. E trocas comerciais. E ajuda no estabelecimento de industrias. Vandek (tal é o nom de guerre de José Joaquim), aproveita a troca de cartas para cimentar ideias. É o início ainda tímido do pan-americanismo. Morre sem sequer ver a Inconfidência, doente - por ironia em Portugal. Influência em Tiradentes, será muito mais directa a de José Álvares Maciel, que andava por Inglaterra enquanto José Joaquim estava em França. Os governadores sucedem-se. A turbulência social não diminui. A sangria do ouro, face às novas leis, é ainda maior. Um dos governador decreta uma dotação extraordinária de cento e vinte e cinco arrobas. Os impostos não param de aumentar, não apenas sobre a mineração. Todas as actividades económicas são sujeitas ao mesmo tratamento. Apesar de tudo, única maneira de acalmar os ânimos, chegam ao fim as casas de fundição. Curvello tenta a Revolução. Quinze conspiradores são exilados para não mais voltarem. E a partir de 1755, deixa de poder haver indústria. Os teares apenas podem fabricar tecidos para uso dos escravos. E o fisco persegue a mineração como nunca. O caos alarga. O descontentamento rebenta aqui e ali. Em 1780, Rodrigo José de Menezes é Governador que tenta rumar contra a maré. Propõe uma série de reformas que considera essenciais. O Rei propõe-se apenas contemplar a implantação do serviço postal. No dia 21 de Abril de 1792 Tiradentes é enforcado no Largo do Lampadário, no Rio de Janeiro. Dos Inconfidentes, é o único executado, serve de exemplo. O seu corpo é esquartejado. Pedaços dele são espalhados pela estrada que vai para Vila Rica. Uma gaiola com a sua cabeça é alçada a um poste cravado no centro de Vila Rica. De morte assim matada, Tiradentes morre solteiro. Deixa porém dois filhos menores, Joaquina e João. Apesar da terem declarado infame o nome do pai e o da família, João é adoptado por um comerciante. Seguirá a carreira militar. Joaquina vive com a mãe até à maioridade. Portanto pobre, afastada do mundo e de todos, privada de auxílio pelo clima de terror. Eugénia Maria de Jesus, a companheira de Tiradentes, dizem que é bonita, despretensiosa, clara, de olhos azuis. Mas a pobreza tudo mata. Tiradentes será herói e lenda, elas de nada sabem. Em 1783, o imposto relativo ao sal correspondia aproximadamente a noventa e oito por cento do seu valor de importação… Com valores destes, começa a ser pertinente investigarmos as causas desta sangria. Na origem está o célebre Tratado de Methuen, que estudamos na escola como um dos grandes feitos do Marquês de Pombal. Celebrado em 1703 entre Portugal e a Inglaterra, acordava no seguinte: em troca dum abatimento de trinta e três e um terço por cento nas taxas aduaneiras, Portugal comprometia-se a dar à Velha Albion completa preferência às suas manufacturas, tanto na Metrópole como nas colónias. Isto, que aparece inócuo e recíproco, começa a revelar a sua verdadeira face quando nos apercebemos que o consumo de vinhos portugueses pela Inglaterra não chegava à terça parte dos produtos manufacturados importados por Portugal. Consequência: saldo descaradamente positivo para os ingleses, dívida galopante dos portugueses. Remédio: a sangria do ouro brasileiro em direcção às terras para além do Canal da Mancha. Eis a razão porque a Coroa recusa as reformas progressistas de Menezes. Portugal está absolutamente dependente da sua mais velha aliada, não pode permitir que a sua colónia lhe faça concorrência. Por outro lado, um Brasil desenvolvido criava o receio da autonomia. E sem colónias, que é Portugal? Manietado pelo Tratado, o país afunda-se, também ele impedido de produzir e portanto de manter relações de comércio normais. A Corte esbanja o ouro no fausto e na luxúria e na devoção religiosa. Mafra e o convento de Odivelas, onde a Madre Paula recebe D. João V num palácio de conto de fadas. O mesmo D. João V que manda cunhar moedas especiais unicamente destinadas a pagar às suas mulheres… O Vaticano absorve grandes doações. Tudo isto alimenta a revolta dos colonos. E, quanto ao Império Britânico, acaba por acontecer o inevitável. A colónia portuguesa passa a ser bem mais interessante que a metrópole. Tiradentes e José Álvares