Nascido no dia 12 de setembro de 1902, na cidade mineira de Diamantina, Juscelino Kubitschek de Oliveira veio a consagrar-se como um dos maiores presidentes da história do Brasil. Durante seu curto mandato, de 1956 a 1961, ele mudou a face do país, orientando-a para o mundo moderno. Promoveu a indústria, o transporte, a eletricidade e o consumo de massas, coroando a sua administração, sempre com otimismo e bom humor, com a construção de uma nova capital, Brasília. Cidade universalmente apontada como um dos símbolos dos nossos tempos e compromisso irreversível do Brasil para com o futuro. Ninguém como ele, fez tantas coisas em tão pouco tempo.
O Brasil nas vésperas de JK
O país então era ainda uma imensa fazenda, vindo da exportação de café, de algodão, de açúcar, de tabaco, de couros e de cacau. Desde a revolução de 1930, Getúlio Vargas, sempre amparado num estado forte, vinha aos poucos mudando o perfil econômico do pais, investindo em siderurgia e, depois, no seu segundo mandato (1951-54), na Petrobrás, visando alcançar a maior autonomia econômica possível. Em 24 de agosto de 1954 deu-se, porém, a grande tragédia. Acossado violentamente por seus inimigos, Getúlio Vargas suicidou-se no Palácio do Catete. O Brasil, em choque, caiu em fúria e em lágrimas. A muito custo a ordem constitucional foi mantida e, nas eleições de outubro de 1955, Juscelino Kubitschek de Oliveira, ex-governador de Minas Gerais, da coligação PSD-PTB, foi eleito por um apertada margem de votos (3.077.411, ou 33,8% dos sufrágios). Fato que deu margem a que a oposição udenista (da UDN, partido conservador anti-getulista) iniciasse manobras tentando impedir a posse do novo presidente. Situação que somente foi resolvida por um golpe militar preventivo desencadeado pelo Movimento 11 de novembro de 1955, pelo General Henrique Teixeira Lott, Ministro da Guerra. Homem-forte que, desde aquela ocasião, garantiu a normalidade constitucional dos cinco anos de governo Kubitschek.
O Plano de Metas
Empossado no dia 31 de janeiro de 1956, Juscelino quase que de imediato, em fevereiro mesmo, apresentou a nação o seu Plano de Metas. Tratava-se de um ambicioso projeto de, com auxilio do capital estrangeiro, transformar o Brasil numa nação industrializada no mais rápido espaço de tempo possível, justificando assim a sua promessa de campanha de fazer “50 anos em 5”. Esta decisão vinha de tempos, desde que Juscelino, deputado federal, visitara os Estados Unidos em 1948. Sentiu lá com seus próprios olhos, que o Brasil não poderia mais continuar preso à produção agrícola, fazendo de tudo para mudar a sua face. A nação que ele herdou era extremamente pobre. Em 1950, 10 milhões de brasileiros dedicavam-se a agropecuária, de quem outros mais 20 milhões dependiam. Na cidade, ativos no comércio, nos serviços e na indústria, concentravam-se outros 21 milhões, ganhando salários baixíssimos. Tudo isso fazia com que 60% da população vivesse no campo e somente 40% nas áreas urbanas. O Produto Bruto Nacional não ultrapassava 7 bilhões de dólares e a renda per capita era de 137 dólares. Logo, o projeto desenvolvimentista que ele abraçou, visava alterar aquele estado de coisas, afinando-se assim com a elite intelectual de sociólogos e economistas, como Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos e Cândido Mendes, que concentravam-se no ISEB e que defendiam um desenvolvimento autônomo.
As 31 metas
Energia (metas de 1 a 5) | Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo |
Transportes(metas de 2 a 12) | Reativar estradas de ferro, estradas de rodagem, portos, barragens, marinha mercante e aviação |
Alimentação(metas de 13 a 18) | Trigo, armazenagem e silos, frigoríficos, matadouros, tecnologia no campo e fertilizantes |
Indústrias de base (metas 19 a 29) | Alumínio, metais não ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha, exportação de ferro, industria de automóveis e construção naval, maquinas pesadas e material elétrico. |
Educação (meta 30) | |
Brasília (meta 31) | Construção de uma nova capital no Planalto Central, a meta-síntese |
Partidos, militares e interesses
O Plano de Metas, concentrando recursos internos e externos, fez por merecer a aprovação dos partidos de sustentação do governo, tanto do PTB como do PSD. O PTB, porque a expansão da industria ajudaria os trabalhadores, dando-lhes emprego e melhores salários, reforçando-lhes a posição na sociedade via sindicatos. O PSD, especialmente a facção composta pela burguesia industrial, via na politica juscelinista a ampliação do mercado e da abertura de novas oportunidades, enquanto os militares sentiam que o crescimento do parque fabril reforçaria o poder econômico nacional e, por conseguinte, o das Forças Armadas em geral. A oposição udenista, naquelas circunstâncias, reservou-se a função de denunciar “a corrupção” e os gastos excessivos, inflacionários, que tal programa implicava. Mas evidentemente a reação ao projeto juscelinista foi muito maior, com incessantes críticas ao desperdício de se colocar dinheiro numa nova capital, ou de dar muita ênfase na acolhida do capital externo, o que feria os brios dos nacionalistas mais exaltados.
