6.4.12

Pré-história e História da Navegação



As primeiras civilizações

A partir de 4 mil anos a.C. (antes de Cristo), três grandes focos de civilização estavam definidos: no Vale do Nilo (Egito), na Mesopotâmia (Oriente Médio, entre os rios Eufrates e Tigre) e no litoral Egeu (entre Grécia e Turquia).

Os egípcios

Os povos que, vindos do Oriente Próximo, chegaram ao vale do Nilo, encontraram um verdadeiro oásis e compreenderam que não teriam necessidade de seguir caminhando através do deserto. Estabeleceram-se ali e cultivaram a terra. Aos poucos foram se mesclando às tribos locais africanas e a outros migrantes, formando o povo egípcio. Esse povo vivia em vários reinos, mas acabou unido pelo próprio Nilo e organizado em dois grandes grupos: o Alto e o Baixo Egito. Em 2850 a.C., o faraó Menes (ou Narmer) uniu esses dois reinos e adotou o título de Rei do Alto e do Baixo Egito, iniciando a primeira dinastia.

Os barcos egípcios

As mais antigas representações de barcos conhecidas são egípcias. Numa região que se estendia ao longo de um rio do porte do Nilo, nada mais natural que o barco fosse o principal meio de transporte. Seus habitantes não dispunham de madeira apropriada para construir embarcações. Estima-se que as primeiras, construídas há pelo menos 6 mil anos, foram feitas com hastes de junco, ou papiro.

Não se sabe quando os egípcios começaram a construir barcos de madeira, nem quando saíram do Nilo, navegando em pleno Mediterrâneo ou pelo Mar Vermelho. Estima-se que estas incursões começaram antes de 3 mil anos a.C. Os hieróglifos informam que, em 2600 a.C., o faraó Snofru, da quarta dinastia, enviou quarenta barcos para Biblos, na Fenícia (atual Líbano), de onde regressaram com rico carregamento de cedro.

Os fenícios

Considerado o maior povo navegante da Antigüidade, os fenícios viviam numa área de apenas 400 quilômetros, entre as montanhas e o mar, onde hoje está o Líbano, parte de Israel e da Síria. Segundo Heródoto, era um povo formado por tribos de semitas vindas do Índico. No início, eram pastores, que acabaram empurrados até o mar por tribos mais poderosas. Por vocação ou necessidade, especializaram-se no comércio e na navegação. Foram influenciados por três grandes culturas, das quais eram vizinhos: a egípcia,
a mesopotâmica e a cretense. Situada no cruzamento das rotas comerciais, a Fenícia desempenhou importante papel na história do Mediterrâneo, possivelmente desde 4000 a.C. Seu principal produto de exportação foi, por muito tempo, o cedro do Líbano. Mais tarde adquiriram renome na manufatura de tecidos vermelho-escuros, fato que acabou lhes rendendo o nome. É que, em grego, panos vermelhos significavam phoinios, que eram vendidos pelos phoinikes, ou fenícios, do rosto vermelho queimado pelo sol ou dos panos rubros que fabricavam. Além de hábeis artesãos e comerciantes de peso, por volta do século VIII a.C. os fenícios viriam a repassar aos gregos o alfabeto, herdado provavelmente de outro povo semita do Oriente Próximo.

Os navios fenícios

Cientes do valor de seus mercados náuticos, os fenícios guardavam segredo de suas rotas e de seus navios, além de espalharem notícias aterrorizantes acerca dos perigos do mar. Como resultado, sabe-se pouco de seus barcos. Quase todas as reproduções existentes procedem do Egito, da Grécia ou da Assíria: cascos robustos, de madeira, fixados em cavernas; mastro curto, velas redondas; remadores protegidos por uma superestrutura em linha; proa e popa alteadas; remos fixos nas laterais da popa, dando o leme.

As famosas birremes fenícias usadas na guerra, primeiras embarcações com fileiras de remos sobrepostos de que se tem notícia, tinham o casco formado, talvez, por um tronco de grandes dimensões, acabando em pontudo esporão. Sobre o tronco, um corredor, onde ficavam os soldados. Uma fileira de remadores sentava-se em plataformas laterais e outra, abaixo dos militares. O único mastro ficava próximo ao centro da embarcação, equipado com uma vela quadrada, e era erguido apenas quando havia ventos favoráveis.

Os cretenses

Embarcados em seus navios, os cretenses faziam comércio com as ilhas próximas e com o continente em 3400 a.C. Jóias e selos de 2200 a 2000 a.C. mostram imagens de seus barcos à vela. Por volta do ano 2000 a.C., o rei Minos foi o primeiro a criar uma armada. O comércio e a cultura de Creta influenciaram todo o Mediterrâneo oriental, até a Sicília. Os cretenses dominaram os mares por seiscentos anos, até que os micênicos, que absorveram muito de sua cultura, conquistando o sul da Grécia e as ilhas do Egeu, acabaram por tomar a própria Creta, por volta de 1400 a.C. Knossos, a capital de palácios e afrescos, foi completamente queimada.

Uma série de invasões e mistura de povos originou a civilização que criou as bases do mundo moderno. Um território árido e montanhoso, repleto de baías, ilhas e penínsulas, desde cedo, ligou os antecessores dos gregos ao mar. Influenciada por Creta, Micenas foi a cidade que primeiro se destacou. Os micênicos fundaram colônias e pontos comerciais na Sicília, sul da Itália, Rodes e Chipre.

Descrita por Homero na Ilíada, a Guerra de Tróia teria ocorrido durante o período do apogeu de Micenas, provocada provavelmente por disputas comerciais, mais do que pelo rapto da bela Helena, como conta a lenda.

Dois séculos após, entretanto, as invasões dóricas caíram sobre o Egeu, dando origem à chamada Idade Média da Grécia. Os invasores, embora conhecessem o ferro, apresentaram longo retrocesso no sofisticado mundo grego e, por volta do ano 1200 a.C., os barcos de Micenas desapareceram do Mediterrâneo. As cidades foram saqueadas, a escrita desapareceu e a economia regrediu.

Deste período de trevas, a Grécia retornaria revigorada, quinhentos anos depois, emergindo grandiosamente para seu período clássico, iniciado no século VII a.C., com a formação de mais de cem cidades independentes, que freqüentemente lutavam entre si.

