20.10.09

O incêndio e a destruição de Dresden

Praticamente no final da Segunda Guerra Mundial a estupenda cidade de Dresden, na Alemanha, uma referência universal da cultura barroca, foi varrida do mapa por um intenso e cruel bombardeio aéreo decretado pelos aliados anglo-saxãos. Naquela ocasião a RAF e a Força Aérea americana se rivalizaram, entre 13 e15 de fevereiro de 1945, em tocar fogo em tudo que era vivo ou representava arte. Cometeram eles, além de um ato inumano, um dos maiores crimes de lesa-cultura de todos os tempos.

Maravilhas na beira do Elba


Coube ao principe-eleitor da Saxônia August der Starke, Augusto o Forte (1670-1733), conhecido como O Cavaleiro Dourado, que naqueles tempos empunhava também o cetro da Polônia, tornar Dresden um assombro arquitetônico. A emulação para tanto viera do seu vizinho e rival Pedro o Grande, o czar da Rússia, o Cavaleiro de Bronze que, em 1703, erguera a magnifica São Petersburgo, nos pântanos do Rio Neva. Não demorou em que entre a Paris de Luís XIV e a capital do czar Pedro, nada houvesse que se equiparasse à bela Dresden, onde o grande Palácio Zwinger, em estilo barroco tardio (obra de Pöppelmann), que fazia às vezes de galeria de arte, biblioteca, museu e orfeão musical, convertera-se num centro extraordinário de ebulição cultural. Uma das suas outras maravilhas, abrigada no Palácio Real, era a
Fürstenzug, um enorme mural externo com 24 mil azulejos expostos em 102 m. que relatava a crônica dos príncipes da Saxônia - exposição que exaltava a excelência das fábricas de porcelana que atuavam no reino. Famosa igual também a Semperoper, a casa de ópera cuja celebrada acústica serviu para que Richard Wagner nela estreasse, entre 1842 e 1845, o seu Rienzi, o Navio Fantasma e o Tannhäuser, e regesse ali a Nona Sinfonia de Beethoven.

Um estilo de vida

O Zwinger de Dresden
Décadas antes de Wagner lá estabelecer-se como Kapellemeister, o chefe da orquestra real, ela já havia assumido ser a cidade protetora da escola romântica alemã quando, em 1798, por lá estiveram os irmãos Schlegel e o poeta Novalis.


Com Praga, Viena e Budapeste, Dresden com justa razão chamada de a Florença do Elba, formava no século XIX um quarteto de esplendidas cidades da Mitteleuropa, da Europa Central, onde se podia usufruir o melhor da vida. Repletas de cafés, de estupendos jardins, de academias de arte eletrizadas pelo vai e vem de pintores e músicos, de declamações de poetas e consertos de grandes solistas, em belos locais sempre lotados, nos quais os sons de polcas, valsas, e as lieden de Schubert, misturavam-se a proletária cerveja e a aristocrática champanha.


Este entregar-se ao hedonismo produzia um estilo de vida que se consagrou pela expressão “boêmia”. Enquanto Berlim representava a coroa e o quartel, Frankfurt o cifrão do dinheiro, Dresden foi, por mais de dois séculos, a favorita da lira e do verso da Alemanha.

Uma noite apavorante

O mural com a Procissão dos Príncipes da Saxônia
Chocou-me naquele momento o pensamento de que mulheres e crianças estavam lá embaixo. Parecia que estávamos voando horas sobre um lençol de fogo – uma terrível fogueira vermelha com uma nevoeiro cinzento pairando sobre ela. Dei-me a comentar com a tripulação: “Oh Deus, esta pobre gente”. Aquilo foi completamente desnecessário. Você não pode justificá-lo. ”

Roy Akehurst operador de bordo da RAF durante a destruição de Dresden, 13-14 de fevereiro de 1945


Foi então que nos estertores da 2ª Guerra Mundial tudo aquilo terminou numa só noite. Às 21h30m. de 13 de fevereiro de 1945, um barulho atrovoante tomou conta dos céus da cidade. Quase mil aviões Lancasters da RAF (Real Força Aérea), a mando de sir Winston Churchill, tido até então como homem da cultura, começaram a descarregar a primeira leva de bombas sobre a cidade. Choveram lá do alto 1.478 bombas explosivas e mais 1.182 incendiárias. Em seguida, foi a vez das fortalezas voadoras dos americanos que jogaram uma carga de 1.800 bombas e outras tantas de magnésio para por fogo na cidade.


Dresden, em poucas horas, foi transformada na maior fogueira do mundo. Um calor que ultrapassou a 800° incinerou ou asfixiou quase toda a população civil. Calcula-se que os mortos oscilaram de 35 a 135 mil vítimas, 80% delas eram mulheres, criança e idosos, visto que os homens estavam no fronte da guerra (o número de mortos ultrapassou a todas as baixas civis inglesas sofridas durante a Segunda Guerra Mundial e foi quase equivalente aos mortos de Hiroxima, abrasados em 6 de agosto daquele mesmo ano).


Nos dias seguintes, num arremate final do terror, aviões mosquitos da RAF, em vôos rasantes, varreram à metralha as estradas vizinhas, atulhadas com os sobreviventes em fuga, para mostrar-lhes que o inferno os perseguia também ali. No final de tudo, impressionantes pilhas de cadáveres retorcidos, com cem, com duzentos mortos cada uma, pirâmides humanas ainda fumegantes, espalhadas por toda a Dresden, disputavam em horror com os escombros de séculos de beleza e de história devoradas num par de horas.

Churchill justifica-se

Tudo em ruínas (vista aérea de Dresden,
1945)



Fonte:História por Voltaire Schilling
Churchill, Cavaleiro da Rainha, Prêmio Nobel de literatura em 1953, que ordenou a dizimação da cidade, arrasou numa sentada só mais prédios e objetos de arte do que todos os bárbaros do passado, de Atila a Gengis Kã, justificou-se dizendo ao Marechal do Ar Arthur Harris, apelidado com todos os motivos de Harris Bombardeador, o executor da tétrica operação, que ele. Churchill, “preferia a devastação total das cidades alemãs do que a perda de um só osso de um granadeiro inglês”.