Por: Bianca Wild Florestan Fernandes nasceu na cidade de São Paulo no dia 22 de julho de 1920, filho de uma imigrante portuguesa, analfabeta que trabalhava como lavadeira, foi batizado pela patroa de sua mãe e desde de bem pequenino sentia o preconceito na pele, pois sua “madrinha” não o achava merecedor de um nome tão pomposo como Florestan e costumava o chamar por “Vicente”, devido às diversas dificuldades pelas quais a sua família passava começou a lutar por sua sobrevivência bem cedo, mais precisamente aos seis anos de idade trabalhando como engraxate, mas não parou por ai, também foi auxiliar de marceneiro, auxiliar de barbeiro, alfaiate e balconista de bar, infelizmente como sua vida não permitiu parou de estudar no terceiro ano primário, porém continuou a ler e a se informar constantemente quanto a política e a conjuntura e balizas do sistema vigente e fazia analises fantásticas da realidade da sociedade brasileira, muitos fregueses do bar onde trabalhava situado a rua Líbero Badaró o estimularam a prosseguir com os estudos, pois ficavam fascinados com o gosto pela leitura que ele possuía e com seus comentários sempre inteligentes, porém nem todos que o cercavam pensavam da mesma forma muitos dos seus amigos achavam desnecessário o seu interesse pela leitura e sua dedicação, inclusive a sua mãe temia que ao estudar e conseguir se formar a desprezaria teria vergonha por ela ser analfabeta, então mesmo indo de contra a tudo o que parecia lhe estar fadado concluiu o antigo curso “madureza”(supletivo) aos dezessete anos e aos dezoito ingressou na faculdade de filosofia e letras da universidade de São Paulo. Sempre dedicado e leitor voraz obteve a licenciatura em 1943, no mesmo ano foi publicado seu primeiro artigo no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em 1944 casou-se com Myriam com quem teve seis filhos e tornou-se assistente do professor Fernando de Azevedo na cátedra de sociologia II, obteve o titulo de mestre em 1947 com a dissertação “A organização social dos Tupinambás” e concluiu o doutorado em 1951 com a tese “A função da guerra na sociedade Tupinambá” sempre sob a orientação e com o apoio do professor Fernando Azevedo.Concluído o doutorado passou a livre docente da USP na cátedra de sociologia I e logo depois chegou a professor titular. Devido a seu engajamento na universidade foi perseguido pela ditadura militar e cassado com base no ato institucional de nº 5 (AI 5), em 1969 pediu exílio no Canadá onde assumiu o lugar do professor de sociologia na universidade de Toronto. Florestan faleceu em 10 de agosto de 1995 aos 75 anos de idade de embolia gasosa maciça logo após submeter-se a um transplante de fígado, mesmo com a saúde fragilizada estava revisando os originais de seu ultimo livro “A contestação necessária - retratos intelectuais de inconformistas e revolucionários", uma coletânea de biografias de amigos e heróis. Florestan de engraxate a professor,militante, dedicado, engajado, defensor dos oprimidos, dos interesses “dos de baixo”, solidário, um grande homem que nos encoraja a lutar por nossos objetivos por uma sociedade mais justa e igualitária e que sempre será lembrado, pelo menos por quem tiver um mínimo de sensibilidade e consciência principalmente ao ouvir-se o trecho de nosso hino com a seguinte frase “ ...verás que um filho teu não foge a luta...”, esse era Florestan que deixou mais do que uma lembrança para os familiares e para os amigos, deixou um exemplo para o povo, uma lição para o seu país um legado para a sua nação. De Vicente a Florestan Florestan era filho de uma mulher simples, analfabeta, sem muitos conhecimentos, sozinha imigrante portuguesa, tinha muitas dificuldades para cria-lo, trabalhava como lavadeira, Florestan era afilhado da patroa de sua mãe, preconceituosa e opressora dizia que Florestan era um nome muito pomposo e nome nobre para ser dado a um reles filho de lavadeira e por isso o chamaria de Vicente, cresceu tendo que amargurar essa e outras situações de humilhação e de certa forma rejeição. Por muitas vezes passou fome e chegou a contar que as pessoas as quais ele abordava muitas vezes para ajuda-lo com comida, quando o serviam era como se estivessem dando comida a um cachorro, condenado a miséria, a penúria e a ignorância, trabalhou como engraxate, pelas ruas, tão pequeno estaria sujeito a diversos tipos de risco, constantemente exposto a humilhação, teve que abandonar os estudos porque necessitava trabalhar e o trabalho lhe exigia tempo integral, mas sempre teve sede de conhecimento, sede de verdade, e mesmo com dificuldades, em meio a todas as adversidades lia, lia muito, tanto que seu esforço, inteligência e dedicação acabaram por ser reconhecidos e alguns freqüentadores de um bar em que trabalhou o estimularam e acabou por concluir os estudos e de tão capaz e dedicado pouco tempo depois já ingressava na universidade, neste momento ele mesmo dizia que “Vicente” começou a morrer e o “Florestan” veio a tona e assim seguiu-se o mestrado, o doutorado e o reconhecimento, aprendeu com as “duras