A geografia de Juscelino
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Hidroelétrica de Furnas |
Os impressionantes recursos mobilizados pelo presidente Juscelino, empréstimos, investimentos, incentivos, etc... tiveram três destinos geográficos bem precisos. Aqueles que estimulavam a implantação de fábricas, particularmente as montadoras de automóveis (todas elas comprometidas em nacionalizar o mais breve possível as autopeças e outra matérias primas), foram canalizados para as cidades do ABC, no Estado de São Paulo, devido a sua tradição industrial e volume do seu mercado, o maior do Brasil. Para Brasília, construída no Planalto Central, no Estado de Goiás, foram as inversões para a construção das grandes obras do governo e, por fim, com a fundação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), em 1959, deslocaram-se os recursos para fomentar e diversificar a produção da região. Ficaram de fora da geografia juscelinista, os estados situados mais ao extremo, o Rio Grande do Sul e os da Amazônia.
Brasília, a capital da esperança
A promessa de erigir uma nova capital no Planalto Central, chamada ao estilo da época de NOVACAP, surgira durante a campanha eleitoral. Era a oportunidade de mudar o destino geográfico do Brasil, esparramado há 450 anos pelo litoral atlântico. Os imensos espaços da hinterlândia brasileira, o sertão bravio, milhões de quilômetros quadrados, estavam praticamente abandonados, e assim permaneceram por séculos, tratado com indiferença ou descaso por todas as administrações. Determinada a transferência da capital federal pela Mensagem de Anápolis, de 18 de abril de 1956, a construção de Brasília, fixada no prazo de 3 anos e 10 meses, iria modificar tal situação. A fantástica cidade futurista, erguida no meio do cerrado goiano, seria a nova catalisadora das energias nacionais. A máquina administrativa estatal ao sair do Rio de Janeiro, onde se encontrava fazia dois séculos, deslocando-se para o centro do Brasil, produziu um enorme choque na região. Foi como se por lá caísse um meteorito de espetaculares proporções. Numa sentada, foram atraídos para suas proximidades milhares de trabalhadores (os candangos) e transferidos mais de 5 mil funcionários públicos. E, com eles empreendimentos agropecuários, comerciais, minerais, e financeiros de toda ordem.
Um pássaro no Planalto Central
O que era um deserto adquiriu vida. O projeto de Lúcio Costa, um dos maiores urbanistas do país - uma planta de um enorme pássaro com asas abertas (dividias em Norte e Sul) pronto para alçar vôo -, infundiu no povo brasileiro uma sensação de esperança como há muito não era possuído (daí o escritor André Malraux, ao visitá-la, chamá-la de “ a capital da esperança”). Espaço amplíssimo que imediatamente foi ocupado pelas espetaculares edificações saídas da prancheta do genial Oscar Niemeyer, um discípulo de Le Corbusier, tido como um dos pais da arquitetura moderna. De imediato, a bela cidade tornou-se um centro irradiador de progresso para todo interior do Brasil, partindo dela grandes radiais rodoviárias em direção às principais cidade brasileiras - a mais espetacular delas foi a Belém-Brasilia (1.450 quilômetros) que rasgou a floresta amazônica. Com isso, concretizava-se a integração do território nacional, unificando definitivamente o país pelas BRs, fazendo com que as diversas regiões, até então arquipélagos apartados umas das outras, pudessem, dali em diante, ligarem-se por terra e não mais pelo ar ou mar.