Maciel conhecem-se desde a infância. Quando este volta ao Brasil, logo se encontram no Rio de Janeiro e esboçam um plano de acção. Depois, José torna-se advogado de Tiradentes, que não consegue receber o soldo. Isso permite-lhes atrair o tenente-coronel Francisco de Paula. O número aumenta, mais oficiais, padres, o coronel Inácio de Alvarenga, que deixara de ser magistrado por não querer servir um governo injusto e opressor e se dedica à mineração e ao gado. Os encontros sucedem-se. Afinam-se pormenores. Tiradentes leva a sua avante: a revolução começará em Minas, pelo povo em marcha, logo seguido pela tropa. Alvarenga é a favor. Põem-se de acordo sobre "não haver levante sem degola". Quem será o escolhido? Tiradentes sugere que seja o ajudante do governador, figura sem escrúpulos e odiada por todos. Os brasileiros são já milhões de consumidores e potenciais consumidores de produtos ingleses. Um mercado a não desperdiçar. Mas para o consolidar, é preciso que se desenvolva o território e tal não acontece. O empecilho chama-se Portugal. E a Inglaterra apressa-se a, mais uma vez virar as coisas a seu favor. Napoleão invade o país, eis a oportunidade dourada. Temeroso de Napoleão, D. João V prepara a frota. Não lhe traça rumo embora se apreste a arribar à Madeira, para aí fixar provisoriamente a sede do governo. Ó doce ilusão!... Beresford, general e embaixador inglês, transmite-lhe ordens taxativas. Sem pestanejar, o rei obedece e parte no dia seguinte. Eis como vem para ao Brasil a toque de caixa, em 1808, a Corte portuguesa, incumbida de desenvolver a colónia e prepará-la para cair no colo dos ingleses. Os brasileiros olham atónitos para gente estranha, de roupas estranhas e costumes exóticos. "Mas antes da abertura dos portos não era também da Inglaterra que o Brasil importava? (…) A importação se fazia, no entanto, através de Portugal, que tinha o monopólio do comércio com as suas colónias. E é natural que um país colonizador, mas sem indústria, perca por completo suas colónias no dia em que os navios de outros países, mais ricos que ele, conseguirem frequentá-las livremente, e ainda com certas regalias aduaneiras, porque até isso os ingleses obtiveram de D. João VI, em favor da Inglaterra, contra Portugal…" (Brasil Gerson, ibid) Uns Inconfidentes resistem ao interrogatório, outros não. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. Je suis brézilien et vous savez que ma malheureuse patrie gemit dans un affreux esclavage, que devient chaque jour insupportable… (carta de José Joaquim da Maia a Thomas Jefferson, embaixador dos Estados Unidos em Paris, cerca 1786) A insurreição está marcada para quando começar a derrama. É até desenhada uma bandeira, um triângulo e os dizeres em latim LIBERTAS QUAE SERA TAMEM (Liberdade ainda que tardia). Mas os Inconfidentes começam a ficar inquietos. O Governador parece mandar indirectas a Alvarenga. O Padre Carlos de Toledo apercebe-se que se alguma coisa correu mal só pode ser por denúncia. - Mas de quem, homem de Deus? - Só pode ter sido Joaquim Silvério, por alguma razão lhe chamam Joaquim Sallieri... (evocação do Sallieri que traíra Mozart). E de facto, o Coronel Joaquim Silvério, crivado de dívidas perante a Coroa, trai os seus companheiros na Inconfidência e tudo vai delatar às autoridades portuguesas. Para suprimir o sinal para a revolta, o Governador não executa a derrama. Um vulto vestido de mulher, cabeça coberta por grande chapéu vai de casa em casa. Todos os conspiradores são avisados que Tiradentes foi preso no Rio. Um a um, são todos presos e enviados para o Rio, maltratados. Ficam por três anos presos, incomunicáveis. O desembargador e poeta Tomás António Gonzaga acabará desterrado em Moçambique. Em versos à sua musa Marília escrevera, premonições:"...mil inocentes / Nas cruzes pendentes, / Por falsos delitos, / Que os homens lhes dão." O advogado e poeta Cláudio Manuel da Costa, sessenta anos, espera menos tempo. Aparece misteriosamente morto no cubículo infecto onde o encerraram e aviltantemente interrogaram. Suicídio, dizem... Presos, uns resistem e outros não. Os três anos de sofrimento e a perspectiva da morte revelam