9.5.12

Graciliano Ramos








Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo, Alagoas, em 27 de outubro de 1892. Fez apenas os estudos secundários em Maceió. Após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, fixa-se em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas; jornalista e político, chega a exercer o cargo de prefeito da cidade. Estréia em livro em 1933, com o romance Caetés; nessa época trabalha em Maceió, dirigindo a Imprensa Oficial e a lnstrução Pública, e trava conhecimento com José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Jorge Amado. Em março de 1936 é preso por atividades consideradas subversivas sem, contudo, ter sido acusado formalmente; após sofrer humilhações de toda sorte e percorrer vários presídios, é libertado em janeiro do ano seguinte. Essas experiências pessoais são retratadas no livro Memórias do cárcere. Em 1945, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas e a volta do país à normalidade democrática, Graciliano filia-se ao Partido Comunista Brasileiro, o qual integra até 1947, quando o partido é novamente considerado ilegal. Em 1952 viaja para os países socialistas do Leste Europeu, experiência descrita em Viagem. Falece no Rio de Janeiro, em 20 de março de 1953.
Graciliano Ramos é hoje considerado por grande parte da crítica nosso melhor romancista moderno. Além disso, é tido como 0 autor que levou ao limite o clima de tensão presente nas relações homem / meio natural, homem / meio social, tensão essa geradora de um conflito intenso, capaz de moldar personalidades e de transfigurar o que os homens têm de bom. Nesse contexto violento, a morte é uma constante; é o final trágico c irreversível, decorrente de relacionamentos impraticáveis. Assim, encontramos suicídios em Caetés e São Bernardo, um assassinato em Angústia e as mortes do papagaio e da cadela Baleia em Vidas Secas.
Em seus romances, a lei maior é a da selva. Portanto, a luta pela sobrevivência parece ser o grande ponto de contato entre todos os personagens. Em conseqüência, uma palavra se repete em toda a obra do escritor: bicho, ou ainda, como no início de Vidas secas, viventes, aqueles que só têm uma coisa a defender - a vida:
"Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto."
As condições subumanas nivelam animais e pessoas. Pensemos um pouco nessa curiosa "família": dois humanos adultos, identificados apenas pelos nomes Fabiano e Sinhá Vitória (eles não têm sobrenome), dois humanos infantis sem nome, identificados como "o mais velho" e "o mais novo", e dois bichos - o papagaio e a cachorra Baleia -, um identificado pela espécie, outro pelo nome próprio. O papagaio é sacrificado, devorado canibalisticamente, em nome da sobrevivência dos demais; a cadela Baleia também é sacrificada em nome da sobrevivência dos demais - doente, ela atrapalhava a caminhada da família.
A tensão permeia toda a obra de Graciliano Ramos: evolui de Caetés até Vidas secas, num crescendo que passa por São Bernardo e Angústia. Acentua-se ainda mais na passagem da ficção à realidade, atingindo o ápice no livro em que relata suas experiências na cadeia, o qual, entretanto, ultrapassa o plano pessoal para retratar o Brasil em importante momento histórico, quando a convivência homem / meio social torna-se impossível. A obra é universal se considerarmos que descreve as humilhações sofridas por todos os prisioneiros políticos na ausência de um estado de direito.
O crítico Antonio Candido divide a obra de Graciliano em três categorias:
a) Romances narrados em primeira pessoa (Caetés, São Bernardo e Angústia), nos quais se evidencia a pesquisa progressiva da alma humana, ao lado do retrato e da análise social.
b) Romance narrado em terceira pessoa (Vidas secas), no qual se enfocam os modos de ser e as condições de existência, segundo uma visão distanciada da realidade.
c) Autobiografias (Infância e Memórias do cárcere), em que o autor se coloca como problema e como caso humano; nelas transparece uma irresistível necessidade de depor.
E o crítico conclui:
"(...) no âmago da sua arte,há um desejo intenso de testemunhar sobre o homem, é que tanto os personagens criados quanto, em seguida, ele próprio, são projeções deste impulso fundamental, que constitui a unidade profunda dos seus livros."
Graciliano Ramos é autor de enredos que envolvem a seca, o latifúndio, o drama dos retirantes, a caatinga, a cidade. Seus personagens são seres oprimidos, moldados pelo meio - Luís da Silva, pela cidade; Paulo Honório e Fabiano, pelo sertão. E, dentro das estruturas vigentes, não há nada a fazer a não ser aceitar a força do "inevitável". Daí Rolando Morel Pinto, em brilhante tese sobre o autor, afirmar que as construções de Graciliano Ramos acabam sempre em palavras de sentido negativo e, principalmente, na palavra inútil:
"Parece que, dentro da posição pessimista e negativista do autor, segundo a qual as pessoas nunca fazem o que desejam, mas o que as circunstâncias impõem, gestos, intenções, desejos e esforços, tudo se torna inútil."
A única saída seria mudar as estruturas e o sistema que geram Paulo Honório e sua ambição, o burguês Julião Tavares e os prepotentes soldados amarelos, estes últimos símbolo da ditadura Vargas.
Do ponto de vista formal, Graciliano Ramos talvez seja o escritor brasileiro de linguagem mais sintética. Em seus textos enxutos, a concisão atinge seu clímax: não há uma palavra a mais ou a menos. Trabalha a narração com a mesma mestria, tanto em primeira como em terceira pessoa.