lições da vida” a ser um homem honrado, de caráter inabalável e conduta exemplar. Porém por um certo grupo não era bem recebido, devido a sua origem humilde, a sua postura honesta e fiel as origens a qual fazia questão de manter usando trajes simples, de certa forma rústicos, percorrendo todos os arredores da instituição, conversava com todos sem restrições, porém a chamada aristocracia acadêmica não enxergava com bons olhos as suas atitudes; Florestan não estava satisfeito com a situação, com a reforma latente pretendida nas universidades e dizia que as universidades eram instituições restritas as elites, e como Florestan já teria sido Vicente certas atitudes o indignavam, para ele a universidade deveria ser de acesso a todas as camadas da sociedade e como a ditadura militar estava em vigência foi obrigado a ensinar sob forte tensão psicologia, pois suas atitudes deveriam ser restritas apenas ao que era permitido, mas Florestan entendia que cabe a cada ser humano construir o futuro que deseja para si mesmo, a sua experiência com a pobreza o fez possuir um sentimento de humildade e forças que o encorajavam em espírito e revigoravam o seu ânimo. Dedicou-se a estudar as diversas etnias presentes em nosso país, o índio, o negro, o trabalhador do campo e da cidade, todos brasileiros vitimas da discriminação, do preconceito da violência e principalmente da injustiça, foi Florestan quem profissionalizou a sociologia quando a pôs a serviço do desenvolvimento e da justiça social a que o povo tem direito, fiel as suas convicções poderia ter perfeitamente se corrompido em base as situações dificultosas as quais ele e sua família foram expostos, porém continuou firme, mantendo sempre seus princípios morais, tanto que quando preso, seu nome teria sido retirado da lista de professores cassados por seu amigo pessoal, apoiador e proprietário do jornal para o qual escrevia O ESTADO DE SÃO PAULO, Julio Mesquita filho, brigou com ele por não ter sido consultado para tal e por ser privilegiado e não achar justo que seus outros amigos também cassados e amigos do mesmo continuassem na lista e foi preso. Com toda a sua firmeza , inteligência e competência armou uma armadilha para o tenente coronel Bernardo Shönmanm responsável pelo inquérito militar-policial na universidade de São Paulo e uma carta a qual teria escrito a ele foi publicada em vários jornais no dia seguinte a sua prisão. em sua volta foi recebido com alegria e satisfação quando chegou a universidade, o reconhecimento de seu trabalho e competência nunca subiu a sua cabeça, nunca abandonou seus ideais de construção de uma nova sociedade continuou sendo um brasileiro simples orgulhoso de sua gente e da sua terra, confiante em que nos destinamos a um futuro melhor, mais digno mais justo e mais igualitário, nunca deixou de ser um homem do povo, um homem fiel a sua gente e aos seus ideais. Florestan e sua visão da escola pública A educação para o professor Florestan Antonio Candido, um intelectual amigo de Florestan por mais de 40 anos costumava dividir a vida do amigo como professor em fases, a primeira fase é a do Florestan professor da década de 1940, aquele da construção do saber, que esta construindo o seu e construindo a possibilidade de saber dos outros, o Florestan da década de 1950 é aquele que se apaixona perdidamente pela explicação dos saberes do mundo, porque tendo ele os instrumentos necessários nas suas mãos dedica-se a aplica-los para a compreensão dos problemas do mundo, o grande terceiro momento de Florestan professor inicia-se no final da década de 1950 e inicio da década de 1960, quando ele tendo aplicado o seu saber na compreensão do mundo transforma-o em poderosa arma de combate, claro que essas etapas distintas na realidade estão misturadas, porque sempre esteve presente a terceira na primeira e a primeira na terceira, afinal para Florestan, o saber estava em estado de construção constante, no que todos também acreditamos assim como Florestan, é necessário educar e educar-se para a vida. Muitos educadores estavam envolvidos na criação de um projeto que através do estado – educador, privilegiasse a educação escolarizada, tornando o acesso e a permanência cada vez maior nas classes mais baixas, ao mesmo tempo estava em andamento a aprovação da lei de diretrizes da educação nacional, que com o apoio das elites, não suportavam essas propostas e neste momento nasce a campanha em defesa da escola publica, unindo diversos intelectuais além de outros segmentos da sociedade. No meio intelectual uniram-se diferentes correntes de pensamento educacional, os liberais idealistas, os liberais pragmáticos e os socialistas, nesta encontravam-se Florestan, Fernando Henrique Cardoso e Darcy Ribeiro. Tendo a educação se apresentado como um dos temas centrais da sua vida, Florestan atuou na campanha e teve importante atuação na assembléia constituinte e no processo de construção da LDB, sofrendo decepções no processo de constituição da lei de diretrizes de base da educação até com seu amigo Darcy Ribeiro, que comete uma grande