A relação entre filosofia, ciência e educação é uma questão colocada não pela ciência, mas pela filosofia e pela reflexão ética. E, uma vez que um dos pressupostos para que se desenvolva a ciência, a tecnologia e ocorra o próprio desenvolvimento humano, se faz necessária a escola e todo o processo educacional. Daí que, como uma das formas de melhor compreender o processo científico se faz necessário compreender o processo educacional. O processo educacional e escolar pode ser visto como base do e para o desenvolvimento da Ciência.

Diz o professor Schweder que a partir da segunda metade do século XX, em presença dos grandes avanços científicos e tecnológicos era comum este tipo de afirmação: "as coisas que cercam o dia-a-dia do homem passam por uma série de mudanças bruscas e violentas. A revolução técnico-científica é a causa dessas mudanças. Hoje muitas pessoas se lembram ainda da sua infância e de quando não havia aviões, televisão, etc. Essas mesmas pessoas, agora, usam sofisticadíssimos aviões supersônicos, utilizam a energia gerada por centrais hidro-termoelétricas e, sob forte emoção vêem – via satélite – os acontecimentos mundiais em imagens coloridas veiculadas pela televisão" (Schweder, 1990, p.159).

Chama a atenção, no comentário do professor, a estupefação das pessoas diante dos avanços da época: avião supersônico, televisão colorida e via satélite. Noutras palavras, a rapidez permitida pela tecnologia. Realmente, aconteceram muitas conquistas científicas e tecnológicas, além dessas mencionadas. E todas elas trouxeram mais conforto para o homem. Se não para todos ao menos para aqueles que podem pagar por elas. Seria interessante saber o que diriam aquelas mesmas pessoas, com aquela mesma mentalidade, diante dos avanços que hoje se assiste, quando a clonagem já é realidade, o mundo e os conhecimentos não só estão acessíveis "vias satélites" , como se pode interagir com eles, pela Internet; como reagiriam as pessoas de outrora ao se confrontar com o mundo do conhecimento disponível dentro dos lares, 24 horas por dia, em nosso século?

Exemplo desse incrivelmente rápido avanço foi uma propaganda de um banco (na segunda metade dos anos 90), quando uma criança tira os pais dos apuros em que se encontram com o aparelho de CD e do computador. A agência de publicidade, para dar mais credibilidade ao banco, coloca na boca da criança salvadora a expressão: "como é que vocês viviam antes de eu nascer?" A criança do início de século XXI utiliza mais tecnologia do que os adultos já tiveram ao longo de décadas de vida. A geração Internet tem mais acesso aos avanços da tecnologia do que a geração coca-cola. E isso gera, além de mentalidade diferente, formas diferentes de agir. Novamente nos colocamos com questões não só de avanço científico-tecnológico, mas ético-educacionais.

A partir do momento em que se fez homem, o animal racional sempre gerou tecnologia. Aliás, o homem se fez homem por que desenvolveu técnicas para sobreviver: domesticou plantas e animais; construiu diferentes formas de habitação; quebrou pedras para utilizar os cacos, usou o fogo, a roda, e os metais; inventou a escrita, a imprensa, a televisão, a energia atômica... Por isso podemos dizer que o grande motor da evolução tanto filosófica quanto científico-tecnológica é o emaranhado de problemas, as crises, as dificuldades. Quanto mais problemas enfrentou, mais o homem desenvolveu ciência e tecnologias. E fez isso não só por ser humano, mas se fez, cada vez mais humano, por que foi capaz de acumular e transmitir as informações e conhecimentos acumulados. Em síntese, aprimorou-se ao aprimorar o processo de transmissão de informações no que chamamos de ensino/educação.

Os ser humano desenvolveu-se e se desenvolve ao fazer filosofia e ciência. Mas também porque desenvolveu mecanismos não só de acumular informações, mas de transmitir as informações. A capacidade interrogativa/perguntante se aliou à capacidade de transmitir os conhecimentos. Estamos, portanto num mundo que necessita e produz ciência e filosofia, mas que depende do processo educativo:

Ainda o professor Schweder: "a educação hoje não é mais responsabilidade apenas da família. Por condição sine qua non no processo de desenvolvimento técnico-científico ela é extremamente valorizada nas sociedades tecnopolianas. Essa é a razão pela qual essas sociedades investem uma grande porcentagem de seu orçamento na educação, o que consequentemente, estimula, em grande escala, as pesquisas técnico-científicas". (Schweder, 1990, p.173).

A educação deixou de ser exclusividade das elites, como fora em tempos remotos e até final do século XIX, para ser uma necessidade do século virtual. Já não é mais objeto de luxo, mas necessidade operacional do mundo atual. É impossível produzir avanços sem que haja desenvolvimento educacional. Em virtude disso podemos dizer que a universalização da escolarização não se deve ao avanço das conquistas sociais, mas que as conquistas sociais se devem às necessidades do mundo técnico-científicas.

A partir desta visão, podemos dizer que da mesma forma que a razão se tornou instrumental, (Razão e conhecimento a serviço da ciência e esta a serviço da perspectiva, não só de conhecer como principalmente dominar a natureza) a educação ou o sistema escolar são instrumentais.

"Na medida em que a razão se torna instrumental, a ciência vai deixando de ser uma forma de acesso aos conhecimentos verdadeiros para tornar-se um instrumento de dominação, poder e exploração. Para que não seja percebida como tal, passa a ser sustentada pela ideologia cientificista, que, através da escola e dos meios de comunicação de massa, desemboca na mitologia cientificista" (Chauí, 2005, p. 237).

Em síntese, diante do exposto, podemos dizer que cabe à filosofia, não só interpretar a realidade, como também buscar o sentido dos comportamentos, inclusive o da ação educacional-escolar. Podemos ver que a ciência se propõe a ser instrumento de interpretação do mundo com vista em sua manipulação mediante a utilização desses conhecimentos produzidos; por seu lado os processos educacional e escolar, pretendem a manutenção do mundo, tendo em vista que se propõem a cristalizar os valores e não a quebrá-los. Dessa forma a escola acaba sendo um espaço em que as inovações da ciência são apresentadas como instrumentos e meios para produzir não transformações, mas a manutenção do sistema tal qual ele se apresenta.

Cabe à filosofia mostrar essa relação, mostrando que os avanços ocorreram não pela manutenção, mas pela ruptura. Todos os avanços sociais, políticos, econômicos ou de qualquer natureza só ocorreram mediante a negação da situação atual e estruturação de outra situação. E, em muitos casos, para ocorrer a quebra de paradigmas possibilitando o avanço se faz necessário repensar todos os critérios. O que sempre foi traumático, pois não se descartam valores gratuitamente. Daí que todos os avanços ocorrem mediante conflitos entre o novo e o atual, que passa a ser visto como velho, mas que manteve-se atual até o momento em que foi inovado

REFERÊNCIAS

CHAUÍ, Marilena Convite à Filosofia. 13 ed. S. Paulo: Ática, 2005,

SCHWEDER, Sérgio. Filosofia e Tecnologia. In. OLIVEIRA, A. Sarafin de, et al. Introdução ao pensamento Filosófico. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1990.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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