A revolução cultural
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João Gilberto no início da carreira |
Não sem razão, os anos JK foram entendidos como “ os anos dourados” da cultura brasileira. O clima de otimismo, de bom humor e de esperança que Juscelino transmitia - o homem era quase um mágico -, contagiou positivamente toda uma geração de músicos e artistas brasileiros. O próprio presidente, sempre que possível, cercava-se de escritores como Josué Montello, Augusto Frederico Schmidt, Autran Dourado, Carlos Heitor Cony, Pedro Nava, e tantos outros, dando exemplo do seu apreço as letras. O bairro boêmio de Ipanema, no Rio de Janeiro, como mostrou Ruy Castro, tornou-se uma usina de novidades e de experiências artísticas, musicais , teatrais, televisivas e cinematográficas. Para a nova geração de compositores brasileiros, o movimento da Bossa Nova (cujo marco foi a gravação de “Chega de Saudade” de João Gilberto, em junho 1958, na mesma dada em que JK inaugurava o Palácio da Alvorada), vinha libertar a música brasileira do derrotismo, de ser “macambúzia e sorumbática”. Afirmação disso era que o lamentoso verso de Herivelto Martins, “Não, eu não posso lembrar que te amei” , foi substituído pelo afirmativo viril de Vinícius de Morais “Eu sei que vou te amar! Por todo a minha vida eu vou te amar”.
Bossa Nova e Cinema Novo
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“Vidas Secas”, clássico do cinema novo (dir. Nelson Pereira dos Santos) |
Foi uma época de esplendor para a música brasileira em que foram revelados Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, o violonista Baden Powel, e a turma do 1º Festival de Samba Session, realizado em 22 de setembro de 1959. No cinema, o império da Cinematográfica Vera Cruz, puro lazer e entretenimento comercial, fábrica das chanchadas, entrou em declínio devido à televisão. Abriu-se então mais espaço para enfoque cinematográfico dado às questões sociais e políticas, já anunciadas no filme “Rio 40 graus” de Nelson Pereira dos Santos, em 1955, dando o ponto de partida para a emergência do Cinema Novo. Movimento neo-realista liderado por Nelson Pereira do Santos (e mais Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto), viera “para descolonizar a produção brasileira”, condicionada até então a imitar os filmes de Hollywood. Tratava-se da "libertação completa da linguagem cinematográfica de seus entraves coloniais [...]., no entender de Carlos Roberto de Souza (“A fascinante aventura do cinema brasileiro”), ato que se consagrou na máxima “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça".
A morte e a consagração de Juscelino
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Memorial JK em Brasília |
"Como poderei viver, sem a tua, sem a tua companhia"
"Peixe-Vivo", canção folclórica
Inaugurada a nova capital em 21 de abril de 1960 e encerrado o seu mandato presidencial em 1961, transmitido democraticamente o cargo para o seu sucessor Jânio Quadros (ex-governador do Estado de São Paulo), Juscelino preparava-se para um retorno ao poder quando deu-se o Golpe Militar de 1964. Cassado (era senador pelo Estado de Goiás) e preso pelos militares em 1965, submetido a um IPM (inquérito), ele foi obrigado a viver por algum tempo no exílio. Passou a alimentar a esperança de ver-se algum dia anistiado ou reabilitado para voltar a concorrer à presidência da república. Brasileiríssimo, homem de queijo com goiabada, não se sentia a vontade no exterior. Morreu isolado e desgostoso, vítima de um acidente de estrada, no dia 22 de agosto de 1976, vindo de São Paulo pela Rodovia Dutra em direção ao Rio de Janeiro. Na ocasião, seu carro abalroado por um ônibus , entre as marcas 164-165, saltou para outra pista sendo esmagado por uma carreteira. O seu caixão fúnebre, ao chegar no Rio de Janeiro, foi levado por uma enorme multidão ao aeroporto para ser embarcado para Brasília. No caminho o povo cantava o “Peixe-Vivo”, música que apreciava. Na capital que ele construíra, seu corpo foi velado sem que ninguém do regime militar se fizesse presente, mas estavam por lá umas 30 mil pessoas. Foi o maior enterro que Brasília havia visto. Desde 1981, seus restos mortais repousam no Memorial JK, situado num local privilegiado da capital federal.
Bibliografia
Baer, Werner – A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil (Editora Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1977)Benevides, Maria Victória de Mesquita – O governo Kubischek(Editora Paz e Terra, RJ., 1976)
Bojunga, Cláudio – JK, o artista do impossível (Editora Objetiva, SP., 2001)
Carone, Edgar - A República Liberal: instituições e classes sociais(Difel, SP., 1985)
Castro, Ruy – Chega de saudade: a história e as história da bossa nova (Cia das Letras, SP., 1991)
Kubitschek, Juscelino – Por que construí Brasília (Senado Federal, Brasília, 2000)
Skidmore, Thomas – Brasil: de Getúlio a Castelo (Editora Saga, RJ, 1969)
Fonte: