A descoberta de parte do pé de um possível ancestral humano que viveu há 3,4 milhões de anos pode ajudar a esclarecer o momento em que os hominídeos se tornaram bípedes. O primata ainda se locomovia subindo em árvores, mas também seria capaz de caminhar sem apoio.
Por: Mariana Rocha
Os traços de oito ossos do pé direito de um hominídeo encontrado na Etiópia apontam que ele era capaz de andar sobre os dois pés, embora se locomovesse escalando árvores. (foto: The Cleveland Museum of Natural History, cortesia de Yohannes Haile-Selassie)
Pesquisadores dos Estados Unidos e da Etiópia encontraram evidências de um possível ancestral humano que viveu há 3,4 milhões de anos e, diferentemente de outros hominídeos da mesma época, ainda escalava árvores para se locomover. A descoberta de parte do pé direito desse primata, que também exibia características semelhantes às dos pés do homem moderno, pode ajudar a esclarecer em que momento ocorreu a transição para o andar bípede.
Os fósseis foram encontrados em um sítio arqueológico em Woranso-Mille, na região de Afar, na Etiópia. Os oito ossos coletados formam os dedos e parte do peito do pé direito de um primata. A comparação de aspectos morfológicos do material – como peso e tamanho – com os de ossos de espécies de gorilas, de macacos do Velho Mundo e do próprio homem moderno mostra que se tratava de um hominídeo. Os fósseis coletados exibem traços tanto de primatas bípedes quanto dos que usam os membros anteriores como apoio para caminhar.
Os pesquisadores ressaltam que o pé encontrado não pertence ao Australopithecus afarensis, espécie que viveu no mesmo período e apresentava andar bípede. Ao comparar o fóssil com a ossada de Lucy, exemplar de australopitecos coletado na mesma região em 1974, os cientistas identificaram importantes diferenças anatômicas que indicam como o hominídeo se deslocava pelo ambiente.Os ossos do pé do hominídeo foram encontrados em um sítio arqueológico na região de Afar, na Etiópia, onde, em 1974, foi coletada uma ossada de um exemplar de ‘Australopithecus afarensis’ batizado de Lucy. (foto: The Cleveland Museum of Natural History, cortesia de Yohannes Haile-Selassie)
Assim como a espécie humana moderna, Lucy exibia os cinco dedos dos pés alinhados e uniformes. Já o pé encontrado apresenta um dedo que atua da mesma forma que o polegar opositor da mão humana. Esse mesmo dedo é visto nos pés de primatas como o gorila e é denominado opositor por permitir que o animal realize movimentos de pinça, o que facilita a subida e o deslocamento entre as árvores.
Por outro lado, foram encontrados metatarsos (ossos responsáveis por formar o dorso do pé) semelhantes aos do homem moderno. O achado indica que, apesar de desengonçado, o hominídeo encontrado também era capaz de manter um caminhar bípede.
Evolução do caminhar
O estudo, publicado esta semana na revista Nature, pode influenciar a maneira como os cientistas traçam a evolução do andar humano. Pela primeira vez, hominídeos que escalavam árvores foram descritos vivendo junto a outros hominídeos que se locomoviam apenas em terra – no caso, os Australopithecus afarensis – em uma mesma região e em um mesmo período.
A anatomia dos ossos sugere que se trata de uma espécie nova
Beverly Saylor, geóloga da Universidade Case Western Reserve e coautora do estudo, explica que o ambiente favorecia os hábitos dos dois primatas. “A presença de fósseis de peixes, crocodilos e tartarugas, além das características físicas e químicas dos sedimentos, mostra que a região formava um mosaico natural e permitia diferentes modos de locomoção”, diz em entrevista coletiva disponibilizada pela Nature.
O material encontrado é considerado raro, pois ossos dos pés geralmente são frágeis e não resistem à deterioração que ocorre com o passar do tempo. Como foi achada apenas parte do pé do hominídeo, é difícil imaginar como era sua aparência. Mas, segundo os pesquisadores, a anatomia dos ossos sugere que se trata de uma espécie nova.
O antropólogo e coordenador da pesquisa, Bruce Latimer, da Universidade Case Western Reserve, destacou, em entrevista coletiva, sua surpresa ao coletar o material. “Já estudei muitos fósseis do mesmo período e nenhum se parece com o que encontramos. Ainda é preciso buscar novas pistas, mas apostamos na descoberta de uma nova espécie.”
Mariana Rocha
Fonte: Ciência Hoje On-line