Fernando Kitzinger Dannemann
1503 – CICLO DO PAU-BRASIL, O
Muito antes da chegada de Cabral às terras ameríndias, os europeus já conheciam a madeira de cujo cerne avermelhado, cor de brasa, extraíam um corante com que se tingiam panos. Era trazido das Índias pelos árabes, que auferiam grandes lucros nessa empresa, já que a cor vermelha dos tecidos, durante muitas décadas reservada aos eclesiásticos, entrara na preferência do vestuário burguês.
O pigmento responsável pela cor (substância depois denominada “brasilina”) era utilizado para tingidura desde a Idade Média. No século 16, seu valor comercial tornou-se tão grande que influiu na disputa por novas terras, entre franceses, holandeses e portugueses. Botanicamente, trata-se de árvore da família das leguminosas, pertencente à espécie Caesalpinia echinata (nome derivado dos numerosos espinhos que possui no tronco), praticamente extinta no século 20.
Em sua segunda expedição (1503) às terras encontradas três anos antes, Américo Vespúcio enviou a dom Manuel, rei de Portugal, um relatório informando que entre as riquezas procuradas as de maior proveito eram “infinitas árvores de pau-brasil”. Realmente, quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram nas matas atlânticas da região do Espírito Santo e da Bahia uma enorme quantidade de madeira de lei (caviúna, jacarandá e outras), especialmente uma árvore alta (8 a 10 metros e diâmetro de 80 centímetros), dura e resistente, cujo cerne tinha intensa coloração vermelha, da cor de brasa. Por isso, recebeu o nome de pau-brasil.
Logo após o regresso da expedição de Américo Vespúcio, dom Manuel colocou o comércio do pau-brasil sob monopólio da Coroa, mas os lucros obtidos com sua exploração eram bem inferiores aos que Portugal vinha conseguindo apurar com as especiarias trazidas da Índia. Assim, a extração da madeira foi entregue a uma companhia particular que se obrigou a vender todo o produto à Coroa, tendo-se estabelecido, para isso, um consórcio comercial de cristãos novos (de origem judaica) chefiados por Fernando de Noronha, com uma concessão de três anos.
Os primeiros mercadores comprometeram-se a enviar às novas terras seis navios por ano, explorar 300 léguas do seu território, além de construir e manter feitorias no litoral, pagando uma taxa fixa (4.000 ducados por ano) à Coroa portuguesa, em troca da licença concedida. Vencido o prazo da concessão, Fernando de Noronha conseguiu renová-la até 1511. Durante esse período a exploração anual da madeira foi avaliada em cerca de 20.000 quintais (medida equivalente a 4 arrobas, ou 60 quilos, a unidade), valendo cada um deles em torno de 2 ducados e meio (moeda de ouro e de valor variável, usada antigamente em muitos países da Europa) . A partir de 1513 o contrato passou para as mãos de Jorge Lopes Bixorde, mas bastante alterado: a companhia, por exemplo, poderia comerciar livremente a madeira, mediante imposto no valor de um quinto do carregamento.
Segundo Gabriel Soares de Souza, no Tratado Descritivo do Brasil de 1587, a madeira existia em abundância no litoral do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. A de melhor qualidade era obtida em Pernambuco, onde recebia o nome de “pau de Pernambuco”, e de onde saíam enormes carregamentos. O pau-brasil era extraído de maneira rudimentar. Os índios, que o chamavam de ibirapitinga, derrubavam as árvores e as empilhavam em troca de presentes. Eram eles também que, caminhando várias léguas, transportavam achas e toras nos ombros, ate o porto, e carregavam os navios (trabalho que seria executado pelos negros, após a introdução da escravatura).
Os franceses já haviam entrado em contato com os indígenas desde 1504, instalando feitorias no litoral brasileiro e enviando regularmente para a Europa navios carregados de madeira. Os protestos de dom Manuel jamais foram aceitos por Francisco I, rei da França. Mais habilitados no trato com os índios, os franceses conseguiram maiores vantagens que os português, mas seu sistema de exploração causou graves prejuízos às matas brasileiras: ao invés de cortar as árvores, eles ateavam fogo na parte inferior do tronco, provocando assim muitos incêndios que também matavam animais e destruíam preciosas essências (na ilustração, flores do pau-brasil).
Com a finalidade de acabar com a “pirataria estrangeira”, dom João III enviou expedições de guarda-costas para a colônia. Entre 1516 e 1519, e entre 1526 e 1528, os portugueses, chefiados por Cristóvão Jaques, conseguiram afundar e apreender vários navios franceses. Mas o policiamento era insuficiente para cobrir todo o imenso litoral brasileiro, e por isso Portugal viu-se diante da única alternativa para impedir o contrabando francês: enviar colonos para povoar definitivamente a nova terra.
Em 1530 Martim Afonso de Souza partiu de Lisboa à frente de quatrocentos homens, trazendo semente, mudas de plantas, instrumentos agrícolas e gado, com instruções para fundar feitorias e lotear o território da colônia. Após deixar três colonos na Bahia, ele chegou à baía de Guanabara, onde os franceses haviam se instalado. Três meses depois seguiu em direção ao sul, atingindo o rio da Prata. O navegador português fundou vilas (São Vicente, Santo Amaro e Santo André da Borda do Campo), e de regresso a Pernambuco aprisionou dois navios piratas carregados de pau-brasil, matando toda a tripulação. Ainda assim, em 1532, a fragata La Pelerine, transportando cerca de 5.000 toros, foi apreendida por uma frota portuguesa em Málaga e conduzida à corte de Lisboa.
Diante da insistência francesa, Portugal dividiu o Brasil em várias capitanias, cada uma delas tendo por governador um capitão-mor encarregado de controlar o litoral e expulsar os piratas franceses. Mas já se encontrava em declínio o curto ciclo do pau-brasil: a madeira escasseava e o nomadismo que caracterizava a atividade extrativa, impedia a constituição de verdadeiros núcleos de povoamento, Apesar do esgotamento das matas junto ao litoral, a extração continuou sob a forma de monopólio régio, possibilitando mesmo uma pequena exportação.
Até 1660, quando o pau-brasil já não era o principal produto exportado, os lucros eram consideráveis. Segundo balanço da época, num embarque de 10.000 quintais (limite máximo admitido no contrato), registrou-se a renda bruta de 40 contos. Eram deduzidos 10 contos de custo no Brasil, 3 contos de despesas com o transporte para Portugal, e 21 contos pagos a Real Fazenda. Isto significava 34 contos de despesas e 6 contos de lucros. Nessa época, a exploração do pau-brasil já estava sendo ultrapassada por uma nova atividade econômica: a da cana-de-açúcar.
Fonte: Enciclopédia Abril
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