injustiça com Florestan ao dizer a seguinte frase: “Florestan não se inquieta com o milhão de alunos do proletariado infantil, que pagam caro para estudar a noite, em escolas péssimas, montadas para fazer lucros empresariais, enganando-os. Abandona -os à sua sorte”. Afirmação esta, que soa praticamente como um insulto contra Florestan, uma injuria contra quem sempre lutou pelos menos favorecidos, que mobilizou diferentes segmentos para a construção de um projeto democrático e tentou incluir nas leis das medidas que contemplassem a educação popular, encontrando resistências nas comissões, foi traído e injustiçado por seu amigo Darcy, considera também, que o projeto da câmara consolida o atual sistema de ensino e que continuaria a manter o Brasil na condição do “...país que oferece a seu povo a pior educação”. Esse conflito vivido entre Florestan e Darcy Ribeiro foi aberto e ocupou notoriedade na mídia, persistindo até próximo dos últimos dias da vida do professor. Florestan foi professor durante toda a sua vida, o desejo de Florestan era que os direitos humanos e a cidadania fossem respeitados e transmitidos aos alunos, ou melhor dizendo educandos, para ele, buscar a compreensão daquilo que os alunos vivenciam e direciona-los corretamente, é imprescindível, levando em consideração a formação do educando enquanto cidadão participante e pesquisador sobre a vida social como um todo, procurando assim compreender as diferentes maneiras que se interpreta as ações do próprio “eu” em seu espaço escolar onde atuam, como também em suas comunidades, e em maior escala em sua cidade , em seu estado e em seu país. Florestan criticava a pedagogia tradicional e condenava a postura de distanciamento dos educadores do real processo social, acreditando que estes deveriam estar engajados na tarefa de transformação social, por isso era um defensor permanente da escola publica, para ele não poderia existir estado ou sociedade democrática sem uma educação democrática via escola publica gratuita. Como bom marxista que era, sempre defendeu uma educação vinculada ao pensamento socialista, porque entendia a classe trabalhadora como a principal força revolucionaria, e, portanto seus membros deveriam estar bem orientados, preparados, informados e principalmente conscientes de seu papel e isto seria de responsabilidade da educação, logo entendia a educação como um fator de mudança social, que tem como responsabilidade retirar os educandos de um cotidiano a qual estão vinculados onde o que se pretende fazer é apenas fazer valer o processo de transmissão e imposição de um conhecimento estanque, totalmente distanciado da realidade e principalmente, imposto pelo sistema. Para Florestan essa forma de ensino esta amarrada as tradições ligadas aos modelos dominantes de construção de conhecimento, só é ensinado o que é permitido que não ameaça a ideologia imposta.Florestan acreditava que mesmo com as diferentes necessidades existentes no contexto educacional brasileiro era possível criar condições para que surgisse um exercício pleno e ativo da critica e da democracia, pois a principal virtude de um intelectual é a rebeldia critica e questionadora e a possibilidade do surgimento destes; para ele a transformação na educação era necessária, pois as concepções de ensino petrificam e cristalizam a aprendizagem na torpe encenação unidirecional da imposição e transmissão curricular, onde hábitos, valores e condutas simplesmente preparam indivíduos para atenderem aos interesses do mercado econômico. Tente imaginar Florestan hoje, o que ele acharia do ensino alienador transmitido nas escolas onde não se pode questionar..Ou melhor, os educandos não são incentivados a questionar. O que ele pensaria sobre o ensino técnico das chamadas FAETECs e outras? Como reagiria diante do desvio de recursos gritantes da educação? Bom, mas para Florestan a sociedade esta em constante construção até ser atingido um ideal, pois o ideal é o que esta por vir, é o que esta a nossa frente, e é principalmente pelo que lutamos, não o entendendo como algo utópico no sentido de impossível de existir, mas sim do que existe, mas que só não esta em vigência, não esta acontecendo agora, mas que devemos nos esforçar para atingi-lo e no qual se deve depositar e empenhar toda a esperança existente e a nossa ação para se tornar real, acontecido; essa é a mensagem de Florestan, o desafio de realizar um dialogo de competências em busca de uma igualdade em meio a todas as diferenças, uma exploração da diversidade fertilizada pela ética, por um esforço de afastar as falsas moralidades, o cinismo, a hipocrisia, a dominação e sempre de forma humilde e corajosa ampliar o espaço humano nas sociedades procurando superar os limites da realidade imposta, desnudar e desvelar os preconceitos, descobrir novos caminhos, novas possibilidades, trabalhando e afirmando a diferença, a diversidade e reconhecendo a igualdade trilhando um caminho, uma senda, compreendendo a sociedade como um projeto em construção. 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