São poucos os registros biográficos, mas não é difícil imaginar que, ao pôr os pés no Brasil, um estupor tenha tomado o francês Auguste François Marie Glaziou (1833-1906). No país, o paisagista e botânico europeu encontrou matéria-prima em abundância para seu ofício. Em troca, criou belos jardins públicos na capital do Império e, durante expedição ao planalto central, propôs pela primeira vez a criação de uma represa artificial para amenizar o ar seco da região. Glaziou é o pai do Lago Paranoá, concretizado na construção de Brasília.
No entanto, é o Rio de Janeiro que abriga a maior parte do legado do paisagista. “Glaziou tinha um relacionamento próximo com D. Pedro II e participou ativamente da modernização da cidade durante a segunda metade do século XIX”, afirma Ana Pessoa, diretora do Centro Memória e Informação da Casa de Rui Barbosa. Em parceria com a Biblioteca e o Arquivo Nacional, a instituição realizou o projeto ‘Glaziou – O paisagista do Império’, que reúne diversas informações sobre o botânico em um site.
Apesar de atuar também no interior do estado do Rio de Janeiro, suas três principais obras encontram-se na capital: Passeio Público, Quinta da Boa Vista e Campo de Santana. Glaziou foi o responsável por reformas nos parques, que passaram a exibir o traçado romântico dos jardins ingleses, assimétricos, repletos de curvas, canteiros elevados e lagos.
“O Campo de Santana era o mais degradado dos três locais, mas depois da reforma passou a ser algo como o nosso Central Park. Nos ano 40 do século XX, porém, cerca de um terço do parque foi cortado para a criação da Avenida Presidente Vargas”, comenta Ana. Hoje, o Campo de Santana abriga a sede Fundação Parques e Jardins, que já teve Glaziou como diretor e, hoje, o tem como patrono.
A reforma do Passeio Público ilustra bem o estilo de Glaziou. No lugar do traçado geométrico de Mestre Valentim, que projetou o parque em 1783, o paisagista francês trouxe os caminhos sinuosos que marcam o local até os dias atuais. Representante da Fundação de Parques e Jardins, Cláudia Brack afirma que “por tempos, o Rio teve dois Jardins Botânicos, pois o Passeio Público também era assim considerado por ser local de aclimatação de diversas plantas”.
Ao contrário dos demais parques, a Quinta da Boa Vista não tem um marco temporal bem definido para indicar as intervenções de Glaziou. "Provavelmente por ser a residência do imperador, as reformas na Quinta sempre tiveram um caráter aberto, de trabalho em andamento”, explica Ana Pessoa.
Reconhecida por ninguém menos que Burle Marx, que citou Glaziou como a primeira grande referência do paisagismo no Brasil, a influência do botânico francês não se restringe ao Rio de Janeiro. Segundo Márcia Nogueira, da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, são muitas as semelhanças entre os trabalhos de Glaziou e parques de outras cidades, como o Moscoso, localizado na capital do Espírito Santo.
“Sua importância para o paisagismo brasileiro foi tamanha que é difícil de separar o que foi sua obra e o que só tem sua influência”, diz Carlos Fernando, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Pioneiro no estudo de jardins históricos no Brasil, Carlos afirma ainda que foi firmada recentemente uma parceria com a Universidade de Brasília para a realização de uma publicação sobre o tema que estuda há três décadas. |