25.7.09

Escola construída sobre cemitério traz lições de história

Sepulturas de 103 judeus foram escavadas na construção de escola.
Exumação levantou tema da preservação de cemitérios judaicos.


Enquanto esta cidade alta e medieval cozinhava no calor da tarde, um grupo de líderes judeus se juntavam ao lado de uma sepultura cavada. Eles se abaixavam para observar pequenos montes de ossos lascados e antigos. Com orações e pedidos de perdão por perturbar a paz de mais de cem almas medievais, eles colocaram os ossos na terra avermelhada.

A discreta cerimônia, no final de junho, marcou o fim de meses de delicadas negociações entre grupos judaicos e autoridades espanholas sobre o destino dos restos mortais de 103 judeus espanhóis, cujas sepulturas foram escavadas, no ano passado, durante a construção de um edifício escolar num subúrbio desta cidade histórica.

A exumação infligiu uma condenação internacional de representantes judeus e se tornou um importante campo de batalha na busca pela preservação de cemitérios judaicos por toda a Espanha, remanescentes de uma próspera comunidade que fez de Toledo sua capital, antes de sua expulsão pelos monarcas católicos da Espanha, em 1492.

A disputa enfrentou as exigências da sociedade moderna, contra os direitos de um povo espalhado, para quem uma tumba permanente é um requisito religioso crucial. Isso gerou atritos entre grupos judeus ansiosos por proteger seu patrimônio, mas divididos sobre a forma de lidar com um governo laico.

"Toledo é central para a história judaica", disse David Stoleru, co-fundador do Centro de Estudos Zakhor, em Barcelona, um grupo de pesquisa dedicado à preservação do patrimônio judaico. "O Estado tem o dever de proteger esse legado."

"Esse assunto tem repercussões internacionais", disse Stoleru. "Não está afetando apenas a comunidade judaica na Espanha, mas a sensibilidade de um povo inteiro."

Foto: Michael Kamber/The New York Times

David Stoleru no local da construção da escola em um cemitério judaico em Toledo, em 17 de junho (Foto: Michael Kamber/The New York Times)

Origem

A controvérsia começou em setembro, quando construtoras, cavando uma nova base da Escola Azarquiel, descobriram dezenas de sepulturas. Acredita-se que elas sejam parte de um cemitério judaico do século XIII. O cemitério pode se estender para além do terreno da escola; Stoleru afirmou ter visto recentemente ossos no terreno de outro local de construção ali perto.

O governo de Castilla-La Mancha, região da qual Toledo é a capital, local de intensa movimentação turística, interrompeu a escavação e armazenou os restos mortais num museu enquanto discutia, sobre o destino do material, com a Federação de Comunidades Judaicas da Espanha, que representa 40 mil judeus espanhóis.

Representantes judeus sugeriram a construção de uma base suspensa, para ficar acima das sepulturas. No entanto, rabinos e oficiais envolvidos no diálogo disseram que isso seria difícil e custoso.

Maria Soledad Herrero, administradora da secretaria regional de cultura do governo, disse que as autoridades teriam que equilibrar as necessidades históricas com as dos alunos.

"Ninguém sabe melhor a importância do legado judaico espanhol mais que nós, aqui em Toledo", disse ela, por telefone. "Porém, não podemos colocar mil alunos para fora".

À medida que os diálogos se arrastavam, a pressão econômica cresceu. Em fevereiro, as autoridades ordenaram o reinício da construção. Em meados de junho, uma base havia sido colocada e o esqueleto de um edifício de dois andares pairava sobre o local das sepulturas.

Enquanto isso, protestos internacionais se espalharam por Nova York, Israel e Canadá. O rabino David Niederman, presidente das Organizações Judaicas Unidas de Williamsburg, no bairro do Brooklyn, em Nova York, visitou a Espanha para protestar contra a exumação – que ele alegou ser equivalente a uma segunda expulsão de seu povo. Milhares de judeus ortodoxos vestidos de preto se uniram num hotel no Brooklyn em maio último, para lamentar o sacrilégio.

Finalmente, no dia 18 de junho, as partes concordaram em enterrar os restos mortais próximos às sepulturas originais, mas fora da área de construção.

Dalia Levinsohn, secretária-geral da Federação de Comunidades Judaicas da Espanha, saudou o acordo como a melhor solução disponível e rebateu críticas de grupos defensores de uma postura mais rígida.

"Fizemos o que pudemos", disse ela, por telefone. "Se fizermos um estardalhaço, da próxima vez que alguém encontrar restos mortais, não vão nos dizer uma palavra sobre isso."

Foto: Michael Kamber/The New York Times

Tumbas em uma das duas sinagogas medievais de Toledo (Foto: Michael Kamber/The New York Times)


No entanto, o simbolismo de Toledo fez do episódio um precedente importante e preocupante, afirmam preservacionistas e líderes religiosos.

"Não é um exemplo que queremos repetir", disse o rabino Moshe Bendahan, principal religioso judaico da Espanha, que ajudou a intermediar o acordo. "O ideal seria não escavar o lugar".

Preservação

Representantes religiosos em Toledo afirmam que a cidade deveria aproveitar o ressurgimento do interesse no passado judaico espanhol para promover o entendimento. A cidade, que abriga duas das três últimas sinagogas medievais da Espanha, mas basicamente não tem judeus praticantes em sua população, mostra sua história: suas ruas de pedras são alinhadas com lojas que vendem espadas, cerâmicas e figurinos medievais, e um pequeno bonde cheio de turistas percorre seus monumentos.

O governo regional mostrou disposição para sacrificar a construção moderna em nome da preservação de sítios históricos: há três anos, interrompeu os planos de uma empreiteira particular de construir 1.300 apartamentos em Toledo, depois que as escavações revelaram uma cidade visigótica. O local, com 85 hectares, é hoje protegido e planeja-se transformá-lo em museu e centro de pesquisa.

Toledo não é, nem de longe, a primeira cidade a enfrentar controvérsias envolvendo sepulturas judaicas na Europa, onde preservacionistas têm combatido exumações de Praga a Vilnius, na Lituânia. Os restos mortais de mais de 150 pessoas foram exumados de um cemitério medieval em Tarrega, região da Catalunha, há dois anos, e re-enterrados num cemitério de Barcelona.

Por outro lado, as notícias não são sempre negativas: em maio, o governo regional da Catalunha declarou o cemitério judeu em Mont Juic, em Barcelona, patrimônio cultural.

Levinsohn disse que a federação procuraria assinar protocolos com os 17 governos regionais da Espanha para melhor proteger os cemitérios judaicos. Segundo a lei espanhola, quando restos humanos antigos são descobertos, eles são exumados e armazenados para estudos arqueológicos. Judeus preservacionistas disseram que a Espanha também deveria identificar e mapear o que líderes judeus acreditam se tratar de centenas de cemitérios não-identificados.

Para Stoleru, a questão das sepulturas judaicas levanta questões sobre como a Espanha moderna e laica se reconcilia com capítulos obscuros de sua história, como a expulsão e conversão forçada de milhares de judeus e muçulmanos durante a Inquisição.

"Precisamos refletir muito mais profundamente sobre a expulsão e usar a história para basear nossas ações diárias", disse ele. "O legado judaico na Espanha não deveria ser uma peça de museu. Deve ser uma ferramenta para o ensino da tolerância e da diversidade."


Fonte:G1