randes proprietários de terras e de escravos formaram uma guarda em defesa de D. Pedro I. Seu objetivo foi alcançado: perpetuarem-se no poder. Passar de Reino a Colônia
Na boca do povo, a quadrinha refletia o temor vivido no Brasil depois do retorno de D. João VI a Portugal, em 24 de abril de 1821. Apesar de ter deixado seu filho Pedro como regente, o soberano, de volta à terrinha, poderia adotar novas políticas centralizadoras, e até mesmo devolver o Brasil à condição de colônia. Acirrava-se o antagonismo entre “brasileiros” e “portugueses”, até que, em dezembro daquele ano, veio de Lisboa uma ordem que deixou a situação ainda mais delicada: as Cortes determinavam o retorno de D. Pedro. Se ele acatasse, tudo poderia acontecer. As províncias seguiriam cada uma seu próprio caminho, ou, pior, como dizia a imperatriz Leopoldina, “uma Confederação de Povos no sistema democrático como nos Estados Livres da América do Norte”, referindo-se à independência dos Estados Unidos, ocorrida em 1776. A Independência do Brasil, sob o comando de D. Pedro, parecia a única forma de evitar o risco de instalação de um regime republicano por aqui. Mas era preciso agir rápido, pois as tropas portuguesas ameaçavam embarcar o príncipe à força. Quem poderia enfrentá-las? A resposta coube aos principais senhores de terra de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Mobilizando tropas de milícias, eles estavam dispostos a pegar em armas para defender D. Pedro. E foi o que fizeram. Paulo Barbosa da Silva, mineiro de Sabará, e Pedro Dias Pais Leme, fazendeiro em São João Marcos – importante comarca fluminense –, deslocaram-se por Minas Gerais e São Paulo para conseguir adeptos à permanência do príncipe. Tratavam com sua rede de conhecidos, que não era pequena: fazendeiros, tropeiros, boiadeiros e comerciantes que enriqueceram na economia mercantil de subsistência desde o século XVIII. Este grupo dominava as comarcas rurais, ocupando os principais cargos eletivos e o oficialato das milícias (forças armadas locais cuja oficialidade era formada pelos maiorais de cada região). Eles haviam feito do poder no Centro-Sul uma grande parentela. A articulação obteve um importante feito político quando, em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro declarou no Rio de Janeiro, “para felicidade geral do povo”, que ficava, desobedecendo à ordem das Cortes. Era o primeiro rompimento. Iniciava-se um ano turbulento. Em março, a mineira Vila Rica decide não obedecer mais ao príncipe. Dois meses depois, D. Pedro parte para Minas decidido a acabar com a revolta. No caminho, recebe adesões de peso: em São João D’El Rey aguardam-no os regimentos da Cavalaria de Milícias das Comarcas do Rio das Mortes e do Rio das Velhas, prontos para seguir com ele. O comandante do 1º Regimento do Rio das Velhas, Pedro Gomes Nogueira, era cunhado de Paulo Barbosa da Silva. Diante da força representada pelos regimentos de Cavalaria, Vila Rica recua. Mas, em maio, é São Paulo que se levanta. Acontece a “bernarda” (revolta) de Francisco Inácio de Sousa Queirós, homem com grande força política no oeste da província. Pertencia às famílias governantes de Sorocaba, que eram opositoras ferrenhas dos Andradas e favoráveis ao príncipe, desde que tutelado pelas Cortes. Mais uma vez, D. Pedro viaja para enfrentar a revolta. Mais uma vez, os grandes proprietários o aguardam. A partir de São João Marcos, no Vale do Paraíba, forma-se uma Guarda de Honra em apoio ao príncipe. Os “Leais Paulistas” e os “Leais Mineiros”, como se autodenominavam estes milicianos, também marcham para o Rio de Janeiro a fim de se juntarem à defesa de D. Pedro. Mais de dois mil homens