11.4.12

A história da invenção do avião



A cena: Paris, a “Cidade-Luz”, capital da França, exibindo suas aspirações e frutos de uma continuada e, ainda, efervescente Revolução Industrial e Cultural. O ano: 1906, o dia: 23 de outubro, às 16h45min; inúmeras pessoas, com os seus chapéus nas mãos, vibrando, acenando ao alto, extasiadas pelo que presenciavam, enquanto Santos Dumont cruzava, em vôo, o Campo de Bagatelle, com o seu Mais-Pesado-Que-o- Ar: o 14-Bis.

Este relato descreve, de forma sucinta, o motivo de comemorarmos em 23 de outubro, o Dia do Aviador. Porém, sua importância vai além de representar apenas a data magna da Aeronáutica – aqui entendida como a Ciência da Navegação Aérea – e da Força Aérea Brasileira. Essa data é carregada de inquestionável valor histórico; porém para desfilarmos seus motivos, torna-se imprescindível falarmos do ilustre brasileiro Alberto Santos Dumont.

Toda história teve início quando, aos 24 anos de idade, o jovem engenheiro de formação e ascendência francesa, Dr. Henrique Dumont conheceu a jovem Francisca de Paula Santos e, se casaram, a 6 de setembro de 1856, na cidade de Ouro Preto-MG.

Em 1872, o Dr. Henrique Dumont foi contratado para trabalhar na construção da Ferrovia Pedro II, posteriormente conhecida como Estrada de Ferro Central do Brasil, que ligaria o Rio de Janeiro a Minas Gerais, particularmente o trecho localizado na Serra da Mantiqueira.

Para não ficar longe da família, o Dr. Henrique trouxe sua esposa, os cinco filhos, instalando-se em uma casa próxima às obras, na Fazenda Cabangu, entre os Distritos de João Ayres e João Gomes; local onde nasceu, a 20 de julho de 1873, data em que o Dr. Henrique completava seus 41 anos, o sexto, dos oito filhos do casal, batizado como Alberto Santos Dumont.

Concluída as obras em 1875, a família Dumont mudou-se para a cidade de Valença-RJ e, posteriormente, em 1879, para Ribeirão Preto-SP, onde se estabeleceu na Fazenda Arindeúva, ocupando-se com plantio e beneficiamento de café, através da empresa Dumont Coffee Company.

Em 1891, Santos Dumont viajou com seus pais para Paris. Os dez últimos anos do século XX foram marcados por inúmeras evoluções tecnológicas, como o gramofone, a linotipia, a turbina a gás, o cinema e o cinerama.

O motor a gasolina, ou seja, de explosão, também conhecido como motor de combustão interna, era a sensação do momento, fazia o maior sucesso e, devido a isto, exposições da época mostravam-no em múltiplas versões e funcionando sob os mais variados princípios. Ao visitar uma dessas exposições, o então jovem Santos Dumont ficou fascinado, pois sempre se viu interessado em entender aquele mecanismo.

A família Dumont voltou para o Brasil e, juntamente, Alberto, mas não para ficar muito tempo, pois tinha em mente uma séria de idéias e concluíra que Paris seria o local ideal para colocá-las em prática.

Seu pai, que além de engenheiro era fazendeiro e abastado cafeicultor, fez todo o possível para facilitar o empreendimento do filho. Além de emancipá-lo com apenas 18 anos, deu-lhe, antecipadamente, sua herança, composta de ações e títulos de renda que lhe permitiram viver folgadamente e financiar, sem ajuda de terceiros, todas as suas experiências.

Em 1892, Santos Dumont voltou para Paris, disposto a aprender tudo sobre Mecânica e, em especial, sobre motores a explosão, objetivando colocar em prática um plano que vinha articulando desde criança.

Embora não primasse pela originalidade, o projeto era arrojado: consistia em criar um aparelho que permitisse ao homem voar, controlando o seu próprio curso.

Podemos acrescentar que, a passagem do século XIX, até, aproximadamente, os dez primeiros anos do século XX, marcou Paris com uma idéia e vontade fixa de grande parte da população: voar! Várias pessoas tentaram a proeza e tiveram um resultado final funesto, outras, com melhor sorte, apenas não obtiveram os resultados esperados. Muitos continuaram a tentar das mais diferentes maneiras.

