A sambista Clementina de Jesus, 85 ou 87 anos (ela não tinha certeza de seu ano de nascimento), morreu no Rio de Janeiro, vítima de derrame cerebral. Descendente de bantus, neta de escravos, era um arquivo vivo das raízes negras da cultura brasileira. Sua estranha e marcante voz de contralto salvou do desaparecimento jongos e lundus que sobreviviam apenas em sua privilegiada memória.
Clementina, cadê você? Cadê Você? Cadê você? O coro foi puxado em seu velório no Teatro João Caetano, onde a cantora empolgara grandes platéias do Show das Seis e Meia.
Clementina tinha prazer em cantar. Na adolescência saía sempre fantasiada de peixeira nas Folias de Reis. Desfilou em carro aberto dirigido por Noel Rosa num carnaval. Cantou nas sessões de candomblé em Inhaúma, onde morava Tia Ciata, uma das baianas pioneiras que disseminaram o samba no Rio. Frequentava os jongos e caxambus da Tia Dorotéia em Osvaldo Cruz.
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Devota da Senhora da Glória do Outeiro, participava das festas das Igrejas da Penha e de São Jorge, cantando músicas de romaria. Foi ali que o compositor Hermínio Bello de Carvalho ouviu-a, por acaso, cantar. Trabalhou por muito tempo como empregada doméstica até iniciar sua carreira artística em 1964. Sua estreia foi no Teatro Jovem, em Botafogo, num movimento chamado Menestrel, que unia eruditos e populares. No ano seguinte integrou o musical Rosa de Ouro. Clementina, tão longeva, às vezes tinha sérios problemas de saúde. Em 1983, já com 82 anos, desenvolvia uma atividade artística tão intensa que foi internada para se recuperar de estafa. Em suas últimas apresentações já cantava sentada, mas tão ativa quanto podia. Suas músicas, ligadas à história do nosso país, representam o povo negro, sobretudo os jongos, e os lundus, que vêm do fundo de nossas origens. Clementina era uma lenda viva. Em 1982 ela foi homenageada como tema do samba-enredo da escola de samba de Lins Imperial, "Clementina - Uma Rainha Negra".
O canto popular que retrata o Brasil
Clementina nasceu em 7 de fevereiro de 1901, em Valença, Estado do Rio. Aos 10 anos mudou-se para o bairro de Oswaldo Cruz. Neta de africanos, descendia da Nação Bantu, um grupo etnolingüistico localizado principalmente na África subsariana. Seu pai foi mestre de capoeira e violeiro. Sua mãe lavava roupa cantando modas, jongos, incelenças e outros cantos de seu repertório que continham ecos da África. Foi nesta época que Clementina aprendeu os cantos de escravos, que mais de meio século depois registrou em disco. Ficou conhecida como a Rainha Guinga ou Quelé.
Fonte: JBLOG