Depois de repelirem duas invasões persas, os gregos, capitaneados por Atenas, lançaram os fundamentos da filosofia, das artes, da política e das ciências do Ocidente, num curto espaço de tempo de 300 anos. Atenas atingiu seu apogeu durante o governo de Péricles, de 461 a 429 a.C. A Guerra do Poliponeso, entre Esparta e Atenas, aproximadamente 400 anos a.C., enfraqueceu todo o mundo grego, permitindo que Alexandre Magno e depois os romanos conquistassem o país.

Os navios gregos

Apesar da importância do comércio e dos navios mercantes, as birremes foram os barcos gregos mais famosos. Landström as considera as embarcações mais elegantes da antigüidade. Dotadas de cavernas, eram leves e podiam ser suspensas pela própria tripulação em praias. Deviam combinar rapidez com resistência longitudinal, necessária para receber os golpes inimigos. A quilha era a peça mestra, conferindo rigidez a todo o conjunto.

Em uma reconstituição baseada em imagens antigas, chegou-se a uma embarcação com 52 remadores, medindo 24 metros e meio de comprimento com esporão por 3 metros de largura! Portava vela redonda e o mastro podia ser arriado. Mesmo depois da invenção das trirremes, as birremes, aperfeiçoadas, prosseguiram singrando os mares. A Vitória de Samotrácia, famosa imagem preservada no Museu do Louvre, representa a proa de uma birreme, em atividade ainda em 300 a.C.

Já as trirremes, mais caras e com tripulação maior do que a das birremes, ainda são motivo de debate entre os estudiosos. Como e por que acomodar, sem transtornos, tantas fileiras de remos e remadores? Possivelmente faltava força (ou potência de investida) para as birremes, que devem ter-se mostrado demasiadamente leves e frágeis. Devem ter sido tentadas birremes maiores, que provavelmente resultaram lentas. Assim, foi preciso acrescentar mais uma fileira de remos.

Segundo Tucídides, o problema foi resolvido em Corinto, no século VII a.C. As trirremes formavam a base da frota que derrotou os persas de Xerxes em Salamina.

Ágeis, facilmente manobráveis e permitindo o deslocamento dos soldados no convés, estas embarcações tornaram-se temíveis máquinas de guerra. Foram a base do poder e da riqueza de Atenas.

Os romanos

Roma foi criada aproximadamente no ano 1000 a.C. por povos latinos que viviam entre as colônias gregas do sul da Itália (Magna Grécia) e os etruscos ao norte. Desenvolveu-se rapidamente e, entre os séculos V e III a.C., apoderou-se de toda a Itália. Em sua expansão, defrontou-se com Cartago, cidade de 250 mil habitantes, cujo comércio controlava todo o Mediterrâneo Ocidental.

As Guerras Púnicas estenderam-se entre 264 e 146 a.C. e terminaram com a destruição de Cartago, arrasada e com seus sobreviventes escravizados. A extensão de seu poder sobre a Macedônia, a Síria, a Grécia, o Egito, a Península Ibérica, boa parte do Oriente Médio e a Gália veio logo depois. Todo o Ocidente viveu sob o mundo romano por meio milênio, até que o império, já fragmentado e enfraquecido no século V d.C., foi invadido por povos bárbaros. Era o começo da Idade Média.

Os navios romanos

De origem agrícola, os romanos demoraram a aceitar a necessidade de se lançar ao mar e só o fizeram com o desenvolvimento do comércio, que estimulou a construção naval. Ainda no início do Império, enfrentaram Cartago, potência marítima herdeira das tradições fenícias, vencida com seus aliados. O Mediterrâneo transformou-se no mare nostrum.

Os romanos adotaram modelos já existentes de navios mercantes, adaptados para grandes volumes de carga e movidos por farto velame, acrescidos de vela de proa. Landström descreve tais embarcações como grandes e redondas, com a roda de proa saliente e castelo de popa alto. Para os navios de guerra, os romanos adotaram os ensinamentos gregos, prevalecendo as trirremes. Embora exista grande número de representações, são muitos os detalhes que permanecem controversos. Esses navios parecem pesados e fortes, dotados de torre na popa, mastro central e vela de proa. Possuíam rijo esporão na proa e apresentavam a popa alta, decorada em curva.

O fim de um Império

A decadência e o fim do Império Romano do Ocidente, sacramentado no ano 476 com a morte do último imperador, trouxe grande instabilidade ao Mediterrâneo. Foram mil anos entre o século V (o fim da antigüidade) e o renascimento (início da era moderna). Carlos Magno, Marco Pólo, São Francisco de Assis e Maomé foram alguns dos seus personagens. Foi durante a Idade Média que a maioria das nações da Europa e da Ásia se formaram e que as grandes religiões se estabeleceram. O conhecimento desta época é vital para a compreensão do mundo moderno.

Bizâncio ou Constantinopla

No ano de 395, o imperador Teodósio dividiu em dois o império romano. O Oriental perdurou por mais de mil anos depois da queda de Roma. Ruiu apenas em 1453, quando Constantinopla, fundada por Constantino onde se erguia a colônia grega de Bizâncio, foi tomada pelos turcos otomanos. Esse duradouro império era fruto da cultura grega, da herança política romana e da religião cristã.
Situados estrategicamente entre o Oriente e o Ocidente, os bizantinos atingiram seu apogeu militar e institucional com o imperador Justiniano (527-565). Foi naquele período que as tropas bizantinas dominaram todo o Mediterrâneo, os códigos do direito romano foram compilados e a catedral de Santa Sofia foi erguida.
Além de problemas internos, o império enfrentou múltiplos inimigos, uma forte concorrência de Veneza e desavenças com os cruzados Constantinopla foi tomada e saqueada na quarta cruzada. A decadência foi lenta até a queda, fator determinante do final da Idade Média.

Os navios bizantinos

Não se sabe quando as velas redondas da antigüidade foram trocadas pelas latinas, nem se subsistiram em alguma parte do Mediterrâneo. É desconhecido, igualmente, o fim das trirremes romanas. Poucas informações restaram sobre os navios bizantinos.

