A desminagem de terrenos é uma tarefa árdua e perigosa, mas responsável por salvar milhares de vidas e evitar mutilações em inúmeras pessoas. Uma em cada três vítimas de explosões de minas terrestres é uma criança.
Até hoje deu tudo certo. Algo que não é óbvio, já que o militar Peter Willers cumpre uma função perigosa. Há quatro anos, o ex-coronel da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) está no Camboja para ajudar o país a se livrar das minas, bombas e granadas deixadas no chão depois de 30 anos de guerra civil. "Todo mundo que trabalha comete erros", diz Willers. "Mas se um de nós comete um erro, ele vai nos custar a vida. Ou pelo menos um dos pés."
Para o militar aposentado de 72 anos, isso não é apenas teoria: há dez anos ele está a serviço do Ministério alemão do Exterior em missões em todo o mundo, incluindo o Kosovo, Chade e Ruanda. No Kosovo, dois trabalhadores perderam um pé. No Chade, seis colegas morreram ao tentar desarmar um explosivo.
Peter Willers coordena equipes de remoção de minas no Camboja
Os mais de 330 colaboradores da unidade liderada por Willers têm, todos os dias, várias oportunidades de cometer erros. No ano passado eles retiraram do solo da província de Siem Reap, no Camboja, cerca de 4 mil minas terrestres e mais de 20 mil explosivos não detonados.
É um trabalho árduo. Primeiro, os 31 integrantes de cada uma das oito equipes precisam cortar a vegetação para que os detectores de metal possam funcionar. Assim que o detector emite um sinal sonoro, um dos desminadores insere uma agulha, semelhante a uma agulha de tricô, no solo. Se houver resistência, ele pode ter encontrado uma mina – ou só uma pedra.
Para cada mina encontrada há cerca de 600 "alarmes falsos", porque os antigos campos de batalha estão repletos de estilhaços de granada. Além das oito equipes que esmiuçam área por área, pertencem à unidade dez grupos menores, que atendem a chamados para remover minas ou desarmar bombas.
Terra desminada para plantar
Equipes já limparam mais de 450 hectares de terra no Camboja
No ano passado as minas terrestres fizeram 286 vítimas no Camboja. Em 1994, o número era dez vezes maior. Até 2020 o país deve estar livre das minas. "O nosso trabalho é, em grande parte, de combate à pobreza", diz Willers, ressaltando que sua unidade limpou 450 hectares de terra no ano passado. "Se um produtor de arroz tem dois hectares para plantar, abandona a pobreza."
O trabalho de Willers é financiado pelo Ministério alemão do Exterior. De acordo com o ministério, desde 1992 foram investidos cerca de 217 milhões de euros no trabalho de desminagem em todo o mundo. Em 2011 foram 18 milhões para 41 projetos em 24 países. Em todo o mundo há mais de 80 países com regiões minadas.
Não corra atrás da bola
Entre eles está o Afeganistão, onde mais de mil desminadores esquadrinham o solo em cooperação com a organização Medico International. "Minas continuam sendo colocadas no solo lá", diz Anne Jung, da organização humanitária. "Nem sempre podemos dizer com certeza quem faz isso."
Convenção de 1998 proíbe o uso e a produção de minas terrestres
Em geral as minas são construídas para que a vítima perca uma perna, mas não morra. Assim, o soldado ferido torna-se um peso para o Exército inimigo. A carga explosiva é projetada para um adulto, não para crianças. Quando elas sobrevivem à explosão, costumam carregar graves ferimentos pelo resto da vida. Cerca de um terço das vítimas de minas terrestres em todo o mundo são crianças.
Além da limpeza do solo, a Medico International também se dedica ao trabalho de conscientização: um projeto financiado por doações ensina famílias a se manter longe do perigo. "Nossos colaboradores precisam desenvolver determinados reflexos nas crianças", exemplifica Jung. "Elas precisam aprender a não correr atrás da bola quando ela rola para dentro de uma moita."
Para ressaltar a importância das campanhas de informação, as Nações Unidas declararam o dia 4 de abril o Dia Internacional de Alerta às Minas Terrestres e Assistência à Desminagem.
Trabalho de remoção de minas é perigoso e não admite falhas
A Alemanha tem uma grande responsabilidade no trabalho de desminagem, afirma Jung. "Durante décadas empresas alemãs fizeram negócios com esse tipo de armas mortais." Em 1998, o governo alemão ratificou a Convenção de Ottawa, que proíbe a utilização, armazenamento e produção de minas antipessoais. Por conta própria, a Bundeswehr também renunciou à utilização de minas antiveiculares, que não foram afetadas pela proibição. Até agora cerca de 160 nações ratificaram a convenção, entre elas o Brasil. Estados Unidos, China e Rússia, porém, não o fizeram.
Balanço positivo
Na Bósnia, principais vítimas são crianças e fazendeiros
Ainda assim, Jung faz um balanço positivo da convenção, pois atualmente mais minas são retiradas do que instaladas. Mas mesmo que a tendência se mantenha, as consequências das explosões não podem ser revertidas. "Uma vítima de mina será uma vítima de mina por toda a sua vida. Nós ainda teremos que cuidar dessas pessoas por décadas", diz Jung.
O ortopedista alemão Christian Schlierf se confronta todos os dias com essa realidade. Desde 2001 ele trabalha na Bósnia Herzegovina, um dos países com mais minas terrestres em todo o mundo. Acidentes acontecem com frequência. "Fazendeiros ou crianças entram na floresta para buscar lenha e detonam uma mina. Essas são as vítimas típicas", relata Schlierf.
Na região dos Bálcãs, o número de vítimas caiu de 513 em 1996 para penas seis em 2010. No entanto, o plano original, de livrar o país dos explosivos mortais até 2019, não será cumprido.
O trabalho é longo, mas em casos como o do Camboja há razões para ser otimista. "Eu acredito que em 2020 a meta será alcançada, e as minas terrestres não vão mais impedir o desenvolvimento do país", diz Willers.
Autor: Dennis Stute (ff)
Fonte:DW