personalidades inesperadas entre os Inconfidentes. Maciel, o teórico do movimento, depõe várias vezes e em todas elas tenta passar por inocente e atribuir todas as culpas aos outros conjurados. Que o instigador de tudo fora Tiradentes... O mesmo afirma em carta ao Governador o Tenente-Coronel Francisco de Paula. Comandante da tropa mais importante em terra brasileira, sua pena será decerto das mais severas. Alvarenga, esse, inventa. Afirma que Tiradentes é estúpido, que as reuniões dos Inconfidentes eram cenas depravadas. Em latim, lança elogios ao Governador. Como podem fazer parte da mesma história que Tiradentes? _________________________ Apêndice: Declaração da Independência dos Estados Unidos da América "Quando no curso dos acontecimentos humanos necessita um povo desatar os laços políticos que o uniram a outro, e tomar entre as nações da terra lugar aparte e igual ao que lhe dão direito as leis naturais e as do Deus da natureza, o respeito à opinião da humanidade o obriga a declarar as causas que o decidem à separação. Julgamos evidentes por si mesmas estas verdades: todos os homens nasceram iguais; estão dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos contam-se o direito à vida, à liberdade e o da procura da felicidade. Estabeleceram-se governos entre os homens para garantir seus direitos, e o poder do governo emana do consentimento dos governados. Sempre que uma forma de governo chega a ser a negação desse fim, o povo tem o direito de mudá-la ou de aboli-la e de estabelecer um novo governo, baseando-o nos princípios e organizando-o na forma que ache mais adequada para dar-lhe segurança e bem estar. A prudência ensina, na verdade, que não convém mudar por causa pequenas e passageira os governos estabelecidos de longa data, e a experiência de todos os tempos mostra, com efeito, que os homens mostram-se mais dispostos a tolerar os males suportáveis do que fazer justiça a si mesmos, abolindo as formas a que estão acostumados. Mas quando uma larga série de abusos e usurpações, que tendem invariavelmente ao mesmo fim, marca o propósito de submetê-los ao despotismo absoluto, têm o direito de rechaçar esse governo e de prover, com novas salvaguardas, sua segurança futura. Tal tem sido a paciência destas colónias e tal é hoje a necessidade que as força a mudar seus antigos sistemas de governo. A história do rei actual da Grã-Bretanha é a história duma série de injustiças e usurpações repetidas que têm por fim directo o estabelecimento duma tirania absoluta nestes Estados. Para prová-lo, submetemos os factos ao mundo imparcial. "(...) Devemos portanto ceder à necessidade que impõe nossa separação e olhá-los, com o resto da humanidade, como inimigos na guerra e amigos na paz. Em consequência, nós outros, os representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em Congresso geral, tomando por testemunha da rectidão das nossas intenções o Juiz Supremo do Universo, publicamos e declaramos solenemente, em nome e pela autoridade do bom Povo destas Colónias, que as Colónias unidas são e têm o direito de ser estados livres e independentes; que estão desligados de toda a obediência à Coroa da Grã-Bretanha; que todo o laço político entre eles e o Estado da Grã-Bretanha está, e deve ser, completamente quebrado; que, como Estados livres e independentes, têm plena autoridade para fazer a guerra, concluir a paz, contrair alianças, regulamentar o comércio e realizar todos os demais actos ou cousas que os Estados independentes têm direito a executar; e possuídos de firme confiança na protecção da Divina Providência, comprometemos mutuamente na execução desta declaração nossas vidas, nossas fortunas e o nosso bem mais sagrado: a honra". Fonte:Vidas Lusofonas Disponível em: http://www.vidaslusofonas.pt/tiradentes.htm
"o TIRADENTES"À BEIRA DO FIM...
Tiradentes incita os Inconfidentes. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. INFRA-ESTRUTURA I
A PRISÃO
INFRA-ESTRUTURA II
TIRADENTES: OS PRIMEIROS ANOS
INFRA-ESTRUTURA III
ILUMINISMOS E ILUMINAÇÃO
INFRA-ESTRUTURA IV TIRADENTES: MORTE MATADA INFRA-ESTRUTURA V
ou Cherchez la femme CONSPIRAÇÕES INFRA-ESTRUTURA VI INCONFIDÊNCIA