Mas, até então, ninguém havia conseguido alçar vôo por seus próprios meios, manter-se no ar e, depois, retornar ao solo num aparelho dirigível, e era isso que Santos Dumont pretendia.

Na realidade, o projeto de Santos Dumont não era novo, pois já existiam balões.

Quando ainda menino, em Ribeirão Preto-SP, ele já ficava intrigado com os Sanhaços e Tico-Ticos que pousavam em seu quintal e depois ganhavam o ar, novamente, com a maior tranqüilidade, afinal – pensava ele – “as aves são pesadas e, se elas conseguem voar, por que não o homem?”.

EXPERIÊNCIAS INICIAIS

O primeiro balão construído por Santos Dumont não tinha motor, dependia do vento para deslocarse, mas acrescentou muito, no que tange o emprego de materiais, até então nunca utilizados. Ao vê-lo, houve muitos parisienses duvidaram do bom senso de Santos Dumont. O balão “Brasil”, como foi batizado, era diferente dos outros modelos conhecidos, tinha o formato esférico e um invólucro com diâmetro inferior a 5 metros, com capacidade para 113 m3 de gás; seu peso era de 15 kg e, a rede, que em outros balões chegava a pesar 50 kg, no “Brasil” não passava de 1.800 gramas; a barquinha, que geralmente pesava mais de 30 kg em outros balões, agora limitava-se a 6 kg, e como não bastasse toda essa economia de peso, até a âncora foi substituída por um arpão de ferro.

Mesmo com todas as previsões pessimistas, por ocasião de seu primeiro vôo, o menor aeróstato do mundo ganhou altura valentemente, provando que Santos Dumont, embora estreante, sabia muito bem o que fazia em matéria de construção aeronáutica. O sucesso do “Brasil” foi somente o primeiro passo. A dirigibilidade dos balões era o que realmente interessava a Santos Dumont; porém, para chegar a ela, teria que utilizar balões com propulsão própria.

Santos Dumont aprofundou seus estudos, concentrando-se, principalmente, em Mecânica e em motor de combustão interna, pelo qual se viu impressionado à primeira vista, tornando-o objeto constante de suas pesquisas, na busca de um motor ideal para propelir um veículo aéreo, com as seguintes características: pouco peso, muita força e o uso de combustível líquido, por ser mais fácil de ser transportado. O objetivo foi alcançado em 1897, quando construiu um motor de dois cilindros e o adaptou a um triciclo.

Depois de muitos estudos e planejamento, mandou construir um balão que foi batizado como “Santos Dumont Nº 1”, o primeiro de uma série de balões com a forma de “charutos voadores motorizados”. O número foi colocado propositadamente, para diferenciá-lo dos outros que certamente viriam, com inclusão de outras melhorias técnicas.

O novo balão foi criticado pelos especialistas da época. Segundo comentários, a seda japonesa utilizada na confecção do invólucro não era um material adequado para ser inflado com hidrogênio, um gás altamente explosivo. Além disso, instalar um motor a gasolina debaixo de um balão construído desta forma seria um verdadeiro suicídio, pois os gases quentes do escapamento fatalmente incendiariam o invólucro, fazendo explodir o hidrogênio.

Mais uma vez Santos Dumont estava certo. A 20 de setembro de 1898, depois de uma tentativa frustrada, o brasileiro pioneiro da aviação subiu aos céus e alcançou a altura de 400 metros, no comando do peculiar veículo que concebera. Ao pousar no mesmo ponto de onde partiu, deu prova definitiva que é possível impulsionar e dirigir uma embarcação aérea, mesmo contra o vento, em condições de absoluta segurança. Estava concluída mais uma etapa da conquista dos ares, a Ciência da Navegação Aérea.

Aberto o caminho, faltava explorá-lo, e Santos Dumont lançou-se com afinco à tarefa, construindo um balão após outro e realizando com eles, toda sorte de experiências, as quais lhe permitiram desvendar, gradualmente, os mistérios da navegação em veículos mais-leves-que-o-ar.