Os dromons (significa corredores) seriam sucessores das polirremes romanas e precursores das galeras. Chegaram a ter 60 metros de comprimento por até dez metros de largura. Possuíam, no máximo, três mastros, dois castelos e 100 remadores nos dois lados, 25 remos em cada uma das duas ordens. Landström fala em embarcações de 50 remos de cada lado, tripuladas por cem a 230 homens. A grande vela latina, os bicos duplos na popa e o esporão situado na altura da linha d'água são as principais diferenças encontradas nesses barcos.

Árabes

O extraordinário ímpeto árabe, antes disperso em tribos pobres, unido pelo credo do profeta Maomé, fez com que, em menos de um século, o Islã se transformasse em potência mundial. Maomé já contava mais de 50 anos, quando se retirou para Yathrib (Medina), na noite de 16 de julho de 622, data considerada o ano zero para os povos islâmicos. Um século depois, seus discípulos já se espalhavam da Espanha até o Indo.
A expansão marítima dos árabes dependeu da gente do mar que vivia nos países conquistados, na Síria, no Egito e no norte da África. As conquistas terrestres estenderam as áreas sob seu domínio ao redor do Mediterrâneo, tornando-as vulneráveis a ataques náuticos. Os bizantinos logo realizaram vários ataques rápidos, como o saque de Alexandria, ocorrido em 645. Então, os árabes reativaram estaleiros e lançaram-se ao mar.
Chipre foi tomada em 649, a frota de Bizâncio, vencida em 655, na batalha de Finike. Em 711 aconteceram os ataques a Sicilia e a Sardenha e a Creta em 823, seguidos dos de Córsega e Baleares. Em 831, os árabes conquistaram Palermo e, em 902, toda a Sicília.

Até o século XI, os árabes gabavam-se de que, sem a autorização do Islão, “os cristãos não conseguem fazer flutuar no Mediterrâneo nem mesmo uma tábua”. O califado de Córdoba (reino árabe da Espanha) mantinha frotas de guerra que patrulhavam o Mediterrâneo e chegaram a rechaçar incursões vikings. Entretanto, ainda no século VIII, iniciaram-se divisões internas que lentamente enfraqueceram o poder marítimo árabe.

As inovações árabes

A vela latina, desde muito utilizada no Mar Vermelho, era desconhecida na Europa antes dos árabes. O astrolábio, as biografias de marinheiros e os relatos de aventuras, como Sindbad, o Marujo, são frutos da marinharia árabe. A palavra almirante deriva de al amir-bahri, que significa comandante supremo. Diversas contribuições astronômicas e denominações geográficas também lhes são devidas, como a de Gibraltar.

Os navios árabes

Os navios essencialmente árabes parecem originários do Mar Vermelho. O veloz zaruk, dotado de leme de popa, parece não ter recebido influência européia, ao contrário do sambuk e do scebek. Há registros de que os sambuks navegaram até meados do século XX.

Veneza

Os fundadores de Veneza foram fugitivos de grandes cidades romanas que, impelidos pela fome e pelo medo, refugiaram-se nas lagoas pantanosas do Adriático no século V. Hordas sucessivas de bárbaros, comandadas por Átila, Alarico, Teodorico e Alboíno, entre outros, havia desestruturado o sistema social vigente.

Os venezianos transformaram-se, depois do ano 1000, na maior potência marítima e comercial do Mediterrâneo. Seus navios buscavam produtos no Oriente e os distribuíam pela Europa, inclusive na Inglaterra e em Flandres. Suas galeras de guerra mantinham privilégios e garantiam novas conquistas. Sua famosa diplomacia semeava discórdias e desconfianças entre os inimigos.

Os navios de Veneza e Gênova

Quando Luís IX preparava a cruzada de 1248, constatou que as naus venezianas tinham quase 26 metros de comprimento e seis metros de largura. Apresentavam dois conveses completos e outros dois andares de camarotes na popa. Já as embarcações genovesas eram menores. Mosaicos ainda existentes na Basílica de São Marcos, em Veneza, mostram navios daquela época, equipados com dois mastros, ambos dotados de velas latinas, tendo o primeiro, forte inclinação para a proa. Não devem ter sido muito diferentes os mercantes do século XII.

As Cruzadas

A comoção provocada por atos dos califas da Terra Santa, como a demolição da Igreja do Santo Sepulcro e os apelos dos governantes de Bizâncio foram pretextos para a convocação da primeira cruzada. Quando eles tomaram Edesa em 1144, Eugênio III convocou a segunda cruzada. Embora despertasse grande empolgação religiosa, constituiu-se em verdadeiro fracasso militar.

Em 1187, Saladino, o sultão do Egito, retomou a Terra Santa, provocando a terceira cruzada dos reis, da qual participaram Ricardo Coração de Leão pela Inglaterra, Filipe Augusto (França) e Frederico I (Sacro Império). Os cristãos tomaram a cidade de Acre e Tiro, mas não puderam retomar Jerusalém. O acordo, que só beneficiou as repúblicas italianas, provocou a quarta cruzada, organizada em 1202.

Em 1212, aconteceu a famosa cruzada dos meninos, a maioria alemães e franceses, muitos deles acabaram vendidos como escravos no Oriente. Em 1228, Frederico II entrou em Jerusalém que Luiz IX, rei da França tentou, em vão, retomar. Em 1291, Acre foi retomada pelos mulçumanos. O Islão venceu a disputa pela posse da Terra Santa

Os navios dos cruzados

As primeiras cruzadas seguiram por terra, mas, para alcançar a Palestina, dependiam de transporte marítimo. A partir da cruzada dos reis preponderou a locomoção marítima. A chegada dos navios do norte ao Mediterrâneo provocou importantes alterações: o predomínio árabe foi rompido, as velas redondas ressurgiram e o comércio se expandiu.

Os navios do Norte

Nos mares do Norte da Europa, depois das turbulências dos primeiros tempos, os vikings passaram de saqueadores a moradores e governantes. A navegação rapidamente estruturou-se em torno de cidades com fortes inclinações comerciais, que muitas vezes se uniram em ligas, ou hansas. A Anseática foi a mais famosa delas, reuniu mercadores alemães que comerciavam no Báltico, chegando a congregar mais de 80 cidades sob a liderança de Lübeck, cuja influência se estendia da Inglaterra à Rússia.

O comércio com o Mediterrâneo tornou-se intenso, valendo-se de navios nórdicos e italianos, e Lisboa tornou-se importante entreposto. Depois do século XII, os navios nórdicos haviam sido adaptados para mares difíceis. Parecem derivar das knorr mercante viking, navegando quase exclusivamente à vela, e adaptando torres na proa e na popa.

