2.10.09

Como funcionou o AI-5

Introdução ao AI-5


AI-5

Não era proibido proibir. Na contramão dos ideais libertários dos anos 60, um ato do grupo político e militar que governava o Brasil no final do emblemático ano de 1968 mergulhou o país em um período de censura, repressão e medo. Com ele, proibir era a praxe oficial do governo. Proibir a expressão de opiniões contrárias ao regime, proibir que as pessoas exercessem seus direitos políticos, proibir os cidadãos de se defenderem legalmente dos atos abusivos dos governantes.

Repressão
Agência Estado
O AI-5 deu carta branca para a fase mais violenta da repressão durante a ditadura militar no Brasil

E tudo começou no ano em que os movimentos libertários da década de 60 atingiram seu clímax em várias partes do mundo. Em 1968, até países que viviam sob regimes totalitários assistiram a radicais manifestações políticas, comportamentais e artísticas que reivindicaram liberdade e direitos. Em países democráticos, como a
França e os Estados Unidos, a rebeldia daquele ano fez eco no sistema educacional francês e na mobilização popular dos americanos contra a Guerra do Vietnã. Mas, nas ditaduras as reações foram violentas e endureceram ainda mais os mecanismos repressivos já instalados. A “Primavera de Praga”, como ficou conhecida a rebelião popular numa então Tchecoslováquia sob controle da União Soviética, foi sufocada por soldados e tanques mandados por Moscou. No Brasil, sob uma ditadura militar desde o golpe de 1964, a contestação ao regime foi silenciada com a implantação do Ato Institucional n.º 5, o AI-5.

Com ele o pouco de liberdade que restava após o golpe militar se foi. O Ato foi assinado e promulgado pelo marechal Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. Seu conteúdo havia sido aprovado pelo Conselho de Segurança Nacional, com a solitária discordância do vice-presidente Pedro Aleixo. O AI-5 foi uma reação imediata do governo à recusa do Congresso Nacional em permitir que fossem processados dois deputados da oposição, que haviam criticado a falta de liberdade e o regime opressivo em vigor no país. Mas, os 12 artigos do AI-5, que impuseram definitivamente uma ditadura no país, foram principalmente uma resposta do governo à versão brasileira das rebeliões e reivindicações que tomaram conta do mundo em 1968. Nos dez anos em que vigorou ele “legitimou” a censura, a repressão, a tortura, o medo, os mandos e desmandos de uma ditadura militar que, apoiada por grupos políticos e econômicos, ficou no poder até 1985.

Carta branca para reprimir

Deter o avanço do
comunismo era um dos principais ideais que nortearam o golpe de 1964 e boa parte da ditadura militar no Brasil. Em 1968, os militares e seus apoiadores civis no governo e na sociedade enxergavam em qualquer ato de rebeldia estudantil, dos trabalhadores ou de parlamentares a ameaça vermelha. Sob o pretexto das ações “subversivas” que eclodiram em 1968, a ala linha dura do governo pressionou no final daquele ano o presidente Costa e Silva a dar carta branca à repressão. Com o temor de um “golpe dentro do golpe”, ele cedeu. Inspirados no argumento de que “ou a revolução continua ou a revolução se desagrega”, os integrantes do Conselho de Segurança Nacional, entre eles os então ministros Magalhães Pinto, Delfim Netto e Jarbas Passarinho, aprovaram os 12 artigos do AI-5. Assim, a partir de 13 de dezembro de 1968, restringiram-se radicalmente os direitos dos cidadãos brasileiros. O presidente da República ficou autorizado a fazer a intervenção em governos estaduais e municipais, decretar o recesso do Congresso Nacional, cassar direitos políticos, suspender habeas corpus, legislar por decreto-lei, demitir ou aposentar juízes e funcionários públicos, proibir manifestações políticas e fazer o confisco de bens considerados ilícitos. Tudo isso sem a necessidade de nenhuma apreciação judicial.

AI-5 e o Brasil do ame-o ou deixe-o

O AI-5 foi o principal instrumento “legal” para silenciar a oposição utilizado pela ditadura militar no Brasil. E ele foi pensado para ser genérico o suficiente para justificar a repressão governamental em diversas frentes.