A cada novo balão que construía, Santos Dumont acrescentava aperfeiçoamentos, cuja falta se fizeram sentir no modelo anterior e, assim, os seus aparelhos iam se tornando cada vez mais funcionais e seguros.

No ano de 1900, o milionário francês Henri Deustsch de la Meurth, entusiasta e mecenas da aviação, lançou um desafio aos construtores de dirigíveis: quem conseguisse partir do Campo de Saint-Cloud, fazer a volta em torno da Torre Eiffel e retornar ao local de partida, no prazo de trinta minutos, sem tocar ano solo, faria jus a um prêmio 125.000 francos.

Pilotando o seu mais recente balão, o “Nº 6”, Santos Dumont levantou vôo do Campo de Saint- Cloud, a 19 de outubro de 1901, em disputa do prêmio que recebeu o nome de seu idealizador: Deustsch.

Antes do fim do prazo estipulado estava de volta. Dos 125.000 francos, distribuiu 50.000 entre os seus mecânicos e auxiliares. A outra parte, 75.000, foi entregue à polícia parisiense para ajudar os necessitados; ao autor da façanha coube, apenas, a satisfação de ter demonstrado, diante de uma assistência oficial, que o dirigível era um veículo perfeitamente manejável e seguro. Ainda, por ocasião deste feito, somou-se um outro prêmio, conferido a Santos Dumont pelo governo do Brasil, constituído de uma medalha de ouro assinada pelo então Presidente da República (1898-1902), Dr. Manoel Ferraz de Campos Sales (1841-1913); acompanhada do prêmio, em espécie, de 100 contos de réis, equivalente, na época, a 125.000 francos.

Depois do “Nº 6”, Santos Dumont construiu vários outros balões: o “Nº 7”. Projetado e construído exclusivamente para corridas, era uma obra-prima de elegância: delgado, esguio, alcançava a velocidade de 80 km/h; entretanto, nunca chegou a competir, pois não apareceram concorrentes com disposição e capacidade para enfrentá-lo.

O “Nº 8” não existiu, pois Santos Dumont era bastante supersticioso, e evitava este número devido ao acidente ocorrido com o dirigível “Nº 5”, no dia 8 de agosto (oitavo mês do ano); então, em decorrência disto, saltou do 7 para o “Nº 9”.

O dirigível “Nº 9”, conferiu a Santos Dumont grande popularidade, pois abandonou sua antiga regra de segurança, passando a transportar pessoas de um lado para outro de Paris. Este gesto simpático, aliado à sua acanhada compleição física (1,50 m de altura e 50 kg), tornou-o carinhosamente conhecido como “Le Petit Santos”.

Para não ter de esvaziar os seus dirigíveis após cada vôo, em 1905 projetou e mandou construir um grande hangar, em Neuilly, Paris, que foi, aliás, o primeiro do mundo, onde recolhia seus “charutos voadores”, até a experiência seguinte, economizando tempo e dinheiro a ser gasto, com hidrogênio, para inflá-lo novamente.

O sucesso alcançado pelo “Nº 9” no transporte de pessoas, levou-o a projetar e construir um dirigível especialmente destinado para este fim. Surgiu, assim, o “Nº 10”, maior que todos os anteriores e chamado pelo próprio Santos Dumont de dirigível “Omnibus”. Seu invólucro tinha capacidade vinte vezes maior que a do primeiro balão, o “Brasil”, mas a potência de seu motor não ultrapassava 25 cavalos de força.

Já convicto da superioridade do veículo mais-pesado-que-o-ar sobre o balão dirigível, assim como todos os aeronautas da época, Santos Dumont passou a estudar a constituição física dos pássaros, o formato dos seus corpos e os movimentos que as aves faziam durante o vôo.

O 14-BIS

Depois de empreender catorze projetos, alguns não tendo apresentado os resultados esperados, além de passar dezenas de horas em vôo, Santos Dumont concluiu que os aeróstatos – forma genérica que designava os balões e os dirigíveis – eram lentos demais e, que para vencer a resistência do ar e voar mais depressa, teria que criar um aparelho mais pesado que o ar.