A embarcação nórdica mais famosa foi a coca. Nela, boa parte do desenho dos navios do século XV já estava presente. O castelo de popa incorporou-se ao casco e o leme tornou-se central, talvez pela primeira vez na história.

As cocas foram substituídas pelo hulk no século XIV, quando os navios precisaram de maiores dimensões.

As galeras

Os barcos mais famosos da Idade Média foram as galeras, que permaneceram em uso até o século XVIII. Foram herdeiras dos grandes navios de remadores gregos e romanos. No Mediterrâneo, o vento oscila entre forte e muito fraco para os veleiros maiores, tornando os grandes mercantes presas fáceis de barcos a remos. Por isso, com poucas adaptações desde as birremes gregas, as galeras mantiveram-se como os barcos de guerra por excelência.
Durante o século XVI, teria surgido novo aperfeiçoamento: descobriu-se que a propulsão era mais simples e eficaz, diminuindo-se o número de remos e ampliando o de remadores, normalmente cinco em cada remo. Dotadas de até 168 remadores (existem registros de mais de 300) e de uma ou duas velas latinas (existem registros de três mastros), as galeras formavam a base da tropa cristã que venceu os turcos na batalha de Lepanto, ocorrida em 1571. Galeras da Espanha, Malta, Veneza e do Papa, perfazendo 208 embarcações, venceram as 273 turcas.
Esta grande vitória manteve as galeras em uso por várias décadas. A frota francesa do Mediterrâneo, construída no século XVII, tinha as galeras como base. Mas o destino dessas embarcações estava selado: o espaço necessário aos remos e aos remadores diminuía o número de canhões, tornando-as inaptas frente aos veleiros puros, assim que a artilharia foi aperfeiçoada.

Os vikings

Na França, por volta do ano 1000, rezava-se assim o Padre Nosso: “Livra-nos, oh Senhor! Da ira dos homens do norte”, tal era o pavor espalhado por toda a Europa por estes navegadores. Entre os séculos VIII e IX, se especializaram em assaltar, matar e roubar. Foram os melhores construtores de barcos de sua época, impelidos pelo aumento habitacional, achavam mais fácil pilhar conventos, castelos e cidades, do que tirar da terra infértil o duro sustento de cada dia. O sistema social forçava os irmãos a depender do mais velho, condenando-os a uma vida de servidão familiar, onde a alternativa era aventurar-se no mar.

Esses ancestrais dos noruegueses, dinamarqueses e suecos comunicavam-se em língua próxima ao germânico. Não formavam um único povo, dividiam-se em vários territórios e lutavam entre si. Navegavam empiricamente, guiando-se por estrelas, nuvens, pássaros e correntes marítimas.

Os suecos atacaram a Alemanha e seguiram para o leste até a Rússia Ocidental de hoje (a palavra Rússia parece de origem viking). Alcançaram o Dnieper e o Mar Negro, pilhando toda a região e chegaram a atacar Constantinopla. Pouco numerosos, esses guerreiros haviam se mesclado completamente aos povos eslavos, por volta do ano 1000.

Os dinamarqueses atacaram a Inglaterra, França e Espanha. Quando entraram no Mediterrâneo, semearam o terror na Itália e combateram os mouros no Marrocos. Navegaram por rios como o Elba, Loire, Reno, Ródano Sena e Soma. Quase nenhuma cidade escapou da sua fúria. Bordeaux, Toulouse, Nantes, Chartres, Amiens, e Orléans tornaram-se desertos. Sevilha foi atacada, Pisa pilhada e Paris destruída em 845 e 856. Em 885, novamente cercada, pagou resgate para não ser destruída. Depois de 300 anos de lutas, haviam dominado toda a Inglaterra por volta do ano 1000.

Os vikings noruegueses foram os maiores navegadores em mar aberto. Alcançaram as Ilhas Faroe, a Groelândia, a Islândia e finalmente a América do Norte, 500 anos antes de Colombo. Suas histórias, narradas nas lendárias sagas, contam estas extraordinárias aventuras. Leif Ericson teria sido o primeiro chefe nórdico a pisar em solo americano, que chamou de Vinlândia. As viagens teriam durado doze anos, quando se interromperam completamente, provavelmente por desavenças com os nativos.



Os navios vikings

No ano 100 d.C., o historiador romano Tácito já notava que, ao contrário dos navios mediterrâneos, as embarcações dos nórdicos tinham as extremidades iguais (proa e popa). No século VI, já se conheciam representações destes barcos portando velas. No século VIII, a partir de saques nas costas da Inglaterra e da Irlanda, eles já apavoravam todo o Ocidente.

Leves, resistentes e rápidos, os navios foram sempre a base das incursões dos vikings. Chegavam de surpresa, em matilhas, valendo-se do baixo calado de suas embarcações - vagando pelo litoral ou subindo os rios. Por muito tempo mantiveram o costume de enterrar os chefes em seus navios. Vários sepultamentos foram encontrados e permitiram o conhecimento exato destes barcos extraordinários. Eram feitos quase que exclusivamente a machado, utilizado com grande habilidade.

A principal embarcação viking, segundo as sagas, era a Knorr da qual se conhece pouco. Estima-se que teria as extremidades retas e os bordos mais altos. O drakkar era a nave de guerra, longa e fina, em contraposição às mercantes, redondas e curtas. Teriam cerca de trinta m de comprimento, navegando com quarenta remadores ou mais. As velas eram de lã, subdivididas em diagonais para aumentar a resistência. Detalhe aterrorizante na época eram as cabeças de dragões esculpidas na proa. Utilizadas para infundir pânico nos momentos de ataque, eram retiradas nos momentos de paz ou quando do retorno à terra natal. Os topes de mastros também contavam, muitas vezes, com ornamentos, inclusive de ouro.


As grandes navegações

A Europa era um continente em reestruturação no final da Idade Média. Desde que os navios dos cruzados haviam quebrado o domínio mouro sobre o Mediterrâneo, o comércio intensificara-se. O desenvolvimento econômico, a invenção da imprensa e a propagação da pólvora, que permitiu aos reis imporem seus domínios sobre os senhores feudais, criaram o clima propício às artes, às ciências e ao pensamento. Leonardo Da Vinci e Galileu Galilei foram personagens típicos daquele período: eram meados do século XV e iniciava-se o movimento conhecido como Renascimento, abrindo a fase da história denominada Idade Moderna.

