Não existia compositor de música de carnaval. Foi Chiquinha Gonzaga quem, aliada a outros criadores de música popular, lançou a novidade em 1899 com Ô Abre Alas, hino do reinado de Momo.
Sempre que pensamos em Carnaval, uma trilha sonora passeia pela nossa imaginação ou lembrança, quase sem querer. Entre marchas, sambas ou frevos, dificilmente deixa de surgir na memória a letra de uma canção centenária, composta por uma mulher rebelde, à frente de seu tempo: Ô abre alas / Que eu quero passar.
Por volta de 1899, Chiquinha morava no Andaraí, subúrbio do Rio. Foliões se concentravam no bairro, ponto de encontro de cordões. Um deles, o Rosa de Ouro, pediu-lhe uma música para enriquecer a festa. A compositora foi ao piano e, inspirada nos próprios ensaios do cordão, criou Ô Abre Alas, nossa primeira música composta exclusivamente para o Carnaval. Até ali, nenhum compositor havia pensado nisso. O que havia eram estribilhos populares, sem melodia elaborada, cantados nos dias de folia. A marcha fez tanto sucesso, que Chiquinha incluiu-a num espetáculo de teatro de revista, sendo pioneira também em levar para o salão o que era da rua.
Ô Abre Alas ainda hoje se toca e se canta na abertura ou no fechamento dos bailes de Carnaval.
Falou Carnaval, falou samba
Ele não nasceu carnavalesco. Nossa festa mais famosa, que marca extra-oficialmente o início do ano, sempre rolou ao som de vários ritmos. Mas quem virou sinônimo de Carnaval foi ele, o samba.
Calendários variam conforme países e culturas. No Brasil, é comum dizer que o ano só começa depois do Carnaval. Não deixa de ser forma original de marcar o tempo, como se o País parasse para finalmente recomeçar a vida. Franceses param no aniversário da tomada da bastilha na revolução de 1789 (14 de julho); nós paramos durante o reinado de Momo. Nosso jeito de ser.
Hoje Carnaval é samba em boa parte do País. Mas, como continua acontecendo em Olinda ou Recife, nos primeiros anos do século 20 os gêneros eram bem variados. Depois, o ritmo que os cariocas consagraram espalhou-se Brasil afora e só não tomou conta do Carnaval pernambucano, baiano e de alguns lugares do interior. Neste breve panorama, mostramos como o samba virou símbolo do Carnaval brasileiro.
Marcha, ópera, chula e lundu
No início do século 20, no Rio de Janeiro, a festa se dividia entre o carnaval de elite e o carnaval “do povo”. No primeiro havia corsos e desfiles das sociedades carnavalescas, com carros alegóricos e bandas que tocavam marchas e até trechos de ópera. No popular, predominavam blocos, cordões e ranchos, onde se ouviam chulas e lundus.
O corso era coisa das elites. Famílias e amigos saíam em desfile com seus carros, fantasiados de pierrôs, colombinas ou marinheiros, travando batalhas de confete e serpentina. Muitas vezes se faziam acompanhar de bandas que tocavam marchas.
As sociedades carnavalescas surgiram na metade do século 19, formadas por brancos da classe média e aristocratas que se reuniam para discutir negócios, jogar cartas, beber e organizar o Carnaval. Acima, carro alegórico com a Lira de Sapho, do Clube dos Fenianos, em 1913.
Novo ritmo faz escola
Fixado como principal ritmo do Carnaval do Rio, ao lado das marchinhas, o samba espalhou escolas no final dos anos de 1920. Depois da Deixa Falar, as mais famosas e tradicionais, Mangueira e Portela, surgiram da união de grupos e blocos do morro da Mangueira e do subúrbio de Madureira, que queriam se divertir com samba. Na era do rádio, a partir dos anos de 1930, e com o disco, o ritmo se espalharia pelo Brasil, predominando como gênero de Carnaval.
Gente humilde tinha seu jeito de brincar
Tia Ciata, líder da comunidade baiana no Rio, no início do século 20, uma das responsáveis pela difusão do samba, criou O Macaco é Outro, rancho de operários e descendentes de escravos.
Maxixe é outra coisa
“A gente precisava de um samba para movimentar os braços para a frente e para trás (…). A gente precisava de um samba para sambar.” A afirmação de Ismael Silva, fundador da primeira escola de samba, a Deixa Falar, em 1928, explica a primeira mudança rítmica do gênero.
Até meados da década de 1920, sambas de sucesso como Pelo Telefone, Jura e outros, eram bem parecidos com maxixe. O primeiro samba “moderno” foi A Malandragem, composto por Bide e gravado por Francisco Alves em 1927. A Deixa Falar era vizinha de uma escola normal que formava professores para a rede escolar. Ismael resolveu chamar seu bloco de Escola de Samba, já que formaria professores de samba.
Surdo fala mais alto
O sambista Alcebíades Barcelos, o Bide, não se contentava com o som das grandes latas de manteiga usadas na percussão. Pegou dois aros, tarraxas e um couro bem esticado. E entrou com a Deixa Falar falando alto na Praça Onze, onde os blocos populares do Rio brincavam. Estava inventado o surdo, instrumento de marcação que comanda a escola, ouvido por todos os componentes
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