Célia Cristina da Silva Tavares (FFP-UERJ)
Os primeiros seis jesuítas vieram para o Brasil com o primeiro Governador Geral, Tomé de Souza, em 1549, autorizados pelo rei para manterem, com exclusividade, atividades missionárias regulares na colônia. A congregação religiosa dos inacianos ainda estava em estruturação e somente em 1556 chegaram ao Brasil as recém-escritas Constituições da Ordem.
A Província do Brasil da Assistência de Portugal foi organizada desde o século XVI, enquanto que a Vice-Província do Maranhão só foi estruturada no século XVII.
Os nomes dos primeiros inacianos radicados no Brasil são muito conhecidos: Manuel da Nóbrega, João Azpilcueta, Leonardo Nunes, Antônio Pires, Diogo Jácome e Vicente Rodrigues. A este núcleo inicial somaram-se outros nomes ao longo do século XVI, dentre os quais o famoso José de Anchieta. O significativo crescimento dessa congregação religiosa no Brasil acompanhou a tendência geral de expansão da Companhia de Jesus. Em um período de 26 anos o número de inacianos aumentou muito, 61 em 1568 para 154, em 1594 [1].
Já a presença sistemática de representantes da Companhia de Jesus na região do Maranhão e do Grão-Pará foi relativamente tardia. No início do século XVII, mais precisamente em 1607, dois inacianos, Francisco Pinto e Luís Figueira, partiram de Pernambuco para a serra de Ibiapaba com o intuito de evangelizar tribos indígenas ali localizadas. O primeiro foi sacrificado pelos índios Tapuias; Luís Figueira conseguiu escapar e voltou a Pernambuco.
O segundo registro da presença de jesuítas nas terras do Maranhão se faz com a chegada da armada que expulsou os franceses de São Luís em 1615. Os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes passaram dois anos e meio realizando trabalhos de evangelização na região, sem formar missão.
Somente em 1622, Luís Figueira e Benedito Amodei chegam a São Luís para fixar residência dos jesuítas, encontrando resistência dos colonos na sua permanência, que só foi assegurada pelo firme apoio recebido pelo capitão-mor Antônio Moniz Barreiros. Os colonos temiam que os jesuítas dificultassem a escravização dos indígenas e por isso foram tão hostis.
Nesse mesmo ano, o colégio e a igreja da Companhia de Jesus em São Luís foram erguidos sobre ermida construída por capuchinhos franceses no tempo da França Equinocial.
Em 1636, Luís Figueira, acompanhando o governador Francisco Coelho de Carvalho, chegou ao Grão-Pará, também enfrentando hostilidade dos colonos. Ele estabeleceu contatos com indígenas, nascendo então a intenção de formar missão na região. Voltou à Europa para obter permissão e apoio para seus planos. Pelo alvará de 25 de julho de 1638, o jesuíta obteve a permissão para a "administração dos índios" do Estado do Maranhão [2]; mas somente em 1643 conseguiu partir com mais 14 missionários. No entanto, sua viagem não chegou a bom termo, a embarcação naufragou na entrada da baía do Sol. Apenas três dos religiosos sobreviveram ao naufrágio e o projeto das missões jesuíticas no Estado do Maranhão e Grão-Pará foi adiado[3].
Somente em 1652 a missão no Maranhão foi retomada, quando o padre Antônio Vieira recebeu ordem da Companhia de Jesus para embarcar imediatamente com destino às missões do Maranhão [4]. Sua vinda para a América também significou uma revitalização do projeto das missões da Companhia na região norte, além dele ter sido o grande articulador da defesa da liberdade dos índios.
A Companhia de Jesus teve uma ação destacada tanto no Estado do Brasil quanto no do Maranhão e Grão-Pará. Foi responsável pela administração de colégios que constituíam-se a base da educação ao longo de quase todo o período colonial. Também articulou importantes iniciativas de missionação dos indígenas, promovendo um complexo e inevitável processo de contatos culturais que muitas vezes causou problemas, mas que ao fim proporcionou significativos elementos para a formação do que é hoje nossa cultura. Consolidou ainda inúmeras iniciativas de ordem econômica que serviram para fortalecer suas ações evangelizadoras, mas que também despertaram inimizades e disputas com outras ordens religiosas e autoridades governamentais. Possuíam fazendas onde criavam gado, plantavam cana-de-açúcar e outros produtos, constituindo-se na priemira metade do século XVIII uma congregação religiosa muito rica e poderosa. No norte, articularam a exploração comercial das drogas do sertão, entre outras iniciativas muito lucrativas.