Portugal, que havia se tornado independente no século XII, assumiria um relevante papel naqueles novos tempos. O país nasceu na guerra empreendida pelos europeus para expulsar os árabes da Península Ibérica. Estava distante dos principais acontecimentos e estruturado em torno de pequenos comerciantes e pescadores.

Com o desenvolvimento do comércio marítimo entre o Mediterrâneo e o norte da Europa, os portos portugueses se tornaram escala obrigatória. As cidades litorâneas, até então ocupadas com a pesca e a venda do sal, cresceram bastante. Naquele momento, um enigmático personagem, o Infante Dom Henrique, exerceu notável papel na história marítima.

Nascido em 1394, o Infante Dom Henrique foi uma dessas figuras cuja visão e determinação são capazes de influir profundamente na história. Era um dos filhos de Dom João I, décimo rei de Portugal. Participou com o pai, ao lado dos dois irmãos mais velhos, que seriam reis, da tomada de Ceuta, em 1415, primeiro passo do expansionismo luso.

Cidade situada em frente a Gibraltar, Ceuta era um importante entreposto comercial do norte da África. Para a façanha, os portugueses montaram uma esquadra de 200 barcos, muitos deles alugados na Inglaterra, em Flandes e Viscaya. O exército era composto por cerca de 20 mil combatentes. Tomada a cidade, o rei sagrou cavaleiros os três filhos que o acompanhavam, “alta geração de ínclitos infantes”, como declamou Camões. D. Henrique contava apenas vinte e um anos de idade.

Em 1418, os mouros tentaram reconquistar Ceuta, mas foram surpreendidos com a chegada de uma esquadra de socorro, comandada pelo infante, fato que provocou a retirada árabe. Depois desse episódio, D. Henrique foi nomeado governador do Algarve (sul de Portugal). Começou a se afastar da corte, instalando-se em uma grande residência nas proximidades de Cabo São Vicente, na extremidade oeste da Europa. O fracasso da expedição a Tânger parece ter reforçado no príncipe seu quase isolamento. Duque de Viseu e Mestre da poderosa Ordem de Cristo, jamais voltou a navegar, empregando no desenvolvimento marítimo de Portugal os importantes recursos que arrecadava.

Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras--
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

A cabeça do grifo / O Infante D. Henrique



A Escola de Sagres

Desde 1418, D. Henrique criara o núcleo de decisões e estudos, que a história denominou “Escola de Sagres”. Chamou a seu serviço, marinheiros, construtores navais, cosmógrafos, astrônomos e práticos de seu tempo. Já no ano seguinte do retorno de Ceuta, armou a primeira expedição, chefiada por Gonzalo Velho, para que explorasse o mar além das Ilhas Canárias e descobrisse porque as correntes marítimas eram tão poderosas naquele lugar. A primeira conseqüência prática foi a ocupação das ilhas atlânticas depois de 1418.

A próxima missão era ultrapassar o Cabo Bojador, temido pelos marinheiros, que consideravam impossível retornar do local, em função dos ventos e correntes contrários. Doze anos depois de iniciadas as tentativas, Gil Eanes venceu o desafio na terceira viagem, em 1434, cumprindo ordens severas do infante. Um ano mais tarde já se explorava além do Bojador, com o objetivo de alcançar a “retaguarda do Marrocos”, de onde provinham, segundo relatos mouros, caravanas de até 700 camelos recheadas de riquezas, rumo ao comércio do Oriente.

Ainda durante a vida do Infante, falecido em 1460, foram explorados o Cabo Branco, a foz do Rio Senegal, o Cabo Verde (assim chamado pela vegetação que o cobria, marcando o contorno completo do Saara), a Gâmbia, a Serra Leoa e o Cabo das Palmas. O veneziano Cadamosto, que serviu ao príncipe depois de 1454, foi o descobridor das ilhas do Cabo Verde e o primeiro navegador europeu a divisar o Cruzeiro do Sul. Atacado por negros, embarcados em canoas, descreveu elefantes e hipopótamos. Foi através das anotações que fez sobre as suas e outras expedições que a humanidade pôde conhecer muito a respeito da exótica natureza africana.

Após a queda de Constantinopla, em 1453, que havia cortado o fluxo de produtos orientais, Portugal prosseguiu com as expedições. Pouco a pouco, mesmo após a morte do infante, formatou o projeto de contornar o continente africano, abrindo o caminho marítimo para o Oriente. João de Santarém e Pero de Escobar comandaram novas expedições, alcançando o Golfo da Guiné. Chegaram às minas de ouro, na chamada “Costa do Ouro”, e depois a Benin, na atual Nigéria. Ouro, sal, madeiras, marfim, escravos e especiarias eram as motivações econômicas dos empreendimentos náuticos.

O avanço para o sul fora provisoriamente detido em prol de expedições que visavam o interior africano. Os portugueses procuravam a região do ouro e queriam saber se os rios que deságuam no litoral se interligavam ao Nilo. Foram repelidos, sendo morto o capitão Nuno Tristão.

De volta ao litoral, prosseguiram explorando o caminho para o sul. Grande foi a decepção da descoberta de que, passado o Golfo da Guiné, o continente voltava à direção norte-sul, acabando com as esperanças quanto à proximidade da extremidade da África: foram quase dez anos sem a progressão de novos descobrimentos.

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O porfazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

Fernando Pessoa

O grande equívoco de Diego Cão

Um dos capitães da frota, Diego Cão avançou para o sul, partindo da fortaleza recém-construída e deixando padrões de pedra (marcos de propriedade) ao longo da travessia. Um deles conservou-se, na ponta ainda conhecida como “do padrão”: “en el ano del mundo 6681, y en ano 1482 depois do nascimento de nosso Senõr Jesus Cristo, por mandato do glorioso, poderoso y excelente rey D. João II de Portugal, se descubriu esta terra, y Diego Cão, cavalero de sua corte, levantou esta cruz.”