Então, Santos Dumont assim o fez: planejou, construiu o seu “Mais-Pesado-Que-o-Ar” e iniciou uma série de testes, que incluíram verificação de eficiência, comportamento no ar e estabilidade, feito por intermédio de um cabo de aço esticado entre dois postes e, após içar seu engenho, fê-lo deslizar sobre aquele, puxado por dois burrinhos.

Cauteloso e prudente que era, Santos Dumont não quis levantar vôo, correndo riscos; entretanto, apesar de suas limitações, o balão ainda era o meio de transporte aéreo mais seguro que existia, de modo que o inventor aproveitou esta qualidade num aparelho misto, apenas para fins experimentais. Consistia no conjunto composto pelo dirigível “Nº 14”, ao qual foi atrelado o seu novo engenho, uma aeronave feita de bambu, com ligas, interseções e cantoneiras de alumínio, revestimento de seda japonesa e, com as seguintes medidas: 11,5 metros de envergadura (medida das asas, tomada de uma ponta à outra), 10 metros de comprimento e 290 kg. Este conjunto foi denominado pelos amigos e pessoas que costumavam assistir às experiências de Santos Dumont, de 14-Bis.

Mesmo tendo em mente o caráter provisório do conjunto, Santos Dumont o manteve, pois enquanto o balão “Nº 14” erguia o aeroplano, evitava acidentes e protegia de possíveis falhas durante a decolagem, aterrissagem e o mantinha no ar, permitindo que fossem realizados os testes de comportamento em vôo, sem riscos de queda.

Em julho de 1906, o aeroplano de Santos Dumont foi emancipado do balão “Nº 14”, porém seu nome permaneceu: 14-Bis; ocorrendo após isto, seus primeiros testes. Pouco depois, seu construtor o inscreveu para disputar o Prêmio Archdeacom.

Ernest Archdeacom, aficionado da aviação, estabeleceu um prêmio, no valor de 3.000 francos para o piloto que conseguisse voar 25 metros, com um aparelho mais-pesado-que-o-ar. O Aeroclube da França acrescentou mais 1.500 francos, como prêmio, para o piloto que conseguisse cobrir a distância de 100 metros em vôo.

Ficou estabelecida a manhã do dia 23 de outubro de 1906, para a realização da prova do concurso.

Apenas Santos Dumont se apresentou, juntamente com o seu 14-Bis; porém, como o aeroplano teve problemas de ordem mecânica em seu trem-de-pouso, nos momentos que antecederam a prova; esta foi adiada para a parte da tarde e, até lá, Santos Dumont empreendeu todos os seus esforços nos reparos de seu avião, não parando nem mesmo para almoçar.

Chegada a tarde e, já tendo executado os ajustes necessários, Santos Dumont e o 14-Bis, realizaram o feito. Grande multidão que se encontrava no Campo de Bagatelle, assistiu à conquista do Prêmio Archdeacom, quando o 14-Bis, depois de tomar embalo e percorrer, em vôo, 60 metros a 80 centímetros do solo.

Era a primeira vez, diante de uma comissão oficialmente constituída – a Comissão Fiscalizadora do Aeroclube da França – que um aparelho mais-pesado-que-o-ar se elevava do solo e tornava a descer, depois de ter cumprir um percurso previamente determinado, sem recorrer a outros meios, além de sua própria força motriz.

A imprensa mundial aclamou a vitória do brasileiro e, a partir de então, Santos Dumont tornou-se tema de noticiários e comentários em toda a Europa. Logo, porém, apareceram descrentes de sua façanha, alegando ter sido, o vôo do 14-Bis, um “salto”. A estes, Alberto Santos Dumont respondeu no mês seguinte, a 12 de novembro, ao conquistar, também, o prêmio oferecido pelo Aeroclube da França e, desta vez, não deixou margem para dúvidas: dos seus 24 cavalos de seu motorzinho, o 14-Bis cruzou, novamente, no céu, a distância de 220 metros, erguendo-se à altura de 6 metros. Inaugurando assim, de forma inequívoca e definitiva, a Centenária Era da Aviação.

Fonte: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao12/materia02/