Tamanho apego à manutenção do poder econômico proporcionou oposições violentas contra os jesuítas ao longo do século XVIII. Duas bulas papais de 1741, que proibiam aos missionários qualquer comércio e o exercício de autoridade secular, foram reafirmadas pelo marquês de Pombal na tentativa de minimizar o poderio dos inacianos.
É justamente no período pombalino que a perseguição aos jesuítas se precipitou. Os inacianos dificultaram a realização de uma série de providências em relação aos indígenas, especialmente no norte e o governo de Francisco José investiu no antagonismo com os padres da Companhia de Jesus. Primeiro foi a lei de 1757, que retirava dos missionários a administração temporal das aldeias, que deveriam ser uma organização puramente civil, doravante. Essa lei foi complementada pelo Alvará de 8 de maio de 1758, o Diretório dos Índios, que pode ser classificado como o responsável pela definitiva secularização das missões do norte.
No ano de 1757, dez jesuítas foram expulsos. Dentre eles destacam-se o padre João Daniel [5], que expusera ao governador uma reclamação sobre a lei das liberdades e foi acusado de insubordinação; e os padres André Meisterburg e Anselmo Eckart, acusados de terem armado os índios, como acontecera no sul nas missões guaranis. Esta acusação se reporta a um episódio que remontava a uma viagem do governador Mendonça Furtado, irmão de Pombal, para transformar a missão jesuítica de Trocano na Vila de Borba, a nova. Quando lá chegou, o governador foi recebido com uma salva de tiros de duas peças de canhão que existia na missão e que, segundo o padre Anselmo Eckart, servia para espantar os índios bugres que por vezes ameaçavam a aldeia. No entanto, Francisco Xavier de Mendonça Furtado reconheceu nesse episódio uma reprodução da formação do exército guarani. O pretexto é evidente, e foi largamente difundido, a ponto de criar uma imagem de que os jesuítas, ao norte, teriam tentado imitar seus irmãos do sul no momento delicado de se obedecer aos ditames do Tratado de Madri de 1750.
Importante notar que os acontecimentos que se desenvolviam na colônia repercutiam no reino, alimentando uma série de denúncias divulgadas por diversas obras. Aproveitando esse momento, Pombal recomendou que o embaixador português em Roma fizesse denúncia contra a Companhia de Jesus, acusando-a de praticar comércio no Grão-Pará e Maranhão. O Cardeal Saldanha da Gama foi indicado pelo papa para o cargo de Reformador e Visitador da congregação inaciana, para investigar essas acusações. Em 1758, o Cardeal confirmou as denúncias, retirou as faculdades de confessar dos inacianos e condenou o Geral da Companhia de Jesus, Lorenzo Ricci, por permitir a comercialização das drogas do sertão.
O golpe de misericórdia estava para ser desferido. Ele se desdobrou em duas medidas tomadas em 1759: a Carta Régia de 28 de junho, reformando os estudos de latim, grego e retórica, e proibindo os jesuítas de ensinarem essas disciplinas, atividade que sempre fora o ponto fundamental da ação pedagógica da Companhia; e a lei de 3 de setembro, na qual os jesuítas foram declarados proscritos, foram desnacionalizados e, finalmente, expulsos do reino de Portugal e suas possessões. Os inacianos foram presos e seus bens confiscados. Os exilados, na sua maioria, se dirigiram a Civitavecchia, nos Estados Pontifícios, mas muitos ficaram presos nos cárceres de Portugal.
[1] Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália/Civilização Brasileira, 1945, v. VII, p. 240.
[2] A patente de Roma que dava a Luís Figueira o encargo de fundar a missão no Maranhão tem data de 3 de junho de 1639. Ver Serafim Leite, Suma Histórica da Companhia de Jesus no Brasil (Assistência de Portugal): 1549-1760. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. p. 249.
[3] João Lúcio de Azevedo. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Lisboa: Tavares Cardoso & Irmão, 1901. p. 40.
[4] Segundo Serafim Leite, op. cit., p.249, Vieira foi o efetivo fundador da missão do Maranhão e Pará.
[5] Depois de expulso, enquanto esteve preso nos cárceres da fortaleza de S. Julião em Lisboa, o padre João Daniel escreveu um livro, Tesouro descoberto no rio máximo Amazonas, Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1830, onde descreveu a região amazônica do ponto de vista geográfico e considerou as potencialidades de recursos agrícolas baseado na sua experiência de dezoito anos como missionário.
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