Até então, Diego Cão era o navegante que havia descoberto a maior distância rumo ao sul. Retornou a Portugal depois de chegar a Angola, navegando 1.500 milhas (mais de 3 mil quilômetros) inexploradas de costa. Cometeu, porém, um engano: julgou que o litoral se curvava para leste, anunciando, por engano ou má fé, ter encontrado o extremo sul da África. O Rei de Portugal escrevera sobre tal façanha ao Papa e Diego Cão foi nomeado cavaleiro. Empreendeu uma segunda viagem, acompanhado de cosmógrafos e verificou-se o equívoco. Não se sabe o destino do capitão: se morreu durante a viagem, ou se foi afastado do serviço real em função da falsa notícia.

Bartolomeu Dias

Coube a outro navegador, escudeiro da casa do rei, a honra de abrir o caminho marítimo para o Oriente. Partindo de Lisboa, em agosto de 1487, com três caravelas, cujos pilotos eram Pero de Alenquer, Álvaro Martins e João de Santiago, Bartolomeu Dias ultrapassou o ponto atingido por Diego Cão, navegando provavelmente para o Congo. Seguiu costeando, denominando os locais segundo os santos do calendário e acontecimentos da viagem. Angra das Voltas, por exemplo, assim foi chamada em função dos cinco dias que a frota ficou virando de bordo, devido aos ventos contrários.

A 29 graus de latitude sul, os navegantes foram colhidos por fortes ventos e violentas tempestades, lutando, com as velas reduzidas, por 13 dias contra a fúria do mar. Afastaram-se da costa por medida de segurança. Acalmado o tempo, aproaram novamente a leste, no rumo da costa. Dias depois, não avistando terra, mudaram o rumo para norte, perceberam então que haviam dobrado a extremidade africana.

Cansados e amedrontados, os tripulantes exigiram do capitão o retorno a Portugal, alegando que tinham poucos alimentos. Dizem que Bartolomeu Dias cedeu aos apelos com lágrimas nos olhos. No regresso puderam, enfim, avistar o cabo que chamaram “das Tormentas” (depois da Boa Esperança), pelo qual tanto esforço havia sido empregado e tantas vidas sacrificadas.

Bartolomeu Dias parece ter sido encarregado de dirigir a construção dos navios que deveriam chegar ao Oriente. Provavelmente foi quem sugeriu a Vasco da Gama o novo caminho, a “volta do mar”, pela qual os navios deviam afastar-se da costa africana para encontrar ventos e correntes favoráveis. Onde e quando Bartolomeu Dias aprendeu esta novidade, que ele próprio não utilizara quando descobriu o Cabo da Boa Esperança? Talvez nos dez anos que separaram a sua viagem da de Vasco da Gama, em aventuras que a política de segredos entre Portugal e Espanha tornou ignoradas pela história. Se tais viagens foram realizadas, é muito provável que tenha estado no Brasil.

Durante a segunda expedição para o Oriente, comandada por Pedro Álvares Cabral, o navio de Bartolomeu Dias naufragou na violenta tempestade que se abateu sobre a frota, quase na altura do Cabo da Boa Esperança. Ele e toda a sua equipagem, assim como as de outras três naus, contando aproximadamente 400 pessoas, morreram no trágico naufrágio.

Cristóvão Colombo

Colombo chegou a Portugal em 1476, quando contava apenas 25 anos. Já no ano seguinte, Colombo teria ido à Islândia, e parece ter sido na volta que se instalou com o irmão como cartógrafo em Lisboa. Casou-se com Filipa Perestrelo Moniz, portuguesa descendente de italianos.

Em 1478 esteve na Ilha da Madeira e entre 1482 e 1484, na Guiné. Foi no mundo português que Colombo, segundo seu cronista, Bartolomé de Las Casas, ouviu falar de terras no Ocidente.

Por volta de 1480, Colombo passou a dedicar-se de corpo à idéia que, sabia, mudaria o mundo: ir em busca dessas novas terras, navegando diretamente para o desconhecido (o ovo de Colombo). Diante da negativa do Rei de Portugal, partiu para a Espanha em 1485. Em 1486 obteve o primeiro encontro com os reis católicos.

Em 1492, expulsos os árabes da Espanha, viabilizou-se a viagem. Colombo ganhou um passaporte real, e cartas para monarcas orientais, inclusive Kublai Khan, o governante descrito um século antes por Marco Pólo. Palos de La Fronteira forneceu duas pequenas caravelas, a Pinta e a Niña, e fretou-se um navio maior, o Santa Maria. Nenhum de seus ocupantes imaginaria que acabava de formar-se a frota mais famosa da história. A capitânia teria 33 metros e as demais não seriam maiores do que 23 metros. Conhece-se, ainda, os nomes de 87 membros da tripulação, que navegou para o desconhecido.

O restante da história é bem conhecido: Colombo finalmente avistou terras à oeste e, mesmo perdendo a Santa Maria, retornou dos mares, coberto de glória. Passando antes por Lisboa, recebeu na Espanha a honra que almejara.

Logo, organizou-se a segunda viagem. Agora sobraram meios e pessoas. Partiram de Palos 17 navios e quase 1.500 homens em 25 de setembro de 1493. Revolveram ilhas, vales, rios e florestas, mas não acharam Cipongo (Japão).

Em 1498, depois do retorno e das primeiras desconfianças, a segurança e a retórica de Colombo ainda foram capazes de obter meios de organizar a terceira expedição. É dessa que o navegador volta acorrentado.

O navegador retornou no final de 1504, escrevendo aos reis: “Sozinho com minhas misérias, enfermo, diariamente esperando a morte e rodeado por um milhão de hostis selvagens, cheios de crueldade... Chore por mim quem tiver caridade, verdade e justiça!” Colombo morreu esquecido em 1506, embora houvesse conservado privilégios e o título de vice-rei.

Vasco da Gama

Vasco da Gama partiu para as Índias, dia oito de julho de 1497, no comando de três pequenas embarcações: as naus São Gabriel e São Rafael e a caravela São Miguel, conhecida como Bérrio. Houve missa solene, com a presença do Rei e de toda a corte; rezas e penitências pelo êxito da missão na noite anterior, passada em claro.

A viagem foi descrita em diário, redigido por autor anônimo, que se suspeita ser o soldado ou marinheiro Álvaro Velho. Assim começa a narrativa: “Em nome de Deus amém. No ano de 1497, el-rei D. Manoel, o primeiro com este nome em Portugal, enviou quatro navios em viagem de descoberta, em busca de especiarias. O capitão-mor da esquadra era Vasco da Gama. Paulo da Gama, seu irmão, comandava um dos navios, e Nicolau Coelho, o outro”.

