20.7.12

De Verne a Eiffel: por onde passou o sonho de Santos Dumont



Em 19 de outubro de 1901, Santos Dumont dá a volta na Torre Eiffel com seu dirigível nº 6, com 33 m de comprimento e 622 m³, em 29min30s, ganhando o prêmio Deutsch no valor de 100 mil francos
Foto: Getty



Os parisienses foram atraídos para o parque da Gallete para assistir a um acontecimento extraordinário. O famoso Santos Dumont, o piloto brasileiro de origem francesa nascido em 20 de junho de 1873 e que já fazia parte da paisagem dos céus de Paris, iria lançar-se em mais uma proeza. A definitiva. Fazer um aparelho "mais pesado do que o ar" levantar voo, para assim ser contemplado com a Taça Archdeacon. Façanha que cumpriu no dia 23 de outubro de 1906, uma das tantas datas que assinala o começo da conquista dos ares pelo homem. O mítico sonho de Ícaro por fim começava a ser realizado.

Paris, a Vanguarda do Modernismo
A capital da França, no transcorrer do século 19, tornara-se a vanguarda do modernismo, atraindo sem cessar artistas geniais como Van Gogh e Picasso, cientistas como Freud, tal como aeronautas como Santos Dumont.

Símbolo maior disso foi o erguimento da Torre Eiffel em frente ao Trocadero para celebrar a passagem do Centenário da Revolução Francesa, ocorrido em 1889. A Torre, a moderna Catedral de Ferro, o edifício mais alto da Europa até 1930, servia como contraposição à Catedral de Notre Dame, o edifício de pedra que representava o passado cristão-feudal que a Terceira República Francesa, laica e burguesa, desejava suplantar.

A França também se colocava na vanguarda das experiências aeronáuticas, posição que vinha desde o século 18 com os experimentos dos irmãos Montgolfier, Joseph e Etienne (1783), que fizeram diversas provas de balonismo entre 1799 e 1810 - o rei Luís XVI, ao assistir ao primeiro alçamento de um balão, aconselhara que as experiências deveriam ser feitas com gente condenada à morte, tão perigosa lhe pareceu a aventura.

Isto é que explica não só a presença de Santos Dumont por lá, como também a intenção dos irmãos Wright de vender seu invento para o governo francês.

Exposição Universal de Paris (1900)
Um dos fatores que deu grande impulso à fabricação dos engenhos aeronáuticos foi a famosa Exposição Universal de Paris, inaugurada em 14 de abril de 1900, que serviu como fato catalisador, estimulando a que muitos aeronautas se preparassem para os desafios e atrair os olhos das multidões.

A nova Era Republicana, fundada em 1871, afeita ao progresso secular, tinha necessidades de afirmar-se pelo apoio sistemático às invenções e inovações tecnológicas, marcando assim uma posição oposta ao período Monárquico-Católico do passado francês, identificado pelos iluministas com o atraso e a superstição.

A Grande Exposição, com quase 50 pavilhões, visava a substituir as antigas Feiras da Idade Média, fazendo com que os aeronautas atuassem como se fossem os equivalentes aos mágicos e prestidigitadores das eras passadas, sendo capazes, inclusive, de fazerem engenhos voarem. Feericamente iluminada, ela foi por igual à primeira exposição na qual a eletricidade foi a rainha da festa.

Em 19 de outubro de 1901, Santos Dumont, partindo do parque de Saint-Cloud, onde se situava sua garagem-oficina e sede do Aeroclube da França, pilotando o dirigível nº 6, com 33 m de comprimento e 622 m³, circunavegou a Torre Eiffel e retornou ao ponto de partida em 29min30s, ganhando o prêmio Deutsch (de Henry Deutsch de la Meurthe, um magnata do petróleo), no valor de 100 mil francos. De fato, o dirigível atestava o domínio do homem sobre os elementos da natureza, a independência frente aos ventos e às correntes de ar, da mesma forma que a máquina a vapor tornara os navios mais livres dos maus humores da natureza.

A ficção de Julio Verne
Balões, dirigíveis, máquinas voadoras, Torre Eiffel, tudo isto nos leva também a lembrar com destaque o nome de Julio Verne, "o pai da ficção científica", e por igual amigo de Gustave Eiffel, que deixara dito:

"Meu objetivo foi o de descrever a Terra, e não somente a Terra, mas o universo, para onde eu já transportei algumas vezes meus leitores nos meus romances distantes da Terra".

Reuniu-se neste primeiro voo os elementos simbólicos que promoveram o grande salto do homem ao infinito: Julio Verne (o ficcionista que incendiou a imaginação do garoto Alberto, quando ele ainda estava no Brasil e tornou-se um leitor infatigável das 54 "Viagens Extraordinárias" escritas por Verne), o engenheiro Gustave Eiffel, que construíra a torre, símbolo universal do progresso, e o jovem Santos Dumont, que levou à prática e viabilizou o sonho de voar da humanidade.

Parece que Alberto deixara-se impressionar especialmente pela história de Robur, o Conquistador, na qual o personagem central, uma espécie de Capitão Nemo dos ares, viajava em um navio aéreo pelos céus do mundo inteiro, querendo acabar com as guerras. História poderosa que o marcou para sempre.

Fonte: VOLTAIRE SCHILLING