De cara, foi utilizado para a cassação ou suspensão dos direitos políticos de parlamentares, governadores, prefeitos, juízes, intelectuais, professores, militares e outros cidadãos que haviam se manifestado contra o governo. Segundo o historiador Thomas Skidmore, apenas nos dois primeiros meses foram 441 cassações [fonte: Aventuras na Historia]. O uso do AI-5 com essa finalidade aconteceu em todo o período em que vigorou. Mesmo o general Ernesto Geisel, que o revogou e iniciou um processo de abertura política no país, o utilizou para silenciar alguns opositores e críticos.

Resistência artística e censura

A partir da implantação do AI-5 e de sua incorporação à Constituição de 1967, a repressão imposta pela ditadura ampliou-se no campo cultural. A instituição da censura prévia limitou a circulação de idéias. Mas também acabou por estimular a criatividade de artistas e intelectuais. A Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal era o órgão responsável por verificar o conteúdo das músicas, filmes, programas televisivos, peças teatrais e outras manifestações culturais no país antes que elas chegassem ao público. Os jornais e revistas também estavam sujeitos ao crivo dos censores. A paranóica vigilância à veiculação de idéias subversivas ou que atentassem contra a moral vigente nas artes levou à censura de canções politizadas, como as de
Chico Buarque de Holanda, mas também de sucessos da música brega, como “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)”, de Odair José. Para driblar os censores, jornais alternativos como “O Pasquim” usavam, sem serem descobertos na maior parte das vezes, metáforas e humor negro para ironizar o regime. A combinação do AI-5 com a censura levou ao exílio de vários artistas e intelectuais brasileiros, como o poeta e crítico Ferreira Gullar, o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa e os compositores Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, entre outros.

Protesto
Agência Estado
Quem contestasse o governo durante a vigência do AI-5 corria o risco de ficar preso, já que não poderia recorrer ao habeas corpus

Após o AI-5, que suspendeu o
habeas corpus, foi estabelecido que as forças de segurança podiam prender qualquer um que representasse uma ameaça aos ideais do golpe de 1964 por até 60 dias, dos quais dez incomunicáveis. A partir daí, iniciou-se um período de repressão física e eliminação dos inimigos do regime. A prisão, tortura e o desaparecimento de opositores tornaram-se parte da rotina que assombrou a sociedade brasileira entre 1969 e 1974, principalmente. Nessa fase, conhecida como “anos de chumbo”, ocorreu a radicalização de uma guerra suja entre opositores e o regime militar. Parte da oposição aderiu à luta armada, com ações de terrorismo urbano e guerrilha no campo, e a repressão governamental agiu sem limites.

Nessa época um dos lemas do aparelho repressivo era de que “contra a pátria não há direitos”. O AI-5 não inaugurou a repressão política violenta na ditadura militar. Ela já tinha começado logo após o golpe de 64, mas ele deu uma autonomia maior para que órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI), o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) exercessem a tortura e o assassinato daqueles que eram considerados subversivos.

Aparentemente a idéia do presidente Costa e Silva, após ceder à ala linha dura dos militares com o AI-5, era promover a elaboração de uma nova Constituição para o país baseada nas idéias do grupo mais liberal do governo. No entanto, uma isquemia cerebral em 1969 o afastou do governo e a junta militar que o substituiu manteve o conteúdo do AI-5 incorporado à autoritária Constituição de 1967, imposta pelo governo militar. Assim com os fundamentos legais para uma ditadura estabelecidos, além da atividade política, outros campos sofreram a repressão governamental, como as artes e a imprensa.

Fontes:
FGV-CPDOC.
AI-5 – O mais duro golpe do regime militar. Disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/AI5.htm. Acesso em 01/12/2008.
MEIGUINS, Alessandro. Licença para matar em
Ditadura no Brasil: tudo sobre o regime militar de 1964 a 1985 (Aventuras na História). São Paulo: Editora Abril, abril de 2005.