Em novembro, os navegadores chegaram na extremidade sul da África: “Às nove horas, avistamos terra. Com muitas bandeiras, estandartes e bombardas, todos vestidos de festa, juntamo-nos para saudar o capitão-mor”. Em 20 de novembro, cruzaram o Cabo da Boa Esperança, passando a navegar no Oceano Índico. Negociaram com os moradores, trocando um boi por três manilhas: “O capitão-mor mandou que se tocassem as trombetas, e todos nós pusemo-nos a dançar nos batéis, até mesmo o capitão”.

Na seqüência, enfrentaram uma tempestade, quase perdendo a nau de Nicolau Coelho. Quebraram um mastro e ultrapassaram o limite de onde Bartolomeu Dias fora forçado, por sua tripulação, a retornar à Europa. Promoveram vários encontros com os naturais: “Esta gente é negra. As mulheres moças, que são bonitas, têm os beiços furados em três lugares. Esta gente distrai-se muito conosco. Em suas almadias (canoas), trazem até nossos navios frutos da terra. Nós também vamos a sua aldeia para buscar água”.

Chegaram depois a Moçambique e ao mundo árabe: barcos à vela, panos e vestimentas finas, toucas na cabeça. Encontraram o Sultão, “tão cheio de si que desprezava tudo quanto lhe ofertávamos”. Passaram depois por Mombaça, já bem ao norte do Canal de Moçambique. Alcançaram Melinde, onde conseguem um piloto árabe.

“Na manhã seguinte, 28 de maio, o capitão foi encontrar-se com el-rei. Levava consigo 13 homens, dentre os quais eu estava.” Foram carregados em liteiras até o palácio, distante do mar. Uma verdadeira multidão vinha vê-los, sem saber que ali, virava-se uma página importante da história.

Termina assim a narrativa da estadia nas Índias: “No dia 29 de agosto, como já havíamos achado e descoberto o que viéramos buscar, tanto de especiarias como de pedras preciosas,... fizemos as velas e partimos a caminho de Portugal. Íamos todos muito contentes por sermos tão bem-aventurados de termos encontrado algo tão grande como tínhamos achado!”

Os navios levaram mais de três meses de travessia até a África, por causa das calmarias, e quase toda a tripulação foi atacada de escorbuto. Morreram 30 homens e não havia mais do que sete ou oito tripulantes por navio em condições de manejá-los.

Em 20 de março passaram o Cabo da Boa Esperança: estavam novamente no Atlântico. Por razões desconhecidas, o relato termina no dia 25 de abril de 1499, quando os dois navios restantes estavam nas proximidades da Guiné. Vasco da Gama retornou a Portugal somente em 9 de setembro, desembarcando no dia 18, recebido com festejos que se estenderam por dias. Sobreviveram 55 marujos e 115 pereceram: o mundo jamais seria o mesmo.

Vasco da Gama, agraciado com pensões e honrarias, havia logrado vários feitos: realizara a “volta do mar”, encurtando a viagem até a extremidade africana; pressentira o Brasil; fora o primeiro europeu a subir o Índico, aportando em alguns dos maiores portos da costa oriental africana, reencontrando os mouros e alcançando as ricas cidades indianas. Negociara com reis e senhores poderosos. Abrira novos caminhos para o mundo. Vasco da Gama realizaria ainda duas viagens ao Oriente. Em 1502 comandou a denominada “esquadra da vingança”.

Chegou a Lisboa em setembro de 1503, com uma fortuna em especiarias nos porões. Apesar destes despojos, tanto quanto Pedro Álvares Cabral e por razões desconhecidas, Vasco da Gama permaneceu 21 anos no ostracismo, até o final do reinado de D. Manoel. Em 9 de abril de 1524, comandando uma frota de 14 navios e 3 mil tripulantes, voltou ao Oriente, embora já contasse com quase 60 anos. O severo almirante, entretanto, morreu três meses depois de sua terceira chegada ao Oriente.

O almirante

O fidalgo Pedro Álvares Cabral nasceu longe do mar, no norte de Portugal, quase na fronteira com a Espanha. É provável que tenha participado com distinção de campanhas na África. A armada por ele era seis vezes maior do que a de Vasco da Gama: nove naus, três caravelas e uma embarcação de suprimentos, tripuladas por 1.500 homens.

“E assim seguimos nosso caminho por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E, quarta feira seguinte, pela manhã topamos aves a que chamam furabuchos. Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dêle; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome- o MONTE PASCOAL e à terra - a TERRA DE VERA CRUZ.”

A frota permaneceu no Brasil por cerca de duas semanas, reabastecendo-se de água e lenha e convivendo pacificamente com os nativos. A maior parte da carta de Caminha descreve os índios, seus costumes, suas feições e reações diante dos portugueses. Duas missas foram rezadas e o navio dos suprimentos foi mandado de volta para Portugal com a notícia do descobrimento.

“E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. (...)
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! (...)
E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo. (...)

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.”

A viagem para o Oriente

A carta, escrita de Porto Seguro, não relata o restante da viagem. Na altura do Cabo da Boa Esperança, a 23 de maio de 1500, a frota foi colhida por violenta tempestade. Naufragaram três naus e a caravela de Bartolomeu Dias. Quase 400 pessoas desapareceram. Apenas seis embarcações alcançaram o Oriente.

Chegando a Calicute a expedição encontrou os comerciantes mouros exaltados contra eles. As divergências se acirraram e a feitoria portuguesa foi atacada. Morreram 41 portugueses, entre eles o cronista Pero Vaz de Caminha. Em represália, Cabral bombardeou a cidade por um dia inteiro.

O resultado da viagem

Cabral, apesar dos infortúnios e dos naufrágios, foi o segundo capitão a voltar das Índias. Completou a “volta do mar”, encontrou terras a oeste do Atlântico e estabeleceu relações no Oriente, deixando aberta uma feitoria. Seu comando parece ter sido aprovado, pois foi convidado para chefiar a frota organizada para 1502. Desentendimentos de última hora tiraram-lhe o posto, oferecido então, pela segunda vez a Vasco da Gama. Da Carta de Caminha, vislumbra-se um comandante sóbrio, respeitado pela tripulação, que chamava os capitães dos outros barcos para conselhos e que tratou os índios com consideração. Retornando do Oriente, Pedro Álvares Cabral não mais sairia do ostracismo. Morreu incógnito, próximo de sua terra natal, ao que se saiba, sem nunca voltar a navegar.