ficam a postos em Santa Cruz, no Rio, prontos para enfrentar a Divisão Portuguesa. Outros descem para São Sebastião e Mangaratiba, à espera de um possível desembarque marítimo português. Em São João Marcos, aguardam o príncipe os irmãos do coronel Pedro Gomes Nogueira: os alferes Cassiano e Luís. O pai dos três, Hilário Gomes Nogueira, mineiro de Baependi, (primo de Manuel Jacinto Nogueira da Gama, “o Baependi”, um dos grandes articuladores da Independência) hospeda em suas fazendas D. Pedro e os leais paulistas e mineiros. E o envolvimento da família não para aí: entre os genros de Hilário destaca-se o sargento-mor Brás de Oliveira Arruda, um dos mais poderosos fazendeiros do Vale, dono de mais de 300 escravos. No inventário dos seus bens, foi declarada uma riqueza de 360 mil contos de réis, livre de dívidas, o que representa três vezes e meia o capital de abertura do Banco do Brasil, em 1808. Suas fazendas em Bananal também servem de base para os milicianos. Um dos primeiros a se alistar na Guarda de Honra foi Joaquim José de Sousa Breves. Este homem, na época um rapaz de dezoito anos, representava os Moraes Breves, a principal família governante do Centro-Sul durante todo o século XIX. No Segundo Reinado, ele se tornaria um dos maiores proprietários de terras e escravos do Brasil. Ficaria conhecido como “O Rei do Café” e suas fazendas, como “Reino da Marambaia”. Depois de pousar em Bananal, São Paulo, D. Pedro segue para Areias, onde se incorporam à Guarda João Ferreira de Sousa, dono da fazenda Pau D’ Alho, e seu filho Francisco. O príncipe é recebido em Lorena pelo capitão-mor Ventura José de Abreu, e em Guaratinguetá, por Manoel José de Melo, senhor do engenho Conceição, com seus mais de 33 mil hectares (ou 33 mil campos de futebol). Ventura, Manoel e Brás tinham sociedade em negócios de muares, cavalos e boiadas. Entre os anos de 1816 e 1817, os três respondiam por 70% dos animais comercializados para o Rio Janeiro. A chegada a São Paulo se deu no dia 25 de agosto à noite e em silêncio, pois havia ameaças de um atentado contra o príncipe. Sua presença foi fundamental para esvaziar a bernarda de Francisco Inácio. Depois esteve em Santos, para empossar o novo comandante de Armas. Então recebeu correspondência urgente do mensageiro Paulo Bregaro, que gastara 12 cavalos para vir a galope do Rio: eram cartas de Portugal (reforçando a ordem de embarque do príncipe), de José Bonifácio e da princesa Leopoldina (ambos aconselhando-o a não cumpri-la). Chegara o momento da Independência. Era o famoso 7 de setembro. Décadas depois, chamado a retratar o momento, o pintor Pedro Américo viu-se diante de uma dificuldade: a Guarda de Honra era formada por milicianos sem trajes específicos. Para compor a cena histórica, decidiu uniformizá-los. Esta militarização a eternizou como uma guarda oficial, algo bem distante do que realmente foi: a Guarda era fruto do apoio dos senhores da terra à Independência, com a manutenção dos Bragança no trono brasileiro. Aqueles homens não queriam mudanças. O que explica a adesão de tantos poderosos à defesa pessoal de D. Pedro. A partir daquela data, os fazendeiros do Sudeste assumiam as rédeas da nação.
É desar (derrota)
É humilhação
que sofrer jamais podia
brasileiro de coração
Saiba Mais:
FAORO, Raimundo. “Formação do patronato político brasileiro”. In Os donos do poder. vol. 1., 2ª ed., rev. e ampl. Porto Alegre: Globo/Edusp, 1975.
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. São Paulo: Símbolo, 1979.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Access, 1994.
OLIVEIRA, Cecília Helena Salles de. A Independência e a construção do Império. São Paulo: Atual, 1995.