Fernão de Magalhães

Dentre as viagens mais fantásticas da história está a do português Fernão de Magalhães. Nascido em 1480, sobressaiu-se na África e na Ásia. Descontente com o rei de Portugal e recebendo tentadora proposta, passou-se para a Espanha. Carlos V confiou-lhe cinco navios e ele partiu a 21 de setembro de 1519 com o mesmo objetivo de Colombo: chegar ao Oriente navegando para oeste e não para leste, como faziam os portugueses.

Naquele tempo já se sabia que a América era um continente entre a Europa e a Ásia, mas não se conseguira contorná-la. Atravessaram o Atlântico e fizeram escala na Guanabara (que chamaram Santa Lúcia ) e no verão, sempre descendo para o sul, procurando a extremidade do continente, estavam na foz do Prata.

Na altura do atual Uruguai, o continente volta-se para oeste, dando a falsa impressão de terminar. Depois de muita pesquisa, notando que eram águas doces, perceberam tratar-se de um grande rio, o mesmo onde o piloto-mor da Espanha, Juan Dias Solis fora morto anos antes. Rumaram novamente para o sul, pesquisando cada reentrância do atual litoral argentino. O frio tornava-se mais intenso a cada dia: os europeus avistaram pingüins pela primeira vez na história. Resolveram invernar em uma das baías, onde explodiu uma revolta contra o capitão, que a esmaga com mão de ferro.

Prosseguindo viagem, sempre para o sul, encontraram grandes pegadas e chamaram a terra de Patagônia. Depois de inúmeras tentativas, se depararam com o estreito que, atualmente, traz o nome de Magalhães. Navegaram um mês pelos canais de altas escarpas e fortes correntes, viram clarões de fogueiras em uma das noites: era a Terra do Fogo.

Saindo finalmente do canal, estavam em pleno Pacífico. Rumando diretamente para oeste, enfrentaram grandes calmarias que trouxeram a fome e o escorbuto. Devoraram couros, serragens e caçaram os ratos de bordo. Apesar de terem passado perto de centenas de ilhas, levaram quatro meses para alcançar uma delas, Cebu, nas atuais Filipinas, repleta de habitantes hostis. Um escravo da frota, originário de Java, entendeu a língua dos nativos, um sinal de que estavam próximos das Molucas: acabavam de cruzar o maior dos oceanos, o Pacífico.

Envolvido em um incidente local, Magalhães foi morto por silvícolas. Morto o chefe, o rei de Cebu armou uma cilada, convidando os 24 maiorais da frota para um jantar. A um sinal, todos foram degolados, com exceção de João Lopes Carvalho, que pressentira o perigo. Vagaram pelas ilhas, piratearam e voltaram a sentir fome. Carvalho foi destituído e aprisionado por um dos membros da frota, Juan Sebastian de Elcano. Encontraram as Molucas, ricas ilhas do Índico, onde Magalhães havia prometido a Carlos V que chegaria, e encheram os porões de especiarias.

Da aventura restou apenas a nau Victória, que partiu sozinha a 21 de novembro de 1521. Cinqüenta e três europeus preferiram ficar nas Molucas e 47 partiram, acompanhados de 17 nativos. Apenas 18 tripulantes pisaram o solo da Espanha a seis de setembro de 1522, em San Lucar de Barrameda: foram os primeiros homens a contornar todo o planeta.

As expedições guarda-costas

Logo depois do descobrimento, foram mandadas ao Brasil expedições de reconhecimento. Sabe-se pouco da primeira delas. Enviada ainda em 1501, da qual fez parte Américo Vespúcio. Percorreu boa parte da costa e pode ter ido além do Rio da Prata. Da segunda, de 1503, sabe-se ainda menos. Os relatos não eram encorajadores. Desconsolados com a ausência de riquezas imediatas, os navegantes diziam haver apenas árvores imensas e águas sem fim.

Apenas o pau-brasil representava interesse comercial. Fora notado por Colombo no Caribe e citado por Caminha em sua carta ao rei. A França, que possuía uma crescente indústria têxtil, logo se interessou e seus navios começaram a vir com freqüência cada vez maior ao Brasil. Percebendo o perigo, Portugal tentou evitar essas viagens. Falhou a diplomacia e montaram-se expedições guarda-costas.

As mais famosas dessas expedições foram comandadas por Cristóvão Jacques. Conta-se que, na primeira, onde foram aprisionadas várias naus francesas, o capitão mandou enforcar marujos no mastro e queimar navios com os tripulantes dentro. O preço dos produtos, entretanto, continuava estimulando as viagens e a única solução seria povoar o território; problema difícil para os lusos que eram pouco mais de um milhão de habitantes e estavam envolvidos com a África, a América e o Oriente, além dos eternos receios da Espanha na Europa.

A viagem de Martim Afonso de Souza

Em Portugal montou-se, então, a notável expedição de Martim Afonso de Souza, saída de Lisboa em 1530. Esta frota chegou ao Brasil por Pernambuco. Encontrou e aprisionou navios franceses. Inspecionou e explorou todo o litoral, até o Rio da Prata. Salvando-se do naufrágio da capitânia, Martim Afonso fundou a primeira povoação brasileira, São Vicente. Enviou 80 homens em exploração ao interior, dos quais nunca mais se obteve notícias. Plantou as primeiras mudas de cana-de-açúcar e estabeleceu a primeira capitania hereditária.

Martim Afonso retornou depois a Portugal, de onde foi para o Oriente, tornando-se um dos mais célebres vice-reis nas Índias. Seu irmão, Pero Lopes de Souza, o marinheiro da frota, recebeu como prêmio uma capitania no nordeste e as Terras de Santana, hoje Santa Catarina. Pero foi um dos maiores marinheiros lusos de seu tempo e escreveu o famoso Diário de Navegação, onde relata, dia a dia, as extraordinárias peripécias da viagem.


Fonte: www.museunacionaldomar.com.br/